Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 06, 2009

0 Endividamento público indireto Paulo R. Haddad


Todas as instituições financeiras e não financeiras controladas pelo governo deveriam ter uma dupla contabilidade de todas as suas operações: a contabilidade tradicional, que segue as normas legais que variam de acordo com a natureza jurídica da instituição, e uma contabilidade que registre os custos de suas operações para atender às demandas das políticas públicas e das ações de seu controlador, o governo. Essa nova contabilidade permitiria à opinião pública distinguir, entre os custos, os decorrentes da gestão incompetente dos negócios daqueles resultantes da cunha política na definição das estratégias e táticas dessas empresas.

Desde a 2ª Guerra Mundial, o governo atribuiu direta ou indiretamente alguma função (um programa, um projeto ou uma política) para ser executada por suas empresas. Se era preciso controlar a aceleração inflacionária, entre as medidas adotadas, promovia-se o congelamento de preços e tarifas da energia elétrica, dos derivados do petróleo, etc., sem se preocupar com a saúde financeira das empresas. Se era preciso atenuar os desequilíbrios regionais de desenvolvimento, determinava-se que algum grande projeto de investimento de empresas estatais se deslocasse para uma determinada área periférica, sem se preocupar com repercussões adversas para as condições de sua rentabilidade financeira e de competitividade sistêmica.

O mesmo aconteceu com as instituições oficiais de crédito e financiamento. Quando o governo federal decidiu privatizar ou liquidar muitos dos bancos públicos estaduais por meio do Proes, um programa de reestruturação desses bancos, coordenado pelo Banco Central, encontrou um imenso volume de "créditos podres", que podem ter dado à sociedade brasileira um prejuízo superior a R$ 100 bilhões ao serem equacionados.

Entre esses "créditos podres" estavam as chamadas "operações triangulares" promovidas pelos Tesouros Estaduais e resultantes de endividamento de empresas privadas da construção pesada com aval indireto do poder público para realizar obras de infraestrutura para as quais não dispunha de recursos financeiros em seu orçamento e fluxo de caixa. Como essa fragilidade financeira dos Tesouros estaduais era crônica, acabava-se por incorporar esses "empréstimos triangulares" no passivo dos bancos oficiais, que ficavam à espera de alguma operação de salvamento, quase sempre com apoio do governo federal.

Essa reflexão está sendo feita em virtude de sua eventual atualidade na presente conjuntura da economia brasileira. O governo federal está conduzindo com muita responsabilidade política e proficiência técnica um esforço para evitar que o País entre numa profunda recessão econômica. Entretanto, encontra uma profunda restrição orçamentária para realizar uma política fiscal anticíclica de defesa dos níveis de renda e de emprego.

Volta e meia, pensa-se em aprofundar o papel das três principais instituições financeiras federais (BNDES, CEF e BB) com ações de natureza compensatória à recessão que avança. Muitas dessas ações são legítimas e acompanhavam as melhores diretrizes anticrise dos países mais desenvolvidos, onde pouco a pouco a recessão vem se transformando em depressão econômica. É preciso, contudo, evitar a tentação de jogar para o sistema financeiro oficial ou paraoficial (fundos especiais ou previdenciários) gastos que são tipicamente de natureza fiscal.

Há o risco, pois, de migrarem disfarçadamente, para os três bancos públicos federais, despesas próprias de governo (subsídios à habitação, incentivos fiscais a investimentos privados, equivalência das taxas de juros em condições favorecidas, etc.), sem uma contabilização explícita. Um procedimento que pode levá-los a quebrar as regras prudenciais da sua missão institucional e do seu funcionamento, envolvendo-os em elevados níveis de riscos, de inadimplência e de fragilidade financeira.

Em eventualidades e casos como esses, há a formação de megaesqueletos financeiros que somente podem ser absorvidos, no médio prazo, pelo Tesouro Nacional, que em última instância, ao se endividar para equacionar o problema, transfere para a sociedade brasileira os custos da solução. Na verdade, o que ocorre é a explicitação no futuro de um eventual endividamento público de forma indireta e disfarçada no presente, que, contudo, não passa despercebido pelo mercado financeiro que passa a contabilizá-lo no déficit potencial.

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