RODOLFO HOFFMANN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao divulgar os resultados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2004, o IBGE ressaltou que "depois de cair desde 1997, o rendimento médio real da população ocupada estabilizou-se em R$ 733 e a concentração das remunerações continuou em declínio."
Vejamos o que ocorreu nos últimos anos com a distribuição do rendimento domiciliar per capita, definido como o quociente entre o rendimento domiciliar e o número de pessoas residentes, excluindo pensionistas, empregados domésticos e parentes de empregados domésticos. A renda média per capita passa de R$ 424,50 em 2002 para R$ 399,80 em 2003, uma queda de 5,8%, e depois sobe 3,4%, atingindo R$ 413,25 em 2004. Note-se que essa média em 2004 é menor do que em 2002.
A redução da desigualdade pode ser constatada por diversos indicadores. O índice de Gini, em 2002, 2003 e 2004 é, respectivamente, 0,587, 0,581 e 0,569. A porcentagem da renda apropriada pelos 10% mais ricos cai de 46,8% em 2002 para 46% em 2003 e 45% em 2004. A porcentagem da renda apropriada pelos 5% mais ricos cai de 33,4% em 2002 para 32,7% em 2003 e 31,9% em 2004.
A proporção de pessoas pobres aumentou de 35,8% em 2002 para 37,5% no ano seguinte. Não há dúvida de que 2003 foi um ano relativamente ruim para a economia brasileira, com renda média baixa. Era esperada alguma recuperação em 2004. A redução na desigualdade contribuiu para que a diminuição da pobreza entre 2003 e 2004 fosse mais substancial. A proporção de pobres em 2004 é 34,6%, um pouco abaixo do valor observado em 2002.
A oscilação do grau de pobreza nesses 3 anos, sendo a pobreza em 2004 inferior à de 2002, é confirmada por medidas mais sofisticadas, que levam em consideração a insuficiência de renda de cada pessoa pobre, dando mais peso à insuficiência de renda dos mais pobres.
Como se explica o crescimento do rendimento domiciliar per capita de 2003 a 2004 se o rendimento por pessoa ocupada permaneceu estagnado? Um fator importante, obviamente, é o aumento do nível de ocupação, que passou de 55,4% em 2003 para 56,3% em 2004, como ressaltou o próprio IBGE ao divulgar os resultados da Pnad. Mas há, também, mudanças importantes na composição do rendimento domiciliar.
A participação do rendimento de todos os trabalhos (atividades exercidas pelas pessoas) no rendimento domiciliar total cai de 76,7% em 2003 para 76,3% em 2004. A participação de aposentadorias e pensões "oficiais" (pagas pelo governo ou por Instituto de Previdência) cai de 18,5% para 18,1%, mas a participação de outras aposentadorias e pensões sobe de 1,3% para 1,5%, de maneira que a participação do total de aposentadorias e pensões permanece relativamente estável (19,8% em 2003 e 19,6% em 2004).
Infelizmente, nos dados da Pnad, o item "outros rendimentos" inclui recursos de natureza muito distinta: juros e dividendos, e também o que as pessoas receberam de programas como bolsa-escola ou renda mínima.
Cabe ressaltar que o rendimento de juros e dividendos é mais subdeclarado do que outros componentes da renda. Verifica-se que a participação desses "outros rendimentos" no total da renda domiciliar cresceu de 1% em 2003 para 1,6% em 2004. E o que chama a atenção é o extraordinário crescimento da participação desse item na renda total dos estratos mais pobres.
Para domicílios com rendimento per capita igual ou inferior a R$ 50 (em moeda de setembro-outubro de 2004), essa participação passa de 9,3% em 2003 para 18,9% em 2004.
Para domicílios com rendimento per capita de mais de R$ 50 a R$ 100 essa participação sobe de 3,7% para 8,4%. Para todos os estratos com rendimento per capita até R$ 300 essa participação mais do que dobra entre 2003 e 2004. É razoável admitir que nesses estratos praticamente não há rendimento de juros e dividendos.
Podemos concluir, então, que o crescimento da participação desse item nos rendimentos totais reflete a ampliação dos programas oficiais de transferência de renda. Trata-se de componente com participação diminuta na renda total, mas com participação expressiva na renda dos mais pobres. Seu crescimento contribuiu substancialmente para reduzir a pobreza.
Um componente importante da renda total que poderia estar contribuindo para reduzir a desigualdade seria o rendimento de aposentadorias e pensões, mas, sob esse aspecto, não há indicação de nenhuma melhora em 2004. O rendimento de aposentadorias e pensões continua reforçando o padrão de elevada desigualdade da distribuição da renda no Brasil.
Rodolfo Hoffmann é professor do Instituto de Economia da Unicamp e autor de "Estatística para economistas" (Pioneira, 1998)