Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 31, 2011

Novos rumos MERVAL PEREIRA

O Globo - 31/05/2011

Apesar das divergências, ou até por causa delas, o PSDB saiu de sua convenção nacional sábado passado melhor do que estava. Isso porque conseguiu não apenas expor suas diferenças de maneira aberta, o que anteriormente só aparecia por baixo dos panos ou em fofocas de bastidores, mas definir uma linha de orientação.

Ficou claro que, no momento, o grupo majoritário do partido apoia o ex-governador de Minas e atual senador Aécio Neves, e a direção política será dada a partir de agora por esse grupo.

Ao mesmo tempo em que teve que aceitar essa hegemonia, o ex-governador José Serra teve força suficiente para ganhar um papel de relevância na direção partidária, deixando explícito que sem São Paulo não é possível se pensar em um projeto viável na sucessão presidencial, assim como, nas três últimas vezes, não foi possível vencer sem o apoio de Minas.

Escantear deliberadamente uma liderança política como Serra, como setores do partido desejariam, seria suicídio, assim como não tinha o respaldo da realidade o sonho do grupo serrista de dominar o partido.

Se tentasse impor sua vontade - que primeiro foi ser presidente do partido, e por fim assumir a direção do Instituto Teotônio Vilela (ITV) para, a partir dali, fazer sua campanha para ser mais uma vez candidato a presidente -, Serra constataria que já não tem a maioria do partido a seu lado.

Pelo menos no momento.

Não chegou a haver uma disposição real de a representação paulista boicotar a convenção caso Serra não fosse aquinhoado com uma boa posição, pelo simples fato de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador paulista Geraldo Alckmin atuaram sempre de comum acordo e na base da temperança, não permitindo que predominasse a tentativa dos mais radicais, nem de um lado nem de outro.

A partir de agora, a realidade pautará as ações do partido e de cada uma de suas forças políticas. O ex-governador e candidato duas vezes à Presidência da República José Serra terá uma exposição política, se não à altura de seus sonhos, condizente com sua importância no cenário político brasileiro, de onde poderá ajudar o partido e ajudar-se, reorganizando seus contatos nas bases, à espera de uma mudança de ventos.

Já o PSDB começa uma nova fase claramente sob a liderança política do senador Aécio Neves, que manteve o controle da direção nacional e colocou no ITV o ex-senador Tasso Jereissati, recuperando para a vida pública uma das maiores lideranças do partido, e dando a ele uma tarefa a que está acostumado, com sucesso: reunir técnicos e pensadores para balizar as ações partidárias.

O senador Aécio Neves sai do embate como o provável candidato do PSDB à sucessão de Dilma Rousseff, retemperado pela vitória.

Mas também precisará demonstrar que está preparado para o papel que almeja há tanto tempo.

Com a manobra política que lhe assegurou a maioria partidária, Aécio Neves reafirmou sua capacidade de costurar acordos políticos nos bastidores, que já demonstrara em ocasiões anteriores.

Especialmente quando surgiu como fato consumado a preferência dos tucanos e de outros partidos da base em vêlo presidente da Câmara em vez de Inocêncio de Oliveira, do então PFL, como estava combinado com o presidente Fernando Henrique.

O ex-governador José Serra, um especialista em manobras de bastidores, e político ousado e temido, negava a Aécio Neves essas habilidades, e tentou enfrentá-las, sem sucesso, nessa empreitada de agora.

A política, no entanto, volúvel como as nuvens do mineiro Magalhães Pinto, não dá a ninguém vitórias antecipadas, e nem declara a morte de véspera de qualquer político, especialmente da categoria de José Serra.

A partir de agora, ele terá de se adaptar à realidade que superou seus desejos, mas pode também aguardar em boa posição para ver como ficarão as coisas a longo prazo.

Tem tempo e paciência para tal.

Se decidir concorrer à prefeitura de São Paulo, que não era sua escolha até recentemente, Serra estará deixando o caminho livre para Aécio Neves.

O fim de sua carreira política no cargo de prefeito paulistano não é uma opção ruim, pois estará à frente do terceiro cargo mais importante politicamente do país, perdendo apenas para a Presidência da República e o governo de São Paulo.

Desse cargo, terá influência política de sobra, seja qual for o presidente eleito em 2014. Especialmente se ele for do PSDB.

Mas, se persistir na tentativa de disputar a Presidência da República, a presidência do Conselho do PSDB lhe dará uma exposição pública, e meios de manobras internas, desde que tal conselho venha realmente a funcionar.

O fato de ele ter ganhado poder deliberativo foi sem dúvida uma vitória de Serra, embora não tenha sido uma decisão de última hora como está sendo divulgado.

Já na sexta-feira estava claro que só faria sentido oferecer esse conselho a Serra se ele tivesse funções práticas. Porque seria suicídio político abrir mão de sua real contribuição ao partido.

Assim como não queriam que Serra assumisse o ITV para que não tivesse verba e autonomia para fazer dele seu palanque político, também o conselho não poderá ser usado com interesses eleitorais.

Da mesma maneira, Aécio Neves terá que se conduzir com cautela mineira para não usar a estrutura partidária em benefício próprio.

Fazer com que os interesses do partido estejam representados nos diversos estados, e levar a discussão dos temas nacionais para as bases partidárias, a partir da eleição municipal do próximo ano, será a tarefa principal da nova direção.

A candidatura de Aécio à Presidência terá que vir como decorrência desse trabalho, e não como imposição dele.

Mesmo porque as negociações mostraram que há outro líder que tem que ser levado em conta, o governador Geraldo Alckmin.

Com a ida de seu vice Afif Domingos para o PSD, Alckmin ficou um pouco preso à sua própria sucessão, para não deixar o governo nas mãos do partido de Kassab.

Mas, de novo, este é um retrato do momento. Até 2014 muita água vai rolar.

E Aécio terá de utilizar todos os truques que aprendeu na política mineira para manter a posição de favorito ao posto de candidato tucano na sucessão de Dilma Rousseff

O Fundo, no fundo MIRIAM LEITÃO

O Globo - 31/05/2011

O FMI virou não se sabe muito bem o que depois do terremoto de 2008 e seus after-shocks. Tão duro e exigente com os emergentes, tão condescendente com os países que o controlam! É uma contradição insanável. Ontem, Christine Lagarde disse que ser europeia não é benefício nem falta. É benefício sim. É o que a mantém na frente da disputa.

Lagarde tem vários méritos, mas sua certidão de nascimento é o fator determinante de estar na frente da disputa pelo cargo mais importante do Fundo Monetário Internacional (FMI). Fosse tudo o que é, boa gerente, boa ministra das Finanças, advogada reconhecida, boa comunicadora, boa negociadora, com inglês perfeito, mas tivesse nascido em qualquer país não europeu, não seria a candidata do G-8. Portanto, não é uma falha ser europeia, mas é um benefício.

Lagarde será a nova diretora- gerente do FMI porque os ricos se uniram em torno dela e porque os emergentes não se uniram em torno de ninguém. A China está de olho em um lugar para si, o segundo posto. Os candidatos avulsos que aparecem são mais lembranças de analistas que qualquer movimento de articulação. Só o México lançou Agustín Carsten, presidente do Banco Central do país.

A imprensa inglesa tem criticado mais que os países emergentes esse monopólio do cargo mais importante do Fundo pela Europa. Segundo a "Economist", o monopólio é há muito tempo uma anomalia." É tempo de acabar com isso." Ainda de acordo com a revista, "dadas as circunstâncias da saída do Sr. Strauss-Kahn, o fato de ela ser mulher é um bônus."

Na reunião de ontem no Ministério da Fazenda, Lagarde e o ministro Mantega conversaram a sós por 20 minutos. Depois foram para um almoço em que havia assessores. Na segunda parte da conversa os assuntos foram mais a situação da economia mundial, crise da Europa, do que propriamente a sucessão no FMI. O Brasil não tem intenção de lançar candidatura para marcar posição, mas gostaria que tivesse sido diferente a substituição de Strauss-Kahn. Inclusive quando o francês esteve no Brasil pedindo voto, o país tinha pedido que o critério de ser sempre um europeu a dirigir o Fundo fosse quebrado. Ele prometeu. Mas sua saída intempestiva e traumática invalidou o combinado.

Mais do que um critério ultrapassado, o que a "Economist" diz é que é inapropriado que seja um europeu porque é lá que ocorre a principal crise financeira do mundo hoje. "O Fundo teria que ser um árbitro imparcial da política econômica. É a única organização que pode forçar a repensar a estratégia falha para a solução dos problemas da Grécia, Portugal e Irlanda." Segundo a revista, as pretensões presidenciais do ex-diretor-gerente Dominique Strauss-Kahn o levou a ser muito suave nas exigências à região. Diz ainda que Lagarde fez parte desse movimento de "defender o indefensável."

O mais influente colunista inglês, Martin Wolf, do "Financial Times", também não acha que ela é a melhor pessoa. Argumenta que apesar de seu bom currículo, seu forte é assuntos jurídicos e que em economia seu conhecimento é limitado, o que a fará depender mais dos seus assessores. Portanto, se ela assumir será fundamental saber quem vai substituir o vicediretor- gerente, John Lipsky.

Mas ela será a nova diretora- gerente porque como ela mesma disse: manda quem paga. O Fundo é uma soma de contribuição dos seus sócios, vota mais quem depositou mais. A Europa tem 32% dos votos. Tem uma representação acima do seu tamanho no PIB mundial, que está caindo de 25% em 2000 para 18% em 2015; os Estados Unidos têm 16,7% dos votos. Juntos, eles têm quase metade dos votos. Para os Estados Unidos é conveniente o acordo feito com a Europa em que é seu o controle do Banco Mundial. Então fica tudo como dantes apesar das profundas alterações na distribuição do poder global. Segundo Wolf, é compreensível que para a Europa seja tão vital controlar o FMI neste momento: 79,5% dos créditos do Fundo foram concedidos para países europeus.

Para a "Economist", é exatamente essa concentração de recursos para a Europa que deveria impedir que o FMI continuasse sendo controlado pela região. A revista compara: seria como entregar para a Argentina o controle do Fundo nos anos 1980, ou para a Tailândia, em 1997.

Argumentos bons, mas os próprios articulistas sabem que nada disso será levado em conta. O momento poderia ser bem mais interessante se houvesse um candidato só dos países emergentes, mas os nomes que surgem são mais lembranças dos analistas do que candidaturas do grupo. Cartens, do México, foi lançado por seu governo. Os outros citados pela "Economist" aparecem pelas qualidades que têm, como Tharman Shanmugaratnam, de Cingapura, ministro das Finanças e chefe do conselho do Fundo; Mark Carney, presidente do Banco do Canadá; e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central brasileiro e que integrou o grupo de reforma do FMI.

A Europa não está toda mal. Pelo contrário, os países fortes estão se recuperando. O problema é a exposição do Banco Central Europeu às dívidas dos países mais encrencados da região. Foi por isso que ontem a Alemanha decidiu abandonar as exigências que fazia para dar novo empréstimo à Grécia.

À moda da tucanagem Dora Kramer

O Estado de S. Paulo - 31/05/2011
 

Na hora H tudo aparentemente se ajeitou no PSDB.

O partido deixou claro que, se a eleição presidencial fosse hoje e condições alheias à mera vontade permitissem, o senador Aécio Neves seria o candidato. Mas deixou patente também que não rasga voto nem pode abrir mão de José Serra, que já disputou e levou duas eleições presidenciais ao segundo turno.

Se a situação fosse simplesinha poder-se-ia descrevê-la assim: Aécio tem a preferência do partido, Serra tem presença na sociedade.

Aniquilar um em favor do outro seria ignorar o quanto são detentores de patrimônios complementares. Por isso, uma imprudência de resultado nitidamente previsível.

Frase precisa do deputado e ex-governador da Bahia Antonio Imbassahy: "Não podemos continuar fazendo dessa soma um déficit". Referia-se também ao fato de que ambos são fortes nos dois maiores colégios eleitorais do País, hoje governados pelo PSDB: São Paulo e Minas Gerais.

O ideal, dizia-se nas rodas de conversas na convenção nacional dos tucanos de sábado último em Brasília, seria que pudessem disputar e eventualmente governar juntos. Não fosse essa uma conjunção utópica, dadas as diferenças amazônicas que os separam e a carência de apreço pessoal mútuo.

Ante a impossibilidade objetiva, o partido optou por uma acomodação com vistas a adiar, e se possível evitar, um confronto mortífero.

A divisão ficou assim estabelecida: nos dois principais postos da Executiva, a presidência e a secretaria-geral, respectivamente um simpatizante e um aliado de Aécio: Sergio Guerra e Rodrigo de Castro. Na primeira vice-presidência, um serrista: Alberto Goldman.

Na presidência do Instituto Teotônio Vilela, um antipatizante de Serra: Tasso Jereissati. O ITV não decide, mas tem verba (uns dizem R$ 10 milhões, outros R$ 6 milhões por ano), presença - ou "capilaridade", como gostam de dizer os políticos - ampla em todo o País e uma tribuna.

No Conselho Político a presidência ficou com Serra, que conseguiu mudanças importantes: um colegiado enxuto, com poder deliberativo, verba (ainda não definida), endereço, estrutura e atribuições nada desprezíveis.

Será a instância onde se decidirão as diretrizes do partido, as formas de escolha de candidatos a todas as eleições e política de alianças, fusões e incorporação a outras legendas.

O poder é paralelo ao da Executiva e ambos respondem apenas ao Diretório Nacional. O conselho é composto por Fernando Henrique Cardoso, na condição de ex-presidente da República, pelo atual presidente do PSDB Sérgio Guerra e o ex-presidente Tasso Jereissati, por Aécio Neves como representante do Congresso e por Marconi Perillo, representando os governadores.

Terá reuniões bimensais, a primeira daqui a mais ou menos dez dias, cuja pauta ainda será definida, mas já está mais ou menos delineada: um diagnóstico sobre as necessárias correções no exercício da oposição ao PT e área de influência.

E com isso estará tudo resolvido? Nem de longe.

A tensão permanece. Serristas atrás de recuperar o terreno perdido em virtude da campanha presidencial pessimamente avaliada no âmbito interno e aecistas empenhados em fixar domínio do território.

Com o seguinte discurso: Serra poderá ser até mesmo candidato à Presidência em 2014 se Aécio não quiser (ou não puder, evitam acrescentar). Mas não dando as cartas do jeito que bem entender.

Era vidro. Seja qual for o desfecho do mais recente caso Palocci, é visível a olho nu o desencanto do "grand monde" da política, imprensa e finanças com o ministro, até então o mais querido das estrelas.

Há o peso das suspeitas e o efeito da reincidência, mas conta, sobretudo, a evidência de que a habilidade política de Palocci não corresponde à fama.

Dilma Rousseff mandar confrontar o vice Michel Temer com ameaça de demissão dos ministros do PMDB é uma coisa. Palocci cumprir a ordem tal como lhe foi transmitida é sinal de outra bem diferente: ausência de cálculo e falta de discernimento.

Gato e rato - Celso Ming

O Estado de S. Paulo - 31/05/2011
 

Na última sexta-feira, o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard, advertiu, no Rio, que um bom pedaço do Investimento Estrangeiro Direto (IED) que tem desembarcado no Brasil é especulação com juros e nada tem de investimento.

Explica-se: para evitar a excessiva valorização do real (baixa acentuada do dólar), o governo impôs um pedágio de 6% em Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) à entrada de capitais destinados a aplicações em renda fixa. É um dinheiro obtido lá fora, a juros muito baixos, que vem para o Brasil para ganhar no mole uma remuneração alentada de 12% ao ano.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, vinha festejando o sucesso dessa taxação, uma vez que as estatísticas mostraram forte retração da entrada de dólares para aplicação em renda fixa. No entanto, o IED - isento do IOF de 6% - está disparando. Nos últimos 12 meses terminados em abril, entraram nada menos que US$ 63,7 bilhões. E não será nenhuma surpresa se, no fim do ano, tiverem ultrapassado os US$ 70 bilhões. Mantega chegou a festejar essa força do investimento estrangeiro que, imaginava ele, vinha para cá para concorrer para o aumento da produção e para a criação do emprego. Mas Blanchard avisa que boa parte é investimento disfarçado e sugere que toda entrada de quantias no País seja sujeita ao IOF.

Um grande número de estudos mostrou que dinheiro é como água. Se alguém tapa um buraco, ela vaza por outro. Ou seja, é muito complicado pretender controlar o fluxo de capitais.

É provável que bom volume de IED não precisaria vir como IED no Brasil, porque a empresa aqui instalada já dispõe de caixa suficiente para fazer o investimento. Mas a diferença entre juros internos e externos define como excelente negócio trazer o investimento estrangeiro e, enquanto isso, aplicar o caixa no mercado financeiro. E tem mais: com os juros assim, os capitais que normalmente não saem ficam por aqui, tirando proveito dos juros. E, no entanto, não há como cobrar um IOF sobre capitais que não saem do País.

Mas não é só por meio do IED que esses capitais vazam para o Brasil. O forte crescimento das exportações também leva jeito de conter a entrada disfarçada de dólares. É provável que o superávit comercial deste ano ultrapasse os US$ 30 bilhões. Só nessas duas contas (IED e balança comercial), o Brasil poderá apontar uma entrada líquida de dólares não sujeita ao IOF de nada menos que US$ 100 bilhões.

O Brasil precisa desesperadamente de investimentos externos para desenvolver o pré-sal, o PAC, as obras da Copa do Mundo e da Olimpíada. E carece de força nas exportações. Não pode passar ao mercado o recado de que não quer esses recursos. Monitorar e fiscalizar investimentos estrangeiros e exportações é briga de gato e rato. A Receita Federal, que não tem como controlar nem a entrada de contêineres no País, não terá como farejar essa chegada clandestina de recursos. Os anos 70 e 80 mostraram que laçar boi no pasto, os fiscais do Sarney e essas políticas voluntaristas são como fazer buraco em água. Se o governo quer eficiência ao controlar fluxos de capital, tem de derrubar corajosamente os juros. Mas, para isso, será preciso mais disciplina orçamentária, para que a dívida possa cair e levar os juros consigo.

CONFIRA

Em 12 meses, o saldo das operações de crédito continua crescendo muito acima do que o próprio Banco Central vem apontando como adequado: 21%, em vez de 13%. É o que está no gráfico acima. Esse é um sinal de que o consumo continua excessivamente aquecido.

IGP-M de abril
A variação de um mês para o outro não foi muito significativa: 0,43%, em maio, e 0,45%, em abril. A novidade é que a sua evolução em maio foi bem mais baixa do que a esperada, puxada para baixo pelos preços agrícolas no mercado atacadista.

Ele voltou Marco Antonio Villa

O Globo - 31/05/2011
 

 

Em 1928, no México, foi assassinado o presidente eleito Álvaro Obregón. O assassinato gerou grave turbulência política. Obregón já tinha exercido a Presidência nos anos 1920-1924. A Constituição de 1917 proibia a reeleição mas não o retorno ao poder após um interregno. O presidente em exercício, Plutarco Elias Calles, administrou a crise, elegeu outro sucessor e se transformou no dirigente de fato nos anos 1928-1935. Esse período da história mexicana ficou conhecido como "maximato", ou seja, Calles, considerado o "chefe máximo da revolução", era o dirigente de fato do governo. Este domínio terminou quando Lázaro Cárdenas, seu afilhado político, eleito presidente em 1934, no ano seguinte rompeu com seu mentor.

A crise do governo Dilma Rousseff e o retorno de Lula ao primeiro plano da cena política nacional é o nosso maximato. Lula teve de assumir o posto de presidente de fato, pois a presidente perdeu o controle da situação. Era esperado que isto fosse acontecer mas não tão cedo, com menos de cinco meses de governo. A inexperiência política da presidente era sabidamente conhecida. Antes de 2003, nunca tinha exercido qualquer cargo de importância nacional. Desconhecia os meandros de Brasília, além de não saber negociar, conviver com a diferença e com opiniões contrárias. Foi formada em outro mundo e outra época. Para ela, ainda deve valer o centralismo democrático, a forma stalinista de administrar, que trata qualquer opinião contrária como crime ou traição.

Quando foi ministra das Minas e Energia, ou mesmo na Casa Civil, pouco fez política. Outros ministros exerceram esse papel ou o próprio presidente Lula foi o articulador do governo. Sabedor desta dificuldade, Lula escolheu a dedo o chefe da Casa Civil. Antonio Palocci seria uma espécie de primeiro-ministro e encarregado dos contatos políticos com o Congresso Nacional e com os representantes do grande capital. Contudo, Palocci se encastelou no governo e pouco apareceu. De início foi considerado que era uma atitude de esperteza política, que estava articulando nas sombras. É a velha prática brasileira de encontrar qualidade onde há nulidade. O silêncio de Palocci foi entendido como estratégia e não como a mais perfeita tradução de alguém que não tem a mínima capacidade para o exercício do cargo. E para piorar surgiram as denúncias das consultorias pagas a peso de ouro.

A confusão ficou maior quando a articulação no Congresso Nacional demonstrou sua fragilidade. O pesado líder do governo deixou de realizar o papel de elo entre a base e o Planalto. Ficou cuidando dos seus interesses partidários. O ministro da Articulação Política é absolutamente inexpressivo (a maioria dos parlamentares sequer sabe o seu nome). Dada a sua fragilidade, estranho é que tenha demorado tanto tempo para que ruísse o esquema político organizado por Lula no final do ano passado.

O mais curioso é que a crise nasceu no interior do próprio governo. Ou seja, não foi provocada em nenhum instante pela ação oposicionista. A oposição continua desarticulada, politicamente dividida e omissa. A divisão ficou mais uma vez demonstrada na convenção do PSDB. O governo até recebeu um alento, pois a reeleição de Sérgio Guerra à presidência do partido indica que a oposição peessedebista continuará tímida, quase envergonhada, sem representar perigo. O Brasil desafia a teoria política: para o governo, o problema não é a oposição mas o próprio governo.

Como contentar o PMDB? Cedendo espaço na máquina governamental que possibilite bons negócios. Rentáveis para efeito privado e péssimos para o interesse público. O governo postergou, até o momento, a partilha do butim, não pela defesa da moralidade pública. Longe disso. Está testando o partido para ver até que ponto é possível negociar. Outra dificuldade é o relacionamento com o grande capital. Aí é briga para gente grande. Não é meramente para controlar alguma licitação de compra de remédios ou de alguma estrada. Representa desenhar o futuro econômico do país, estabelecer o relacionamento dos fundos de pensão com as grandes empresas e bancos, apontar para onde deve seguir o processo de acumulação capitalista. É uma disputa dentro do PT. O antigo partido socialista hoje é o partido das grandes corporações. Daí o número de consultores petistas. De uma hora para outra, todos viraram especialistas em capitalismo.

O mais estranho é que o país segue seu ritmo normal. Como se voasse com piloto automático. Até certo ponto, a economia vai bem. Segue no vácuo do que já foi feito. Isto tem um limite. Já está no momento de traçar novo rumo. Mas como iniciar esta discussão se o governo mal consegue administrar suas contradições?

Dilma vai precisar demonstrar que comanda. Pura encenação. Coisa de ópera bufa. Nos próximos dias assistiremos à presidente em várias reuniões. Veremos também (ah, a importância das imagens...) ela, séria, numa reunião ministerial; sorrindo, quando encontrar a liderança do PMDB. Mas a crise vai continuar. Palavras não substituem as ações.

E Lula? Depois que reassumiu informalmente o governo, vai permanecer como o poder atrás do trono. Não vai se imiscuir nas questões do varejo político. Vai atuar no atacado, valorizando (como gostaria de dizer nas suas célebres metáforas futebolísticas) o seu passe. E preparando calmamente o seu retorno ao Palácio do Planalto. Já deve ter jornal preparando a edição especial do dia 1º de janeiro de 2015. A manchete? Também já está pronta. Em letras garrafais, no alto página, estará escrito: "Ele voltou."

Contrapartidas ao bom-mocismo Adriano Pires e Abel Holtz

O Estado de S. Paulo - 31/05/2011
 

O governo reafirmou o desejo de ampliar a participação de algumas empresas estatais no cenário de ações internacionais, a exemplo da Petrobrás e de muitas outras empresas brasileiras privadas. O mérito da iniciativa é romper o imobilismo que essas empresas têm, dada a sua cultura de pouco risco, posto que o erário sempre as socorreria à custa do contribuinte. Se bem o entendemos, o repto do governo é correto, mas é necessário preparar os quadros dessas empresas para a percepção e a ação consequente dos riscos como aos que a Petrobrás e as empresas privadas têm sido expostas, pois, a despeito da vontade, não existe a cultura do risco nessas empresas. E a ausência dessa característica, aliada às indicações políticas de profissionais sem o devido preparo para o preenchimento dos cargos de direção, cria problemas e pode levar a enormes prejuízos.

Nesses dias tivemos a aprovação pelo governo, após chancela do Legislativo, do incremento dos valores a serem pagos pelo Brasil ao Paraguai a título de indenização pelo uso da parcela da energia produzida em Itaipu. O processo de aprovação foi lento e despertou reações em vários setores da sociedade, tendo em vista que o governo afirmou que quem pagará a conta será o contribuinte brasileiro, via Tesouro. A pauta de discussões com o Paraguai ainda incluiu o direito de vender a sua parcela de energia a qualquer consumidor, inclusive os brasileiros - os outros são argentinos e chilenos. Esse direito continuará sendo discutido nos próximos anos e, dada a abrangência de suas consequências, assumimos que o tema deveria ser tratado com maior seriedade e competência.

Para assegurar o pagamento da dívida da Eletrobrás com a Banca Internacional, foi elaborada uma lei que obrigou as distribuidoras brasileiras do mercado Sudeste a comprarem energia e potência de Itaipu. Pode haver questionamentos quanto ao valor, mas não a recusa do pagamento - valor que está atrelado ao montante necessário ao repagamento da dívida da Eletrobrás para com a Banca Internacional, independentemente de modicidade tarifária ou qualquer outra condicionante.

Se a energia de Itaipu viesse a ser comercializada diretamente para o mercado brasileiro, como seria feita a substituição da energia hoje suprida pela parcela do Paraguai? Considerando que essa energia é produzida em 50 ciclos /seg e tem de ser transformada para consumo no Brasil em 60 ciclos/seg, quem seria responsável por esses custos e como seria precificada a transmissão da energia da parcela paraguaia entre Itaipu e os pontos de consumo - ao mesmo preço de hoje? Seriam adicionados impostos de importação ao custo?

Passando o direito de venda da parcela da energia paraguaia para a Administración Nacional de Electricidad (Ande) comercializar, qual seria o valor da dívida remanescente a ser também passada para a Ande e não mais da Eletrobrás? Como mensurar a dívida assumida quando da construção da usina, que é contestada pelo governo paraguaio, para definir esse valor remanescente?

Por fim, a usina é hoje operada em consonância com os procedimentos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Como ficariam a operação de Itaipu a partir do exercício desse direito pelo Paraguai e os compromissos de entrega da energia que a Ande viesse a assumir com consumidores brasileiros, paraguaios, argentinos e/ou chilenos?

Assim, quando o governo lança a Eletrobrás como líder desse processo de integração com os vizinhos, complementando o suprimento de energia ao mercado brasileiro, tem de avaliar os aspectos desse imbróglio e a experiência já tida com a Bolívia - investimentos em refinarias e instalações de exploração de gás natural -, os contratos de compra e venda de gás natural com a Argentina para uma termoelétrica brasileira no Rio Grande do Sul e as interrupções de fornecimento de energia em Roraima pela Venezuela, para que nós, consumidores e contribuintes, tenhamos benefícios a custos aceitáveis.

segunda-feira, maio 30, 2011

MEC não quer ensinar CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O Estado de S.Paulo - 30/05/11

Acabo de ler duas instigantes obras de Zygmunt Bauman: Amor Líquido e Modernidade Líquida. Bauman, um dos mais originais e perspicazes sociólogos da atualidade, vai fundo nos paradoxos da modernidade líquida. Vivemos um tempo de incertezas, de sinais confusos, de ausência de vínculos duradouros. Mas, ao mesmo tempo, o comportamento fluido e relativista acaba, frequentemente, em arrebatos de dogmatismo ideológico. O relativismo, facilmente, transforma-se em autoritarismo.

Recentemente, a imprensa noticiou que, para evitar discriminações, o Ministério da Educação (MEC) quer renunciar ao dever de ensinar. Por exemplo, entende que pode promover o preconceito a explicação em sala de aula de que a concordância entre artigo e substantivo é uma norma da língua portuguesa. Dessa forma, o MEC aconselha a relativizar. Segundo o Ministério, a expressão "os carro" também seria correta. A sociedade, quando se deu conta do que o MEC estava propondo, foi unânime na sua indignação. Afinal, a oportunidade de aprender bem a sua língua deve ser um direito de todos.

Nesse caso, no entanto, penso que está em jogo mais do que a norma culta da língua portuguesa. Implicitamente, o MEC nos diz: na busca por um "mundo mais justo" (sem preconceitos) pode ser aconselhável dizer algumas mentiras. Na lógica ministerial, o conhecimento é munição para a discriminação.

Vislumbra-se aí uma visão de mundo na qual o critério político prevaleceria sobre a realidade das coisas, sobre a verdade. E aqui reside o ponto central, cuja discussão é incômoda para uma sociedade que não deseja utilizar o conceito "verdade". Este seria apropriado apenas para uma agenda conservadora; os contemporâneos não deveriam utilizá-lo mais.

Mas por que será que a "verdade" é tão incômoda? Porque ainda estamos imersos no sofisma moderno que confunde "ter um conhecimento certo sobre algo" com "ser dono da verdade". O engano está em equiparar "conhecimento limitado" - que é onde sempre estaremos - com "todo conhecimento é inválido".

Outro influente motivo para evitar o uso do conceito "verdade" é a aspiração por liberdade. As "verdades" tolheriam a nossa autonomia, imporiam uns limites indesejáveis; no mínimo, acabariam diminuindo a nossa liberdade de pensamento. O MEC - de fato - entende assim: numa sociedade plural, não se poderia ter apenas uma única norma culta para a língua portuguesa. Deixemos os nossos alunos "livres" para escolherem as diversas versões.

Não será que ocorre exatamente o contrário? Quem conhece bem a língua portuguesa tem a liberdade de escolher qual forma - num texto literário, por exemplo - expressa melhor a sua ideia. E pode até abrir mão da norma culta, num determinado momento. Só terá a segurança dessa escolha quem conhecer a norma culta, caso contrário, serão tiros no escuro.

Entre liberdade e verdade não vige uma relação dialética. Elas andam juntas. O que pode provocar um antagonismo com a liberdade é uma versão absolutista de verdade, encarnada pelo sujeito que entende ser o "dono da verdade". Mas a verdade não é um objeto que se possui. A verdade é o mundo, é a realidade, são os outros. É uma porta que se abre para fora, não para dentro, e por isso pode ser contemplada por todos. Ela é democrática: está acessível a todos.

Já não será hora de superarmos a disjuntiva moderna e estabelecermos uma relação amigável com a "verdade"? Não significa fazer um pacto "espiritual" com o universo ou assinar uma espécie de declaração de alienação, abdicando do uso da inteligência e da crítica. A proposta que aqui se faz nada mais é do que buscar uma relação de honestidade intelectual com a realidade e com os outros.

Penso que essa relação de honestidade intelectual está na origem da cultura ocidental, ainda lá com os gregos. É um processo de aprendizagem, que leva a reconhecer os próprios erros, a revisar as condutas e, ainda que não seja retilíneo, trouxe indubitáveis bens (ainda não plenamente alcançados, mas que indicam a meta): o reconhecimento da dignidade da pessoa humana, o respeito e a valorização da mulher, a rejeição da escravidão, a democracia como expressão dessa dignidade, a tolerância, a compreensão, etc.

Aquilo de que mais nos orgulhamos não foi alcançado brigando com a "verdade", dizendo que tudo era relativo, que dava na mesma A ou B. Nesta lógica aparentemente ampla - mas que no fundo é estreita (porque não está aberta à realidade e aos outros, impera o subjetivo) -, quem ganha é o mais forte, aquele que grita mais alto. Já não existe um referencial adequado para o diálogo. Ficam as versões. Ficam os discursos. E ficamos à mercê dos Sarneys... E agora também dos Paloccis.

Só mais um último aspecto, agora do ponto de vista pedagógico. A visão do MEC sobre a educação corrobora a constatação feita pela pediatra norte-americana Meg Meeker. Ela considera que as principais dificuldades da educação dos jovens de hoje não são causadas por eles. Na visão dela, o problema não são os jovens - como muitas vezes os moralistas de plantão ou os saudosistas de outros tempos querem culpá-los.

A dra. Meg Meeker, com a experiência de mais de 20 anos atendendo adolescentes e pais no seu consultório, diz que a causa está nos próprios adultos, que diminuíram as expectativas da educação em relação às novas gerações. "Eles não conseguirão fazer isso..." Ou: "É impossível que ajam dessa forma..." Os próprios educadores nivelam por baixo - como se o comportamento ético fosse hoje em dia irrealizável - e depois se dizem decepcionados com os jovens.

Ministério da Educação: os alunos saberão fazer bom uso das regras de português. Não lhes impeça o acesso ao conhecimento e, principalmente, não lhes negue um dos principais motores para o crescimento pessoal: a confiança.

O FMI do homem branco Marcelo de Paiva Abreu

O Estado de S. Paulo - 30/05/2011
 

 

Tudo leva a crer que o novo diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), que sucederá Dominique Strauss-Kahn, não será um europeu, será uma europeia. O indecente acordo entre EUA e Europa, que assegura o cargo aos países europeus e que havia sido objeto de críticas universais antes da desgraça de Strauss-Kahn, ressurgiu das cinzas com vigor. A lógica que explicaria a provável escolha de Christine Lagarde como diretora-gerente foi explicitada pela própria candidata: "Manda quem paga as contas".

A candidata teve bom desempenho como ministra do Comércio e da Economia e Finanças da França desde 2005. A experiência nos EUA, como advogada proeminente numa grande firma em Chicago, e sua proficiência em inglês melhoram o seu trânsito político nos EUA. Desde 2007, como ministra da Economia e Finanças, teria acumulado experiência que compensaria a ausência de intimidade prévia com os assuntos de sua pasta. A posição da França no equacionamento das dificuldades suscitadas pela crise mundial desde 2008, em especial na zona do euro, expôs a ministra a significativa educação "on the job".

Há dúvidas se o melhor candidato ao FMI deveria ser europeu, quando a principal fonte de desestabilização da economia mundial é a crise dos países do sul da Europa. Por outro lado, alguns alegam que Madame Lagarde não aportou contribuição substantiva no exercício da pasta da Economia. Em particular, teria sido tímida quanto à defesa de disciplinas fiscais. Seria simplesmente executora das instruções do medíocre Nicolas Sarkozy, e dificilmente o líder que o FMI requereria no momento. E certamente não da mesma estatura do seu antecessor. Além disso, há uma pendência judiciária envolvendo a ministra, que poderia ser acusada de abuso de autoridade ao submeter à arbitragem privada uma pendência, relacionada à venda da Adidas, que resultou no pagamento ao controvertido empresário Bernard Tapie de 385 milhões, dos quais 45 milhões por danos morais. A Corte de Justiça da República decidirá em 10 de junho se acolhe a denúncia.

A qualidade dos candidatos apresentados pelos europeus para chefiar o FMI tem deteriorado no passado recente. Os três últimos diretores-gerentes não cumpriram seus mandatos: Horst Köhler, Rodrigo de Rato e Dominique Strauss-Kahn. Horst Köhler (2000-2004) afastou-se para ser eleito presidente da República Federal da Alemanha. Rodrigo de Rato (2004-2007), escolhido na esteira da derrota do seu partido nas eleições espanholas de 2004, afastou-se em 2007 "por razões pessoais". Embora Strauss-Kahn (2007-2011) tenha renunciado por conta de acusações de crimes sexuais, caso isso não tivesse ocorrido havia alta probabilidade de que fosse escolhido como candidato socialista nas eleições presidenciais francesas de 2012 e teria de se afastar antes do fim do mandato.

Há quase unanimidade quanto ao excelente desempenho de Strauss-Kahn como diretor-gerente num período espinhoso. Já o mesmo não se pode dizer de seus dois predecessores. Em suma, a pergunta que se coloca é se os europeus tendem a levar o assunto suficientemente a sério ou apenas como mais um cargo importante a ser incluído na ciranda de distribuição de cargos entre diferentes nacionalidades europeias. O contraste com o século passado, quando os europeus indicavam técnicos, e não políticos, é nítido. O trio de diretores-gerentes franceses, em especial, era composto de grandes funcionários, e não de políticos, com desempenho excelente: Pierre-Paul Schweitzer (1963-1973), Jacques de la Rosière (1978-1987), Michel Camdessus (1987-2000).

A sucessão ocorre num quadro em que o desequilíbrio quanto à representatividade de diferentes países nas instituições econômico-financeiras multilaterais é acachapante. A distribuição de votos entre os membros do FMI antes das reformas de 2010 era grotesca. De acordo com a distribuição em vigor, os votos do Brasil somam 1,714% do total, comparados a 1,855% da Bélgica... Quando a reforma de 2010 estiver implementada, as deformações mais evidentes serão corrigidas, mas a participação brasileira de 2,218% ainda será semelhante à do Canadá. E a da China será de 6,071%, comparados aos 4,024% para França e Reino Unido (cada um).

Os países emergentes têm defendido o abandono do acordo informal EUA-Europa sobre a distribuição de cargos no FMI e no Banco Mundial. Há referências a garantias informais que teriam sido oferecidas, especialmente no G-20, quanto à adoção de critérios de escolha baseados estritamente na competência dos candidatos, e não na sua nacionalidade. Palavras que o vento leva. A reiteração da escolha de um europeu pode ser pedagógica, colocando em perspectiva ilusões que possam ter aflorado quanto à efetiva importância do G-20. Lula estava errado: o G-7 não está morto e o G-20 pode ser uma embromação.

Em tempo: não faltam bons candidatos não políticos ao cargo nos países emergentes. Apoiar o candidato mexicano seria difícil para o Brasil. Não por ser excessivamente ortodoxo, mas por ser mexicano e, portanto, percebido como na órbita dos EUA. O possível candidato indiano, Montek Singh Ahluwalia, é competente, tem credibilidade e o Brasil fará bem em apoiá-lo. A despeito dos chineses.

Nau sem rumo José A. Guilhon Albuquerque

O Estado de S. Paulo - 30/05/2011
 

 

Pesquisas acadêmicas mostraram (*) que a identificação partidária e o alinhamento ideológico foram os fatores mais fortemente associados ao voto em Lula e no PT até as eleições presidenciais de 2002. Lula e o PT obtinham melhor desempenho nas intenções de voto entre os que se consideravam mais de esquerda, entre os eleitores do PT, nos grandes centros urbanos das regiões mais desenvolvidas e entre os de classe de renda mais alta.

O primeiro governo Lula promoveu um tal embaralhamento das identidades partidárias e das linhas ideológicas que a identidade partidária perdeu seu impacto e o alinhamento ideológico deixou de ser relevante. A diferença entre a preferência por Lula expressa por petistas e pelos demais enfraqueceu e seu desempenho entre eleitores de esquerda, de direita ou de centro se tornou estatisticamente equivalente (**). As variáveis sociodemográficas tornaram-se o único fator relevante e o eleitorado de Lula passou a ser o de renda mais baixa e de menor escolaridade, concentrando-se nas regiões mais pobres, independentemente da identificação ou filiação partidária dos eleitores.

O efeito da ação desagregadora de Lula levou as linhas partidárias a se dissolverem ainda mais profundamente do que a própria identificação dos eleitores. Na prática, os partidos governistas, inclusive o PT, já não têm relevância senão para dividir privilégios e partilhar posições de mando nos Executivos ou para compartilhar negócios envolvendo investimentos públicos. A despolitização do eleitorado, levada a efeito por Lula, provocou profunda despolitização do sistema partidário. As categorias clássicas do político deveriam ser substituídas por outras, como "governistas", "adesistas" e "independentes", presentes hoje em todos os partidos.

As linhas partidárias, totalmente borradas no interior do governismo, indicam apenas disputas entre partes interessadas no espólio. Nos partidos derrotados nas eleições presidenciais, em especial na última, a competição interna tornou-se disfuncional e self-defeating: uma luta fratricida em marcha batida para a irrelevância. Isolados pelo governismo e pressionados pelo adesismo, esses partidos se empenham em emular o pior do lulismo, sua política de terra arrasada e de consorciamento do poder.

O PSDB está empenhado em fechar as portas a qualquer compromisso, empurrando os insatisfeitos para fora. O DEM tenta curar hemorragia com anticoagulante. O PPS parece paralisado diante da própria impotência. A política de coalizão de veto que levou a oposição à derrota nas três últimas eleições presidenciais se traduz, hoje, numa quadrilha drummoniana: João odiava Teresa, que detestava Raimundo, que boicotava Maria, que vetava Joaquim, que excluía Lili, que não tolerava ninguém. Tudo se passa como se os caciques oposicionistas preferissem perder para a candidatura adversária a ganhar com a candidatura de seu próprio partido.

O PSD é um sintoma da despolitização de um quadro partidário em via de dissolução. O simples anúncio da nova legenda, sem menção a uma única ideia, bandeira ou opção de políticas públicas, atraiu dissidências de diversas origens partidárias e regiões. De nenhum dos partidos de origem se ouviram apelos ou concessões para reter companheiros, que, ao contrário, foram incentivados ao desligamento.

Tal como hoje se apresenta, o PSD não é alternativa, mas, ao contrário, sintoma da falta de opção. Para encarnar uma renovação partidária careceria de um transplante de ideias e objetivos políticos nacionais, artigos em falta no cenário político.

Situações comparáveis já ocorreram. Se dependesse apenas do apoio do PSDB, o governo Itamar teria fracassado, FHC não teria feito o Plano Real, não seria eleito e muito menos reeleito. As oposições têm três aspirantes a uma eventual candidatura presidencial e nenhuma liderança nacional. A probabilidade de essas lideranças cooperarem num projeto político comum da Nação é próxima de zero e a probabilidade de se repetir a quadrilha drummoniana não para de crescer.

Alterar esse quadro atuando dentro dos atuais partidos de oposição seria uma paixão inútil. As instâncias partidárias não são representativas de nada, não encarnam as bases eleitorais, nem os quadros Executivos, nem os detentores de mandatos, nem mesmo os prefeitos e governadores. Não há melhor exemplo do que a exclusão, pelo PSDB paulista, da maioria de sua própria representação na Câmara paulistana, sem nenhuma razão disciplinar ou doutrinária, ou mesmo pragmática, apenas para negar-lhe o direito de voz!

A condição para a formação de uma corrente política independente seria a criação de um movimento de ideias, calcadas numa forma de atuação política e num estilo de gestão pública, algo como a inspiração que o governo Montoro proporcionou na criação do PSDB. Sem a referência de governos programáticos como o de Montoro ou Richa o PSDB dificilmente teria vingado e certamente não chegaria ao poder.

Essa corrente precisaria atrair mais quadros insatisfeitos no PSDB, no PPS, no DEM - e até no neonato PSD. Se não houver espaço para um vigoroso movimento de ideias capaz de reverter o processo de desgaste do PSD, fruto dos sinais de adesismo constantemente emitidos, tampouco vejo como se poderia consolidar alguma liderança independente realmente nacional a partir do ninho tucano.

O mais recente caso Palocci espelha o que há de trágico na política brasileira atual: conformar-se com a extraordinária competência do governismo para fazer o mal ou lamentar a triste inapetência da oposição para cumprir o seu dever.

(*) Pesquisas sobre comportamento eleitoral em eleições presidenciais dirigidas por Moisés e Guilhon 1990; Guilhon, Balbachevsky, Holzacker 1994, 1996, 1998; e com participação de Balbachevsky, Holzhacker 2002. (**) As primeiras a apontar essas mudanças foram Balbachevsky, Holzhacker 2008, seguidas por Singer 2008.

Brasil - a desordem do progresso Antonio Corrêa De Lacerda

O Estado de S. Paulo - 30/05/2011
 

 

O caderno de Economia do Estadão (22/5, B1) trouxe interessante matéria, aprofundada nas suas páginas internas, sobre o que denominou "as dores do crescimento", ou a nova realidade do País nos últimos anos, nos quais a expansão da economia também tem exposto muitas das nossas fragilidades.

A economia brasileira cresceu 4% ao ano, em média, no período 2003-2010, número que deve se repetir em 2011, o equivalente ao dobro da média observada de 1990 a 2002. O aumento da demanda decorrente se expressa nas filas em aeroportos, bares, restaurantes, hotéis e muitos outros locais, sem que tivesse havido uma expansão da oferta no mesmo ritmo.

No caso da infraestrutura, apesar de ter havido um expressivo aumento dos investimentos nos últimos anos, ainda há muitas carências, o que se reflete na falta, ou na má qualidade, de estradas, portos, aeroportos, etc... É muito importante que o poder público acelere os investimentos sob a sua responsabilidade e melhore o ambiente de negócios, para que as empresas também ampliem seus investimentos nessas áreas.

O mesmo se aplica a uma carência de determinados profissionais. Isso tem ocorrido tanto em carreiras especializadas, como engenharia, por exemplo, quanto em outras profissões que não exigem tanta qualificação - mas também temos carência em profissões como empregadas domésticas e em outros serviços pessoais.

No caso das áreas de engenharia, conheci muita gente com excelente formação, mas que, por causa do baixo dinamismo da economia nos anos 80 e 90, acabava desistindo da profissão, seja pela dificuldade de obter um emprego ou porque não se sentia satisfeita com a remuneração e demais condições de trabalho, especialmente na construção civil. Quem teve chance migrou para áreas mais atrativas, como o mercado financeiro ou o serviço público. É obvio que essa situação desestimulou os novos pretendentes.

Isso tem causado duas evidências: a primeira é a carência de profissionais no curto prazo; e a outra decorrente é o crescimento dos preços. Os serviços tiveram seus preços majorados em 10% nos últimos 12 meses, praticamente o dobro do comportamento dos preços dos produtos que enfrentam maior concorrência.

O fato é que o longo período de baixo crescimento da economia brasileira também estagnou a capacidade de investimentos do governo e da iniciativa privada. Afinal, por que uma empresa investiria na expansão do seu negócio se a demanda esperada não crescia substancialmente?

A nova realidade brasileira de maior crescimento da economia nos últimos anos decorre de aspectos favoráveis no mercado internacional, como, por exemplo, os preços dos produtos básicos que exportamos (as commodities), mas também de políticas econômicas e sociais que favoreceram o crescimento da renda e do emprego.

O fato é que conseguimos combinar uma inflação razoavelmente controlada com crescimento da economia e melhora da distribuição de renda, o que fez com que cerca de 30 milhões de brasileiros tivessem ascendido na escala social nos últimos anos. Esse é um bom problema, porque nos desafia a apresentar soluções criativas e rápidas para uma economia pujante. É exatamente o inverso do que ocorre com muitos países em crise, na Europa e outras regiões onde o desafio é como garantir uma vida digna para milhões de pessoas que perderam seus empregos e não têm nenhuma perspectiva de obter um novo posto por alguns anos.

O lema "Ordem e Progresso", como expresso em nossa Bandeira Nacional, denota muito do povo brasileiro, talvez mais no que se refira ao seu espírito pacífico e expressiva tolerância étnica, religiosa e racial. Na economia, no entanto, é a desordem provocada pelo crescimento não programado que está ativando a demanda. Não é o desenvolvimento que deve ser contido, mas sim criarmos as condições para garantir a expansão da oferta, via melhora da infraestrutura e ampliação da capacidade da produção e de serviços.

Ao contrário do que ocorre em países maduros, nos quais a população está estagnada há anos, têm elevada renda per capita e um nível adequado de qualidade de vida, o Brasil enfrenta o desafio de proporcionar ascensão social a milhões de pessoas que vivem em condições precárias, assim como gerar cerca de 2 milhões de empregos para absorver os novos ingressantes do mercado de trabalho. O Brasil não se pode dar ao luxo de não crescer!

É preciso resgatar e aprimorar o instrumento do planejamento público e privado e acelerar a implementação dos projetos, sem interromper o ciclo virtuoso da economia. Até mesmo porque o que motiva os investimentos privados é uma expectativa favorável de ampliação continuada da demanda. Ninguém investe numa economia estagnada.

Enquanto isso, as "dores do crescimento" serão inevitáveis. Elas incomodam, mas são bem menos agudas que as dores da estagnação ou, pior ainda, da crise e da recessão. Convém-nos enfrentá-las com determinação, até mesmo porque representam muito mais uma oportunidade do que uma ameaça, desde que superadas o mais rápido possível.

A lista de Palocci Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 30/05/2011
 

 

Vamos falar francamente: nos meios econômicos e empresariais, o pessoal gosta muito do ministro Antonio Palocci. Entre economistas, consultores e executivos, especialmente do setor financeiro, Palocci é considerado o mentor e fiador da "racionalidade econômica" do primeiro mandato do governo Lula, que tirou o Brasil de uma crise de confiança e garantiu a continuidade da estabilidade macroeconômica.

Quando ele apareceu como "primeiro-ministro" da presidente Dilma Rousseff, esse pessoal respirou aliviado. Palocci seria a garantia contra uma guinada da política econômica na direção do que se chamaria de "desenvolvimentismo nacionalista" - categoria na qual se incluem, por exemplo, Guido Mantega (ministro da Fazenda), Fernando Pimentel (do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e, curiosamente, a economista de formação Dilma Rousseff, sempre alinhada com essa turma ao longo de sua carreira.

Aliás, Palocci, colocado ali no coração do poder, seria um sinal de que Dilma já pensa diferente, ou por convicção intelectual ou por necessidade. Não importa. O ministro da Casa Civil, informalmente anistiado ou perdoado de estripulias pessoais anteriores, aparecia de novo como inspirador da racionalidade (metas de inflação, responsabilidade nas contas públicas, câmbio flutuante e algumas privatizações) e fiador nos meios econômicos e empresariais.

Tudo isso considerado, esse pessoal acha normal que Palocci tenha ficado rico em tão pouco tempo. Como me dizia um consultor muito respeitado: "Se uma grande empresa paga R$ 40 mil para uma palestra de um Zico ou um Bernardinho, por que não pagaria, digamos, R$ 80 mil para ter Palocci conversando com seus executivos?". Que ele fizesse três consultorias dessas por mês, mais umas palestrinhas, já dava para faturar algo como R$ 3,5 milhões ao ano. Vezes quatro anos são R$ 14 milhões, menos uns 25% de impostos e custos restam R$ 10 milhões de receita acumulada. Tudo isso?

É. O ministro é médico de formação e político profissional, mas mesmo os melhores economistas se impressionaram com a experiência, o conhecimento técnico e a capacidade de gestão de política econômica adquiridos por ele. Considerando que, eleito deputado, Palocci continuava mantendo laços estreitos com o governo Lula, seu valor no mercado de palestras e consultoria certamente era bem elevado. Considerem, ainda, que esse é um mercado inteiramente livre, não tem nada tabelado nem regulamentado, vai na oferta e demanda, ou seja, o consultor cobra o que quer e a empresa contratante paga o que acha que vale.

Ou seja, estão aí definidas todas as condições para um enriquecimento legal de Palocci - quer dizer, com palestras e consultorias, sem lobbies ou, pior, tráfico de influência.

Tudo bem?

Nem tanto. Há dois problemas: primeiro, parece que há ganhos bem superiores àqueles R$ 14 milhões em quatro anos, que a nossa hipótese sugere. Segundo, ganhos tão elevados levantam a suspeita de que Palocci possa ter ido além das palestras e consultorias, caindo no pantanoso terreno de uma certa "advocacia empresarial" especializada em, digamos, quebrar galhos com o governo.

Difícil provar uma coisa e outra. Normalmente, empresas e consultores/palestrantes assinam contratos formais. No caso de palestras, é fácil comprovar: elas se realizam em dia e local certos, com público e, geralmente, com publicidade. Ou seja, há documentos e testemunhas.

No caso de consultoria é mais complicado. Pode ser, por exemplo, uma coisa bem formal - um documento escrito, contendo a análise de uma empresa, um setor, um mercado. Mas pode ser também na base da conversa. O consultor vai lá almoçar com a diretoria e submeter-se a uma saraivada de perguntas.

Aqui nascem as suspeitas. A reunião com a diretoria pode ser documentada, mas não o teor da conversa, muitas vezes sigilosa. E a pergunta ao consultor pode ser técnica - o senhor acha que a inflação vai sair de controle? - ou de negócios - como uma empreiteira como a nossa pode entrar nessa obra?

E assim caímos no terreno da credibilidade, da confiança, mas também do bom senso e do razoável. Contratante e contratado podem dizer: conversamos algumas horas sobre política econômica, conforme atas de diretoria, e o preço foi de R$ 80 mil, conforme contrato. Está caro, mas enfim...

E se aparece uma nota fiscal de R$ 2 milhões por "serviços prestados de consultoria" e nada mais?

Claro que toda a desconfiança poderia ser superada se Palocci apresentasse a lista de clientes e respectivos pagamentos. Mas, se a lista mostrasse grandes companhias nacionais e internacionais, todas com interesses diretos ou indiretos em relação ao governo, e valores de consultoria mais elevados do que o mercado conhece, então a publicidade provocaria o resultado oposto: mais suspeita.

Eis, portanto, a variável-chave para o desenrolar dessa história: a lista de clientes e preços de Palocci. Pode ser uma resposta ou a pá de cal. Certo, de qualquer modo, é que a batalha em torno da lista será fonte duradoura de desgaste.

O governo pode até conseguir barrá-la nos órgãos oficiais. Mas sempre pode vazar alguma coisa, não é mesmo?

E se Palocci cair, muda a política econômica? Em qual direção? Eis o debate que já está por aí. Tema próximo.

domingo, maio 29, 2011

Os donos do poder Daniel Piza

 O Estado de S.Paulo 

O caso Palocci, independentemente do desfecho que tenha, deveria ser examinado como mais um exemplo vexaminoso do poder à brasileira. Infelizmente, não foi nem será, já que tudo fica sempre limitado a uma rixa entre petistas e tucanos, sob a noção tácita do "todos temos rabo preso". A declaração da presidente Dilma Rousseff, depois de vários dias de silêncio, de que Palocci estaria prestando esclarecimentos aos "órgãos de controle", e pedindo que a questão não seja "politizada", foi mais um antídoto contra o oba-oba em torno de seu perfil mais discreto que o de Lula (como se alguém pudesse ser menos discreto do que ele). Não é apenas aos órgãos de controle que ele deve prestar esclarecimentos; é à sociedade. E quem politizou a questão foi o próprio governo, ao fazer comparações com outros ex-ministros que prestam consultoria e ao mentir que esses órgãos estariam informados do salto de patrimônio.

O que dizer então da interferência de Lula? Certo, ao ver que o governo tinha feito besteira ao ameaçar o PMDB de perder ministérios em função da crise, a malemolência e popularidade do ex-presidente pareceram úteis. Mas onde estava Dilma até quinta-feira, quando enfim veio a público e tomou a defesa do ministro da Casa Civil? Os termos foram lamentáveis, mas de qualquer forma seu papel como presidente não é ficar quieta diante de acusações desse porte contra o ocupante de um cargo tão fundamental, que ela mesma ocupou antes de sair à sucessão de Lula e depois entregou à sua grande amiga Erenice Guerra, que o converteu em balcão de negócios familiares. Se toda vez que passar por uma crise Dilma tiver de recorrer a Lula, convenhamos, jamais terá autonomia suficiente para fazer as mudanças de rumo necessárias.

Que mudanças de rumo? A primeira seria justamente essa: limitar o balcão de negócios entre parentes e amigos na máquina pública, na qual o dinheiro do contribuinte escorre para o ralo de propinas, superfaturamentos e fraudes, como se vê agora em Campinas. Ao contrário do que prometeu ao longo de 22 anos, Lula não fez nada para mudar isso em seus oito anos de presidência. Ao contrário. Não só o número de escândalos aumentou, com destaque para o do mensalão, mas também se deu um carimbo oficial a essas "praxes" com o dinheiro público, com a máxima autoridade brasileira alegando repetidamente o "todo mundo faz" e o "eu não sabia". (Será que ele não sabia também que seus filhos ganhariam passaportes diplomáticos como presente de Natal, nos estertores de seu segundo mandato?) A ascensão do PT ao Planalto Central foi a confirmação prática da boutade de que "a esquerda é a direita fora do poder".

Que o médico Palocci tenha multiplicado seu patrimônio vinte vezes em quatro anos apenas fazendo consultorias e palestras sobre economia, e que num ano só - justamente o ano eleitoral de 2010 - sua empresa tenha faturado R$ 20 milhões junto a empreiteiras e bancos, pouco antes de ser disfarçada de escritório imobiliário, são motivos mais que suficientes para ser chamado às falas pelos outros poderes. E não vale fazer como Renan Calheiros e brandir impunemente meia dúzia de notas fiscais forjadas, ou justificar a obscuridade com cláusulas contratuais que tampouco foram vistas; é preciso revelar o raio X desses negócios. Lula, de novo usando analogia boba vinda do futebol, teve o desplante de dizer que Palocci é um Pelé em sua área. Não, ele é melhor que Pelé: nem os negócios do atleta do século foram tão obscuros assim... E Pelé precisa fazer publicidade para ganhar tanto dinheiro num ano. Nem o "craque" Lula vai conseguir juntar essa quantia com suas "palestras".

Todos os dias lemos nos jornais o articulismo chapa branca assegurar que o Brasil vai muito bem, que em trinta anos estará igual aos Estados Unidos em termos de igualdade, que Lula foi o responsável direto pela criação de empregos e distribuição de renda dos últimos anos, etc. Ou seja, se o governo FHC deu as bases econômicas, Lula fez a virada social. Mas e a política, a ética, o desenvolvimento cultural da nação? Uma esquerda digna do nome não deveria cobrar impostos cada vez mais altos para as camadas mais pobres, barganhar cargos com retrógrados como Sarney, perpetuar o que Raymundo Faoro chamou de patrimonialismo. Ir contra o status quo seria mudar tudo isso, em vez de privatizar a máquina pública para ações entre amigos - e ainda querer chamá-las de "lobbies legais". O poder à brasileira funciona segundo a mentalidade oligárquica e isso tem preço social e econômico. A sorte de seus donos é que o povo vai às ruas protestar contra jogadores de futebol, mas Palocci pode circular em qualquer cidade sem receber uma vaia sequer.


Strauss-Kahn e as teorias da conspiração Gilles Lapouge

O Estado de S.Paulo

Dominique Strauss-Kahn, ex-dirigente do FMI que deveria ser o próximo presidente francês, é acusado de estuprar uma camareira do hotel Sofitel de Nova York. Ele está recluso num apartamento em Manhattan, vigiado por guardas que ele próprio tem de pagar e espionado por câmeras o tempo todo.

Nessas condições, esperava-se que a emoção e a estupefação que se seguiram à fantástica derrocada do francês dariam lugar à racionalidade e a uma análise desse caso sórdido com olhos não deformadores. Ora, nada disso ocorre. A "teoria da conspiração", longe de desaparecer, cresce.

Numa pesquisa entre os franceses sobre o mistério do quarto 2806 do Sofitel de Nova York, 57% das pessoas consultadas disseram acreditar que o ex-diretor do FMI caiu numa armadilha. E armada por quem? As respostas são variadas.

Para uns, foi a CIA. Para outros, os grandes bancos americanos. Alguns acham que os responsáveis são franceses, ou seja, um grupo secreto animado por Nicolas Sarkozy, ou, ao contrário, teria sido um ardil concebido por socialistas rivais de Strauss-Kahn.

Outros possíveis culpados seriam os russos, que querem o caos no Ocidente. Outros denunciam os gregos, afetados pelo plano de austeridade imposto pelo FMI.

Eis agora a última invenção dos "detetives amadores". Não se tratou de um complô, mas de um engano. Como faz com frequência, Strauss-Kahn havia solicitado que enviassem ao seu quarto uma "garota de programa". Quando a camareira da Guiné entrou no quarto, ele achou que se tratava da moça e se lançou sobre a infeliz.

Desde os tempos da Babilônia e da Suméria, os homens imaginam que forças obscuras operam nas sociedades. Essa "mania de complô" tem sido embalada por duas razões: os atentados de 11 de setembro de 20o1, em Nova York, um fato tão demente que muitas pessoas negaram, enquanto outras imaginaram que os próprios americanos tinham lançado seus aviões contra as Torres Gêmeas. E, em segundo lugar, a internet, que permite que qualquer cérebro pequeno dissemine seus delírios.

Todas essas idiotices são, às vezes, utilizadas cinicamente por homens responsáveis. No caso de Strauss-Kahn, ouvimos deputados próximos do francês sugerirem que ele caiu numa armadilha.

O próprio Strauss-Kahn, um mês antes do desastre do Sofitel, disse que temia que os homens de Sarkozy inventassem um escândalo sexual para torpedeá-lo. Na internet, um número aparece constantemente: o número 14, que corresponde ao número de mulheres atacadas por Strauss-Kahn.

Estão anunciando que, nos próximos dias, entrarão em cena os astrólogos, que vêm estudando febrilmente o céu de Strauss-Kahn, seus planetas, seus aspectos, a posição de Marte, Vênus e, sobretudo, do Escorpião, signo da atividade sexual. É assim que, nesse nosso século racional, a verdade tenta abrir caminho, com dificuldade. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É CORRESPONDENTE EM PARIS 

Clientes e patronos de Palocci VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de São Paulo

Ministro ainda tem lobby forte entre alguns vizires da economia, mas
já poderia ser passado para outros


O LOBBY de Antonio Palocci é forte entre grão-vizires da economia, em
particular entre alguns "líderes empresariais" muito discretos, com
capacidade de influenciar seus pares menores e menos articulados.
Esses "líderes" não aparecem nessas reuniões públicas de classe,
sindicais ou de associações setoriais, não fazem parte de "comitivas
de empresários" que vão fazer pleitos no Planalto e coisas assim.
Costumam agregar, por meio de emprego ou outras associações, muitos
grandes quadros intelectuais da área econômica. Esses "líderes" se
legitimam por serem proprietários ou executivos das maiores empresas e
instituições financeiras. Se capazes de formular algumas ideias sobre
o futuro (e se não são vetados pelo poder), acabam por "fazer" a
opinião dos seus pares.
De modo direto ou indireto, acabam por fazer com que essa disseminação
informal de ideias ecoe frequentemente nos meios de comunicação, nos
quais muita vez tais figuras são chamadas de "o PIB".
Na verdade, não se trata do conjunto dos proprietários ou grandes
gestores da grande empresa e da finança, mas de apenas uma parte dele.
Os diversos pedaços "do PIB" têm conexões variadas com o
Estado/governo, de associações empresariais mais claras a íntimas
relações de favores ou coisa pior.
De resto, as conexões e ações políticas diferem muito uma das outras,
num gradiente do "mais ideológico" ao mais suspeita e excessivamente
pragmático; do "mais republicano ao menos republicano", para recorrer
de modo irônico à frase que se tornou clichê na boca de petistas, em
particular quando eles se tornaram menos republicanos.
É muito difícil fazer uma enquete entre tais pessoas para aferir quão
firme continua o prestígio do ministro da Casa Civil entre "o PIB",
mesmo quando apenas se trata desse "PIB" mais limpinho, bem pensante,
e com relações menos promíscuas com Estado/governo. Ainda assim, a
julgar por algumas evidências anedóticas, nota-se que Palocci está
agora ainda mais longe de ser tido como indispensável do que se
imaginava antes -e exageradamente.
O pessoal de um grande banco brasileiro muito próximo de Palocci acha
a situação lamentável e preferia claramente ver o ministro firme e
forte. Não porque ele seja o "garantidor da racionalidade econômica"
no governo. Não gostam muito da política econômica heterodoxa, mas não
veem nela desrazão maior ou imediatamente desastrosa.
Mas, enfim, veem Palocci mais como: 1) Uma espécie de "seguro" contra
eventuais radicalismos; 2) Uma ponte política segura para conversas
com o governo; 3) Não conhecem no petismo-governismo figura similar à
do ministro da Casa Civil.
O pessoal de um outro banco brasileiro gosta muito de Palocci também.
Porém, "ninguém é insubstituível" e "mais importante" é a
"estabilidade das instituições", em vez de pessoas. A ideia básica do
pessoal do outro banco é que é bom evitar novas incertezas e que "é
bom para o Brasil" que o governo Dilma volte a tratar de temas
importantes, em vez de se desgastar em crises políticas.
Isto posto, o pessoal dos bancos acha que Dilma precisa "retomar logo
a ofensiva", mostrar que seu governo é "maior que a crise" e tomar
medidas de impacto que ajudem a "destravar a economia" (em especial em
impostos e infraestrutura).

Chama Lula! Alberto Dines

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Assim como na medicina há uma gradação vocabular que vai do mal-estar
à enfermidade, no universo ético-político a matização é ainda mais
diversificada, já que a política é a arte do relativismo. Do impróprio
ao irregular, deste ao ilícito e do ilícito ao ilegal percorre-se uma
vasta gama de nuances e dégradés que baralham os padrões estabelecidos
pelo senso comum.
A súbita entrada em cena do presidente Lula na primeira grande crise
perto do fim do primeiro semestre do governo Dilma não configura
qualquer infração nas regras do jogo institucional. Mas foi imprópria.
Um político não tem prazo de validade, vale para sempre.
Ex-presidentes não se aposentam, ao contrário, têm obrigação de
transferir a experiência acumulada não apenas aos sucessores diretos,
mas principalmente às sociedades que o elegeram. Pijama é uma peça de
vestuário inexistente no armário de um chefe de Estado. Só agora,
depois da redemocratização, estamos começando a concretar a figura do
Elder Statesman, estadista sênior, prova da estabilidade do sistema.
O presidente Lula avisou em diversos momentos antes de entregar a
faixa presidencial que manteria aberto um canal de comunicação com a
sua sucessora e, ao longo destes 144 dias, certamente cumpriu a
promessa seja em encontros pessoais ou telefônicos. A sua intempestiva
entrada na arena reservada aos agentes representativos da sociedade
chefiando reuniões com ministros e parlamentares, pode ser facilmente
classificada como inadequada e, por extensão, inconveniente.
Inclusive nas suas hostes, a chamada base aliada. O novo surto de
onipotência do ex-presidente escancara duas situações que taticamente
jamais deveriam ter sido magnificadas: a fragilidade da chefe da Nação
(inclusive em matéria de saúde) e a gravidade das denúncias referentes
ao aumento do patrimônio do ex-deputado e agora ministro-chefe da Casa
Civil.
Os 20 milhões que teriam sido faturados pela "Projeto", a empresa de
consultoria de Antonio Palocci ao longo de quatro anos, de repente,
ganharam uma dimensão que transcendem à esfera onde se situavam as
revelações da Folha de S.Paulo. Na insensata intervenção, Lula
chutou-as para o alto, insuflou-as e converteu o que antes se
enquadrava como "conflito de interesses" em transgressão quase
delituosa.
O que originalmente estava no âmbito pessoal, deslize, foi
dramaticamente ampliado como questão de estado. Tanto a presidente
Dilma Rousseff como seu principal auxiliar até então os queridinhos da
mídia, dos empresários e surpreendentemente respeitados pela oposição,
num passe de mágica, foram colocados na corda bamba pela entrada em
cena do Superman, o anjo exterminador do golpismo da mídia.
E isto no exato momento em que a derrota do governo nas mãos dos
ruralistas ganhava as manchetes dos principais jornais do mundo e o
País dava um exemplo de maturidade produzindo a inédita reunião da
presidente Dilma com 10 ex-ministros de Meio Ambiente desde os tempos
da ditadura.
A informalidade iniciada em 1º de janeiro aparentemente exacerbou o
ego e embotou alguns dos atributos do ex-presidente. A pressa em
acabar com o "vazio político" levou-o a aposentar o seu celebrado
timing. O seu senso de oportunidade funcionou ao revés, como
bumerangue: a sucessora saiu mais frágil da inopinada visita e o
habilíssimo ministro que coordenou a sua vitoriosa campanha para
chegar ao Planalto assemelha-se a um títere inanimado nas mãos do
mago.
Doravante, diante de qualquer sobressalto - real ou virtual - será
inevitável acionar o alarme e gritar "chama o Lula!".
Alberto Dines é jornalista

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