O ESTADO DE S PAULO
No mundo antigo, qualquer ataque dos bárbaros era uma tragédia. Mas ainda mais apavorante era esperar por eles.
Hoje, as negociações entre empresários e trabalhadores estão tremendamente carregadas de ansiedade porque ninguém sabe o que vem pela frente.
Há elementos que apontam para uma quebra brutal da atividade industrial. O próprio presidente Lula abandonou a retórica da marolinha e já não esconde sua preocupação sobre o que poderá sobrevir no primeiro trimestre do ano. Confessou que teme até mesmo convulsões sociais.
Os números de dezembro serão provavelmente decepcionantes porque boa parte da indústria teve de antecipar ou prolongar férias coletivas para escoar estoques. E nada como máquinas desativadas e linhas de produção paralisadas para derrubar as estatísticas.
Não dá para negar que há uma mudança brusca no padrão de demanda da economia interna. Mas por enquanto ninguém sabe o que isso de fato significa nem quanto tempo exigirá para o ajuste.
As exportações estão mais fracas, em volume e preço, o que reflete a recessão global. Se os Estados Unidos, a Europa e os demais emergentes importam menos do Brasil, sobra mercadoria para ser desovada no mercado interno. Alguns setores, por sua vez, estão vivendo um tempo de saturação. Como esta coluna vem argumentando, na área de veículos e de aparelhos domésticos (duráveis), os consumidores ainda estão pagando as prestações das compras anteriores e levarão um bom tempo para voltar às compras. Há, também, os já conhecidos problemas com escassez de crédito. Menos financiamentos à disposição do mercado implicam redução das vendas.
E, finalmente, o consumidor também está mais cauteloso para sacar seu talão de cheques. Já entendeu que a renda familiar corre riscos e está menos disposto a extravagâncias.
Ainda não há clareza sobre o impacto desses fatores. Também não há clareza sobre os desdobramentos da crise. Há apostas para todos os gostos. Há quem afirme que "a situação terá de piorar muito antes de melhorar" e há quem acene com melhores dias "para logo mais".
O maior fator de incerteza é a mudança de comando nos Estados Unidos. Economia é 1% de acerto técnico e 99% questão de confiança. (Você pode divergir à vontade a respeito dessa relação de números.)
O novo presidente da mais importante economia do mundo, por exemplo, toma posse na próxima terça-feira. Assume com enorme capital político e grande expectativa. Mas ninguém sabe se suas decisões empolgarão ou se provocarão ainda mais decepções. Até agora, Barack Obama não foi testado na sua capacidade de formular e administrar políticas públicas.
A carga de ansiedade interna é multiplicada por um fator adicional. Grande número de dirigentes de entidades empresariais e sindicais e, também, membros do governo não pensam em outra coisa a não ser em seu projeto eleitoral. Estão mais empenhados em chamar a atenção do distinto público do que em resolver problemas.
Para eles, quanto mais tempo durarem as tensões e as ameaças de invasão dos bárbaros, tanto melhor.
Confira
Ao gosto do freguês - Está generalizada a percepção de que o principal negócio do auditor é fazer uma contabilidade ao gosto do dono da empresa.
Foi esta, em síntese, a reação de muitos leitores que comentaram as críticas desta coluna ao comportamento dos auditores nesta crise.
Mas alguém reclamou de que eu tivesse poupado uma das gigantes do setor, a PriceWaterhouseCoopers.
Não houve a intenção. Aliás, a Price foi afastada da auditoria do escândalo bilionário na indiana Satyam Computer Services, do setor de tecnologia.
Entrevista:O Estado inteligente
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