Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 21, 2009

Augusto Nunes Assassino de estimação (1)

SEMPRE QUE TARSO GENRO tem uma idéia, sempre que lhe bate a vontade de fazer alguma surpresa, deveria ser trancado no banheiro, no sótão ou no porão até que a coisa passasse. Tal medida preventiva teria evitado, por exemplo, que o ministro da Justiça pensasse na revanche contra torturadores aposentados ­ algo parecido com um Brasil x Uruguai 30 anos depois da tragédia da Copa de 1950, com os mesmos jogadores em campo. Em meia hora de cárcere privado, o impulsivo gaúcho talvez tivesse esquecido a idéia de recusar o pedido de extradição formulado pela Justiça italiana e promover o criminoso Cesare Battisti a asilado político. Bandido de estimação é gente fina. Ao reaparecer em Brasília depois de duas semanas de sumiço, o ministro contou que não usara o período de folga para mergulhos no mar, como o presidente Lula. Atravessara dias e noites acordado, caprichando em mergulhos no oceano de papéis que reconstituem o caso Battisti. O rosto bronzeado, a ausência de olheiras e a loquacidade avisam que, se é que existiram, as madrugadas insones não foram muitas. O palavrório comprova que, se é que houve, o mergulho não alcançou a folha corrida de Battisti. Não tem nenhum parentesco com biografias resumidas de idealistas exemplares. É só um prontuário que permite identificar um homicida singularmente brutal. A leitura da capivara informa que o ladrão comum, concentrado desde a adolescência em batalhas diárias contra o direito de propriedade, foi bem mais operoso e muito menos feroz que o soldado mobilizado, de 1976 a 1978, para a guerra suja contra o regime democrático ­ e contra o direito à vida. Quem entrou na cadeia foi o assaltante de alta produtividade. Quem saiu foi o embrião de um assassino de alta periculosidade. Convertido por um vizinho de cela em devoto da seita terrorista Proletários Armados do Comunismo, Battisti tinha 24 anos quando foi considerado pronto para matar. Num artigo publicado na Folha de S.Paulo, o jurista italiano Armando Spataro, procurador da República em Milão e coordenador do Departamento de Combate ao Terrorismo, escancarou o lixão de mentiras, fantasias, invencionices, espertezas e pilantragens amontoadas para justificar a absolvição arbitrária pelo magistrado Tarso Genro de um personagem que Spataro qualifica de "assassino puro". Hoje com 60 anos, faz quase 30 que sabe tudo sobre o caso. Auxiliado por colegas do Ministério Público, policiais e juízes vinculados à Operação Mãos Limpas, foi ele quem conduziu as investigações que resultaram na prisão do terrorista em 1979 e, depois, no julgamento que condenou à prisão perpétua o réu comprovadamente envolvido em quatro homicídios. Sereno, seguro, Spataro implode uma a uma as falácias recitadas pelo pedaço do Brasil que, depois de espantar o lado decente com manifestações de apoio a vilões de novela, agora torcem ostensivamente por bandidos de verdade. "Naquele tempo, a Itália vivia uma fase conturbada", vem repetindo Tarso. Conturbada por delinqüentes que trocaram votos e urnas por metralhadoras e bombas para substituir o estado de direito e substituí-lo pela ditadura comunista. "Battisti foi militante de um grupo político de orientação esquerdista", viajou o jurista Dalmo de Abreu Dallari num artigo tão delirante que enquadrou na "extrema-direita" o governo que os guerreiros do proletariado queriam derrubar. No período em que o artilheiro adotado pelo governo Lula liquidou a tiros dois policiais e dois comerciantes "contra-revolucionários", o país controlado pela extrema-direita era o Brasil. Na Itália democrática, estavam no poder donos de currículos que identificam veteranos da resistência ao fascismo. Se Dallari escala na extrema-direita o ex-primeiro-ministro Francesco Cossiga, que posição sobraria para Mussolini? "Battisti foi condenado com base no que disse uma testemunha beneficiada pela delação premiada e não teve direito à ampla defesa", declamou Tarso. Bobagem, conta Spataro. Se não tivesse fugido do país, o acusado esperaria sem torturas nem ameaças o dia do julgamento, que acompanharia na primeira fila. E então saberia que, ao depoimento do companheiro, que resolveu contar tudo, somou-se uma montanha de provas que o teria soterrado se o assassino não descobrisse o Brasil.
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