O GLOBO
Por trás da disputa política que envolve a aprovação do Orçamento do próximo ano eleitoral, há uma questão de política econômica relevante: não houve uma melhora fiscal do governo federal este ano que sustente as decisões que serão tomadas para o Orçamento de 2006, em uma linha expansionista. Os aumentos de gastos são permanentes, e não necessariamente há aumento de receita.
Quem mais melhorou o resultado fiscal, proporcionalmente, foram as prefeituras, que não têm peso significativo. Mas, para se ter uma idéia, o superávit primário este ano é 16% maior do que no ano passado, e o das prefeituras é 160% maior. As estatais são as maiores responsáveis pelo resultado final, Petrobras e Eletrobrás sobretudo.
O governo federal ficou igual ao ano passado, o que significa que não há mais dinheiro, a não ser aumentando a arrecadação tributária, para justificar, por exemplo, o aumento do salário-mínimo. Um quadro preocupante, porque a situação da Previdência piorou muito este ano.
Segundo técnicos, no Orçamento previsto há um déficit de R$ 5 bilhões na Previdência Social que o governo está escondendo, alegando uma suposta melhoria na redução de benefícios em decorrência do recadastramento de aposentados, que ainda está atrasado.
Se o salário-mínimo for de R$ 340, em vez dos R$ 330 que estão previstos no Orçamento, vão ser precisos mais R$ 3,1 bilhões só para a Previdência Social. Se for para R$ 350, o buraco fica maior. Para compensar, a carga tributária está sendo aumentada novamente, apesar das negativas do Ministério da Fazenda.
O economista José Roberto Afonso, do PSDB, acha que não é mais possível entender o resultado fiscal do governo isolado do resto da economia. Isso porque, para ele, a tributação está tendo o peso de frear decisões de investimentos pior que o peso dos juros altos.
Segundo ele, há uma instabilidade na área tributária muito grande, a arrecadação não pára de crescer, e "não adianta ficar gerando superávit primário deste tamanho à custa do aumento da arrecadação, que acaba derrubando o PIB". Afonso diz que, em 2004, sua conta da carga tributária, que o Ministério da Fazenda não aceita, é de 37% do PIB. Oficialmente, a carga foi de 35,9%. "Este ano, por baixo, teremos um aumento de 0,7% do PIB, só com o aumento de arrecadação até outubro".
O governo alega que não aumentou a carga, e sim a arrecadação. Eles esperam um aumento de arrecadação no próximo ano de R$ 10 bilhões. Para José Roberto Afonso, "a expressão mais correta seria dizer que não aumentou a incidência, mas sim as alíquotas dos impostos. Mas carga tributária é uma medida econômica que significa a soma de tudo o que você arrecada dividido pelo PIB".
Ele diz que o que mais está surpreendendo este ano é a arrecadação do Imposto de Renda, "o que é uma ironia": bancos e empresas estão pagando mais impostos por que estão ganhando mais com os juros altos. "O gasto público com juros teria, então, como contrapartida, o maior lucro financeiro de bancos e de empresas, o que depois aumenta a arrecadação do Imposto de Renda. O governo está, portanto, preso em uma armadilha, e com isso acaba derrubando a economia", analisa Afonso.
Ele ressalta que existe ainda o aumento da folha salarial de 29% para os civis e 10% para os militares previsto no Orçamento, que custaria R$ 2,1 bilhões. E o aumento de verba para o programa Bolsa Família, que passará a gastar R$ 11 bilhões este ano. Num primeiro momento, o governo não está reajustando o valor da Bolsa, está apenas aumentando o contingente, "mas se ficar puxando muito o salário-mínimo para cima, vai haver pressão para aumentar o valor da Bolsa", alerta Afonso.
O economista lembra que programas sociais de caráter compensatório, como seguro-desemprego ou o Bolsa Família, deveriam medir seu sucesso "pela diminuição do gasto, e não pelo aumento". José Roberto Afonso alerta para o fato de que todos esses cálculos foram feitos na presunção de que no próximo ano o PIB teria um crescimento real de 4,5%. Se valer a previsão de ministros e autoridades do governo, o crescimento será próximo de 5%, e haverá mais dinheiro ainda. Mas se corrigir para a projeção do Ipea, de +3,6%, isso já reduziria em R$ 1,8 bilhão a arrecadação prevista, o que torna ainda mais perigoso tais aumentos de gastos permanentes.
Outro aspecto perigoso, diz Afonso, é o aumento da dívida mobiliária, "que está explodindo no Brasil e só esse ano subiu 6% do PIB". O economista lamenta que o mercado só olhe a dívida líqüida, que está estabilizada em relação ao PIB em 51%. O principal parâmetro, que o mundo inteiro usa, é a dívida bruta. A União Européia determina que a dívida bruta não pode passar de 70% do PIB, e nós estamos em 75%.
A queda da dívida externa estaria escondendo um aumento da dívida interna, acontecido da seguinte maneira: quando o dólar estava em R$ 3,20, o governo propôs trocar títulos cambiais por títulos internos pagos pela Selic. "Se tivesse ficado com os papéis cambiais, hoje o credor ia tomar um prejuízo." Afonso concorda que a tentativa de acabar com dívida indexada ao dólar, e aumentar até 40% a parcela de dívida pré-fixada, é o caminho certo. "Do ponto de vista macroeconômico, é bom ter menos dívida externa, mas isso teve um custo", lembra Afonso. Há contas que indicam que esse custo teria sido de 5% do PIB.
"Os gastos do governo são cada vez maiores com juros, Previdência e programas assistenciais. Não há espaço para investimentos", critica José Roberto Afonso. Seria como se Lula estivesse se preparando para a campanha da reeleição baseado em uma frente que tem, num extremo, o setor financeiro, e no outro, os mais pobres. Uma estranha aliança dos rentistas do Bolsa Família, com os rentistas financeiros.