Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 27, 2005

O procurador procura toga AUGUSTO NUNES

O procurador procura toga

O vigarista Marcos Valério tentou, no começo dos trabalhos da CPI dos Correios, incinerar milhares de notas fiscais fraudulentas. Planejava destruir provas dos crimes que cometeu. Acionada pela CPI, a Polícia Federal solicitou à Procuradoria-Geral da República que requeresse ao Supremo Tribunal Federal a prisão preventiva do construtor do valerioduto. As sinuosidades do caminho informam: cartorial continua o país que nasceu cartorial. Foi a única nação do planeta que providenciou certidão de nascimento, chancelada por Pero Vaz de Caminha.

Até para prender bandidos de carteirinha, o Brasil prefere a curva à reta. Odeia a via rápida. Ama fazer escalas – para a coleta de mais papéis com timbres e selos. Numa dessas paradas cintila a Procuradoria-Geral da República. Em tese, existe para deter pilantras. Anda confundindo as coisas.

Em junho, por exemplo, o procurador geral Antônio Fernando de Souza ajudou Valério com a interdição da estrada da prisão preventiva. "Não vejo motivos para isso", resumiu. A indulgência do xerife animou o Supremo Tribunal Federal a escancarar a alma generosa. O veto fora um presentaço de Antônio Fernando ao homem das malas. O STF cuidou do brinde.

O carequinha de Minas ganhou um habeas-corpus preventivo, sob medida para mentir sem medo nas CPIs. As fantasias de Valério incluíram até a aquisição de um filho de Baloubet de Rouet, a montaria do campeão Rodrigo Pessoa que só salta quando lhe apraz. Mas não abalaram a serenidade do procurador-geral, que não tardaria a reincidir no pecado.

Há semanas, foram localizadas 80 mil notas fiscais valerianas, prontas para camuflar sujeiras. Apurou-se que a papelada ilegal era parte de um plano atrevido: a quadrilha de Valério e Delúbio resolvera aperfeiçoar a destruição de provas. Pela segunda vez, foi solicitada a prisão preventiva de Marcos Valério. Pela segunda vez, o procurador discordou. "Não vejo motivos para isso", repetiu.

Não parou por aí. "A CPI tem o projeto dela, e não vou atropelar o meu procedimento para atendê-la", irritou- se. Depois da repreensão, a estocada: "Isso dá notícia de jornal, eu sei", insinuou. Como a prisão preventiva não se consumou, virou manchete a infeliz decisão de Antônio Fernando.

"Essa questão de 'tem de prender, tem de prender' acaba por criar clima ruim para a condução do inquérito", ensinou. No lugar certo, na hora certa: conversava com jornalistas no intervalo de uma sessão plenária do Supremo Tribunal Federal. E aproveitou o caso para lançar a candidatura: o procurador quer uma toga.

Em 2006, pelo menos três vagas serão abertas no STF. O ministro Carlos Velloso já fez o discurso de despedida, imposta pela chegada aos 70 anos. Nelson Jobim sairá em abril, para fazer política em outras paragens. Sepúlveda Pertence se diz cansado de guerra.

Antônio Fernando só pensa nisso. Acredita que atende amplamente às duas exigências fixadas pela tradição: notório saber jurídico e reputação ilibada. Trata de engraxar o terceiro pré-requisito, mais relevante que os outros: tornar-se o candidato do presidente da República. A simpatia dos ministros do STF não é indispensável. Mas ajuda.

Foi para esses poucos eleitores que Antônio Fernando discursou. Ele sabe que não convém, no ano do habeas- corpus preventivo, defender a prisão preventiva de quem quer que seja. Os ministros do Supremo têm sido misericordiosos mesmo com meliantes da primeira divisão. Candidatos ao Supremo devem seguir o exemplo dos mestres. E agradar ao grande cacique: Lula, o Bondoso, acha cadeia um exagero até para delúbios, valérios e outros companheiros delinqüentes.

[27/DEZ/2005]

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