Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 24, 2005

Zuenir Ventura Vinicius de presente

o globo

Como devo ter sido um dos últimos a vê-lo, corro o risco de repetir o que já se disse, que se trata de um raro fenômeno cultural consagrado pela crítica e pelo público, que chora, ri e aplaude na maioria das sessões. Eu resumiria o que senti assim: "Vinicius" foi o melhor presente de Natal que o cinema brasileiro poderia nos dar. O filme é tão bom, tão comovente, que resiste inclusive aos eventuais problemas que na minha opinião ele possa ter — uma opinião muito particular e, claro, discutível.

Acho, por exemplo, dispensáveis os números de declamação de poemas, não por causa dos artistas, que são ótimos, mas porque seria melhor ter em lugar do pocket-show mais falas e imagens do poeta. Também não entendi a presença de Zeca Pagodinho completamente deslocado naquele contexto. Finalmente, foi agradável ver Bethânia contando história, mas uma pena não ouvi-la cantando pelo menos uma música do compositor de quem gravou um excelente CD.

No mais, o filme de Miguel Faria Jr. é impecável, a começar pelos depoimentos descontraídos que conduzem a narrativa. Os testemunhos de Susana de Moraes, Chico Buarque, Ferreira Gullar, Tônia Carrero, Edu Lobo, Antonio Candido traçam um perfil que, sem omitir os divertidos aspectos anedóticos do personagem, corrige uma certa visão folclórica que fazia do poeta-compositor o poetinha, um poeta menor, ele que é um dos mais refinados sonetistas da língua poética de Camões.

Sua aventura existencial foi tão excitante, com suas libações etílicas, seu desprezo às convenções, sua ampla liberdade sentimental, seus nove casamentos e sua renovada disposição de se apaixonar, que não raro fez sombra à sua arte. Pois o documentário reforça a certeza de que Vinicius de Moraes, que promoveu a conciliação entre o erudito e o popular, permanece um grande artista não por suas atitudes, mas por sua obra, não por causa de sua vida boêmia, mas apesar dela.

Susana, que é produtora do documentário e filha do poeta, tem uma tentativa de explicação para o sucesso, cujas razões talvez não se limitem às qualidades artísticas do filme. Desprendido, sem apego a dinheiro, sempre pronto à entrega, Vinicius encarna, segundo ela, alguns valores perdidos que são recuperados pelo filme, que é também um retrato de época. De fato, o documentário é uma irresistível celebração da fraternidade, do afeto, do amor, da música, da poesia, da vida. Que haja demanda para bens tão em falta no mercado é um bom sinal.



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