NOVA YORK. Não é apenas com o Congresso que o presidente eleito, Barack Obama, está exercitando uma delicada negociação com democratas e republicanos em busca de um consenso político em torno das medidas de seu programa de recuperação da economia. Ele está dando sinais em várias áreas de que pretende ter um amplo grau de amparo político, mesmo que em alguns casos essa busca do apoio o mais amplo possível possa sugerir ambiguidade ou fragilidade de opinião. Não se passa um dia sem que se tenha um exemplo desse comportamento, seja em puro simbolismo, seja em tomadas de decisões.
O bispo anglicano de New Hampshire Gene Robinson, um defensor aberto dos direitos dos homossexuais, anunciou ontem que foi convidado para fazer uma prece no Lincoln Memorial no próximo domingo, no início da série de cerimônias que culminarão com a posse do novo presidente na terça-feira.
O convite ao bispo Robinson foi a maneira de contrabalançar outro polêmico convite, para que o pastor antigay evangélico Rick Warren faça a invocação na cerimônia de posse.
O próprio Obama já tentara amenizar a situação criada lembrando que havia convidado outros pastores para participar da cerimônia, como Joseph Lowery, um veterano defensor dos direitos civis, parceiro de Martin Luther King.
Mas há outros sinais de tentativa de equilibrar posições às vezes inconciliáveis. No fim de semana, numa entrevista à rede de televisão ABC no programa de George Stephanopoulos, um ex-porta-voz de Bill Clinton, Obama tocou em assuntos delicados como a prisão de Guantánamo e a política antiterrorista demonstrando muita ambiguidade, a começar pelo fato de que admitiu que conselhos do vice-presidente Dick Cheney podem ser úteis nessa área.
Cheney havia advertido Obama de que ele não deveria implementar uma política antiterrorista baseada em suas promessas de campanha antes de ser informado totalmente sobre a verdadeira situação.
Obama disse que aquele era "um conselho muito útil", e, embora tenha reiterado discordâncias com a política de Cheney de defesa de torturas nos interrogatórios, e reafirmado sua decisão de fechar a prisão de Guantánamo em Cuba, disse também coisas que podem indicar direção oposta.
Obama não quer fazer prejulgamentos, não pretende que os membros da CIA e de outros serviços de inteligência fiquem pressionados e deixem de fazer o bom trabalho que fazem em defesa do povo americano, e acha que fechar Guantánamo será "muito mais complicado do que muitos pensam", inclusive porque não quer deixar livres pessoas que possam ameaçar a segurança do país.
Ontem, talvez para minimizar a má impressão causada por algumas das declarações, começaram a sair notícias atribuídas a assessores informando que Obama assinará, no primeiro dia de seu governo, o fechamento da prisão de Guantánamo, embora a execução da medida possa demorar muito tempo por questões burocráticas e de segurança.
O próprio presidente eleito já tinha dito em outras ocasiões que levaria muito tempo para que os 250 presos mantidos em Guantánamo fossem realocados em outras prisões nos Estados Unidos ou enviados para outros países, e na entrevista comentou que dificilmente a tarefa estará completada nos primeiros cem dias de seu governo.
A posição contra a tortura é inabalável, reafirmada na apresentação de Leon Panetta, secretário-geral da Casa Branca na gestão do presidente Bill Clinton, para o cargo de diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência americana. A escolha é emblemática, pois o próprio Panetta tem sido um crítico feroz das práticas de interrogatório da agência.
Tem sido muito citado um recente artigo no "The Washington Monthly", no qual Panetta afirmou: "Aqueles que apoiam a tortura devem acreditar que podemos abusar de prisioneiros em certas circunstâncias especiais e ainda sermos verdadeiros aos nossos valores", ele escreveu no jornal no ano passado. "Mas esse é um falso compromisso."
Mas, na mesma cerimônia em que confirmou a escolha de Panetta, um outsider do mundo de sistema de inteligência, o presidente eleito também confirmou a permanência de Stephen Kappes no segundo cargo da CIA, o mesmo que foi responsável pela supervisão de algumas das cadeias onde foram praticadas torturas na administração Bush, em mais um sinal de que Barack Obama pretende impor uma nova orientação a setores estratégicos, mas sem fazer caça às bruxas e muito menos deixar inseguros elementos importantes do esquema de segurança.
A manutenção de Robert Gates na Secretaria de Defesa é outro sinal de que, como ele disse na mesma entrevista, "em matéria de segurança nacional, precisamos garantir que as coisas corram direito no futuro, e não ficar procurando o que fizemos de errado no passado".
Devido a essa visão, também é pouco provável que a futura administração acate a pressão de diversos setores liberais que exigem uma ampla investigação sobre os crimes praticados no governo Bush.
Embora tenha garantido que não sustará nenhum processo se o Departamento de Justiça descobrir evidências de que a lei foi violada, Obama repetiu várias vezes que não pretende fazer uma caça ao passado, mas sim garantir que o futuro seja diferente.
Ele está agindo, em relação à segurança nacional, da mesma maneira que reagiu às críticas à sua equipe econômica, considerada por setores mais à esquerda dos democratas como muito ligada às políticas tradicionais que levaram à crise econômica atual.
Obama garantiu na ocasião que as mudanças virão de sua orientação. Ele continua apostando alto no seu carisma e na popularidade para levar adiante seu governo. Mas já há quem o veja ameaçado pela crise econômica e pela ambiguidade de ser um presidente de um mandato só.