Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, novembro 28, 2010
Sobre o Rio Marco Antonio Villa
A oposição continua a mesma: não existe. Isto após receber "somente" 44 milhões de votos.
Poderia, sobre a crise no Rio, lembrar que:
1. defendeu a criação do Ministério da Segurança;
2. a Dilma disse que o "modelo" do Rio era tão bom que deveria ser um exemplo para o Brasil;
3. mostrar que o governo Lula ignorou o problema durante 8 anos.
4. Lula preferiu contruir um bondinho ao invés de defender (e criar condições) para explusar o tráfico dos morros;
5. apoiar as operações e criticar o governo não é oportunismo ou "faturar" com a tragédia. É fazer política.
6. a oposição poderia aproveitar o momento e apresentar as suas propostas para a área da segurança.
Muitas questões estão no ar.
1. Onde está o presidente Lula? Em 8 anos de governo, nunca foi a uma zona de conflito, enchente ou algum outro tipo de tragédia. Só vai "numa boa", onde não pode ser questionado;
2. Onde está Dilma? Não pode sequer fazer uma visitar protocolar ao Rio? As UPPs não eram um modêlo para TODO o Brasil?
3. Já começaram as comparações: a mais ridícula é associar o Complexo do Alemão/favelas da Penha ao episódio de Canudos. nada mais falso;
4. E o governador (que sempre está viajando - preferencialmente para o exterior) Ségio cabral?
5. E o ministro da Defesa, que sempre gosta de posar vestido com uniforme de oficial do Exército? Para onde foi?
6. Vamos ver quanto tempo vai durar a ocupação. Para obter resultados são necessários muitos meses. Mas tem o custo político.
7. Logo vão botar a culpa no capitalismo e no imperialismo;
8. E as ONGs?
9. E os políticos, tão fortes nestas comunidades?
10. Logo vai ocorrer um crime na Zona Sul que vai dar manchete. O "elemento" que cometeu o crime deve ser alguém vinculado ao tráfico. Aí surgiram os analistas que vão dizer que era melhor deixar o pessoal lá no morro, etc, etc.
Falácias sobre a luta armada na ditadura Marco Antonio Villa
Este texto foi publicado na Folha de S. Paulo em 19 de maio de 2008.
Acabou criando uma enorme polêmica:
A LUTA armada, de tempos em tempos, reaparece no noticiário. Nos últimos anos, foi se consolidando uma versão da história de que os guerrilheiros combateram a ditadura em defesa da liberdade. Os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heróicas ações. Em um país sem memória, é muito fácil reescrever a história. É urgente enfrentarmos essa falácia. A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.
Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime.
O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou usado pela extrema-direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.
Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único.
Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. A luta pela democracia foi travada nos bairros pelos movimentos populares, na defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve na Igreja Católica um importante aliado, assim como entre os intelectuais, que protestaram contra a censura. E o MDB, nada fez? E seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?
Quem contribuiu mais para a restauração da democracia: o articulador de um ato terrorista ou o deputado federal emedebista Lisâneas Maciel, defensor dos direitos humanos, que acabou sendo cassado pelo regime militar em 1976? A ação do MDB, especialmente dos parlamentares da "ala autêntica", precisa ser relembrada. Não foi nada fácil ser oposição nas eleições na década de 1970.
Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado.
Precisamos romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos inimigos da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o adversário, em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.
Um bom caminho para o país seria a abertura dos arquivos do regime militar. Dessa forma, tanto a ação contrária ao regime como a dos "defensores da ordem" poderiam ser estudadas, debatidas e analisadas. Parece, porém, que o governo não quer. Optou por uma espécie de "cala-boca" financeiro. Rentável, é verdade.
Injusto, também é verdade. Tanto pelo pagamento de indenizações milionárias a privilegiados como pelo abandono de centenas de perseguidos que até hoje não receberam nenhuma compensação. É fundamental não só rever as indenizações já aprovadas como estabelecer critérios rigorosos para os próximos processos. Enfim, precisamos romper os tabus construídos nas últimas quatro décadas: criticar a luta armada não é apoiar a tortura, assim como atacar a selvagem repressão do regime militar não é defender o terrorismo.
O pagamento das indenizações não pode servir como cortina de fumaça para encobrir a história do Brasil. Por que o governo teme a abertura dos arquivos? Abrir os arquivos não significa revanchismo ou coisa que o valha.
O desinteresse do governo pelo tema é tão grande que nem sequer sabe onde estão os arquivos das Forças Armadas e dos órgãos civis de repressão.
Mantê-los fechados só aumenta os boatos e as versões fantasiosas.
ler original
João Ubaldo Ribeiro - Nada a esconder
"Privacidade" é uma palavra recente na língua portuguesa. Quem a procurar num dicionário velho, aí de seus 30 ou 40 anos para cima, não vai encontrá-la. Antigamente se usava "intimidade", que, na minha opinião, quebrou bem o galho durante muito tempo. Não obstante, do mesmo jeito que muitas outras palavras nossas, "intimidade" teve todos os seus anos de bons serviços ignorados e foi amplamente substituída, via Estados Unidos, por uma inglesa de som e uso considerados chiques, como ocorre entre nós em relação a qualquer coisa em inglês. "Privacidade", aportuguesamento de "privacy", já foi naturalizada e correm bem longe os tempos em que seria xingada de anglicismo e, se usada numa prova escrita, baixaria a nota. A bem da verdade, ela não deixa de comportar-se como uma boa cidadã brasileira e talvez mereça a popularidade que obteve, talvez nós estivéssemos precisando dela mesmo.
Com a palavra, tudo bem, vida longa para ela, mas a condição que ela designa pertence cada vez mais ao passado. Ou melhor, já pertence ao passado, assim como a agora vingada "intimidade". Juntas, vão fazer parte das recordações de antigamente - o tempo em que existia um negócio chamado privacidade ou intimidade, o qual, suspeito eu, vai ter que ser explicado à geração que hoje é bebê. E, a julgar pelo que vejo em torno, muita gente, talvez a maioria, adere alegremente ao desprestígio crescente da privacidade e de sua colega intimidade. Não só não damos importância ao que fazem para violar nossa privacidade, como nos esforçamos para abdicar dela.
Há quem acredite que certas áreas, como a vida financeira e econômica de cada um, ainda são protegidas. Faz uns três dias, dei uma espiada na relação dos que têm (ou tinham, não vem ao caso, pois indica a experiência que voltarão a ter) acesso a dados dos contribuintes junto à Receita Federal e havia até estagiários. Não custa imaginar que estaria perto a autorização dos síndicos de edifícios de apartamentos, para fuçar a vida dos condôminos. Para não lembrar que já se falou em tudo quanto é tipo de vazamento na Receita Federal. Mas vamos continuar dando um crédito de confiança, que, aliás, é o único crédito nosso que podemos dar à Receita, porque o resto ela já tomou.
Até os bancos suíços, onde qualquer grande ladrão, traficante de droga ou governante corrupto tinha seu dinheiro imundo recebido com circunspecção, recato e maneiras finas, sem perguntas deseducadas e sem impostos penosos e, acima de tudo, sob sigilo impenetrável, até esses vêm sendo atacados. O venerável princípio segundo o qual a respeitabilidade de um homem é definida por quantos milhões de dólares ele tem está sofrendo golpes rudes, partidos notadamente, segundo leio aqui, dos americanos. O fisco americano, diz aqui, está torcendo o braço dos bancos suíços para que liberem dados de cidadãos sob sua jurisdição. Há ameaças de brecar as operações desses bancos nos Estados Unidos, se eles não atenderem aos pedidos de liberação. Verdade que rico ri à toa e que muitos espertos vão conseguir safar-se, mas o mundo não será mais o mesmo sem bancos suíços para higienizar, preservar e fazer render dinheiro sujo. Quanto a quem tem dinheiro aqui mesmo, sabe-se que a informação já está fartamente acessível, não só para os muitos que podem vê-la na Receita Federal, como em camelôs em São Paulo e no Rio, em CDs, ou, se se desejar gastar mais um pouco, documentos já impressos. Ou então se usa alguém de prestígio para mandar o banco quebrar o sigilo bancário do vizinho, do sogro, do marido ou do patrão. Dá para fazer numa boa, como já fez um ex-ministro cujo nome me escapa no momento, mas vocês hão de recordar.
Fora das finanças, acho que a coisa está bem mais aberta, porque a colaboração geral é entusiástica. Nas chamadas redes sociais na internet, milhões (ou bilhões, sei lá) de devotos acreditam que estão recebendo serviços de graça e que, por conseguinte, os donos dessas redes estão ganhando quaquilhões de dólares extraindo-os do ar e não dos bolsos da freguesia. Eles estão, claro, é faturando anúncios e, acima de tudo, coletando dados pessoais de toda espécie, que lhes proporcionam estratégias de mercado capazes não somente de vender a bagulhada que produzem ou a que se vinculam direta ou indiretamente, como também de criar necessidades antes inexistentes, para que se comerciem ainda mais bagulhos, num processo interminável. Não custa nada lembrar um axioma conhecido em cibernética: "Informação é controle."
Grande parte dessa massa manipulada quer ser manipulada, porque expõe, sua vida a torto e a direito, em proporções que não parecem conhecer limite. Não é apenas na internet que se divulgam intimidades antes preservadas, é em qualquer lugar. Já ouvi casais tendo a famosa discussão da relação, em celulares que, no modo viva-voz, faziam com que os circunstantes escutassem tudo. E senhoras e senhorinhas entrevistadas discorrem a leitores ou espectadores sobre posições sexuais, preferências de parceiros, higiene pessoal ou depilação púbica e perianal, quando não tomam parte em mesas-redondas de depoimentos pessoais íntimos - o que antes era confissão hoje é papo casual.
Segredos antigos desaparecem, velhos mistérios não são mais arcanos, não há mais inocências a proteger. Para evitar a exposição ao que se exibe em toda parte, só recolhendo o bebê a um mosteiro trapista, logo após o desmame, aos 6 meses de idade. Não se pode censurar livros recomendados a crianças ou adolescentes, pelo motivo descabido de que mostram aspectos de um mundo vivido por todos, inclusive por eles, que veem bem mais do que os adultos suspeitam. Não há como esconder mais nada. E, dessa forma, é preciso que eles também tenham a chance de ver este mundo através da sensibilidade literária. Principalmente porque isso os ajudará a compreender que há escolhas.
sábado, novembro 27, 2010
CESAR MAIA De volta ao Oriente
Três importantes reuniões internacionais no espaço de uma semana, neste mês de novembro, marcaram uma guinada em direção ao Oriente.
Nas três, o presidente Obama esteve presente. A primeira -a reunião do G20-, que pela total inutilidade coonestou as políticas econômicas da China e EUA; a segunda, dois dias depois, essa sim efetiva, foi a da Apec (Ásia-Pacífico), que decidiu, com aval dos EUA, China e Japão, a criação de uma mega-área de livre comércio. Ali mesmo o Peru (que há anos tem os melhores indicadores econômicos da América Latina) assinou seu acordo de livre comércio com a Apec; finalmente, a reunião da Otan em Lisboa no último fim de semana, que atribuiu-se funções que antes cabiam ao Conselho de Segurança da ONU.
Com a Europa em recessão (OCDE prevê crescimento de 1,7% em 2011), com os planos ortodoxos no Reino Unido, na Espanha, na França e na Alemanha, as crises da Grécia, Portugal e Irlanda, os problemas de desemprego nos EUA, o chavismo em expansão na América Latina (a ocupação pela Nicarágua de faixa da fronteira da Costa Rica é mais um capítulo) e a política externa de Lula (que foi tratado friamente no G20), Obama tomou o trem e atravessou o país, saindo do Atlântico para o Pacífico. Afinal, tem que cuidar da reeleição, depois da derrota eleitoral. As reuniões da Apec e da Otan são decisões tomadas e que já repercutem.
Na reunião da Otan, Obama foi explícito: "Esse novo conceito estratégico para a Otan identifica novas ameaças das quais temos que defendermo-nos juntos". As ameaças são o terrorismo, as atividades criminosas no ciberespaço, a proliferação de armas de destruição massiva, seus meios de distribuição...
O novo conceito estratégico reconhece que essas ameaças modernas exigem uma resposta global e põem em marcha um modelo de alianças com outros países e outras organizações. A reunião ampliou a ação da Otan usando como referencia a Isaf -força que a Otan mantém no Afeganistão. A presença de Karzai, seu presidente, assim como do general comandante dos EUA-Isaf no Afeganistão, David Petraeus, afirmou o caráter operacional da reunião.
E não parou aí: a Otan será uma aliança nuclear enquanto houver armas deste tipo no mundo, num recado ao Irã. Foi adotado o princípio da defesa coletiva e a política de "porta aberta", o que permitirá futuros alargamentos. "Este é um plano de ação histórico", explicou Rasmussen, secretário-geral da Otan. No novo conceito estratégico, a Otan passa a atuar também em parcerias com outras potências.
Medvedev, presente, saudou a decisão, pela Rússia. Assim, a Otan chega ao Báltico, Negro e Cáspio (Irã). E quase cola na Coreia do Norte.
PAUL KRUGMAN Comendo os irlandeses
É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro
Estamos precisando de um novo Jonathan Swift. A maioria das pessoas conhece Swift como o autor de As viagens de Gulliver. Mas os acontecimentos recentes me fizeram pensar em seu ensaio de 1729, "Uma proposta modesta", no qual ele observou a pobreza estarrecedora dos irlandeses e ofereceu uma solução: vender as crianças como alimento.
"Asseguro que essa comida será um pouco cara", ele admitiu, mas isso a tornaria muito apropriada para proprietários de terras , que, como já haviam devorado a maioria dos pais, pareciam ser os mais indicados para os filhos. Tudo bem que desta vez não são os proprietários de terras, mas os banqueiros - e eles estão apenas empobrecendo o população, não a comendo. Mas somente um satírico para fazer jus ao que está se passando hoje na Irlanda.
A história irlandesa começou com um verdadeiro milagre econômico.
Esse, porém, acabou dando lugar a uma orgia especulativa provocada por bancos e incorporadoras imobiliárias fora de controle, numa relação promíscua com políticos de peso. A orgia foi financiado com empréstimos enormes captados por bancos irlandeses, em geral de bancos de outros países europeus.
Aí a bolha estourou, e esses bancos enfrentaram prejuízos imensos.
Seria de esperar que os que emprestaram dinheiro aos bancos dividiriam os prejuízos. Afinal, eles eram adultos responsáveis por seus atos, e se não conseguiram compreender os riscos que estavam assumindo isso não foi por culpa de ninguém além deles. Mas, não, o governo entrou em cena para garantir a dívida dos bancos, transformando prejuízos privados em obrigações públicas.
Antes do estouro da bolha, a Irlanda tinha uma pequena dívida pública.
Mas, com os contribuintes subitamente ameaçados por prejuízos imensos dos bancos, enquanto a arrecadação despencava, a credibilidade do país foi colocada em xeque. Assim, a Irlanda tentou tranquilizar os mercados com um programa austero de corte de gastos.
Parem por um minuto e pensem nisso. Essas dívidas foram contraídas, não para pagar programas públicos, mas por espertalhões privados que buscavam apenas seu lucro pessoal. Agora, cidadãos comuns irlandeses pagam a conta.
Ou, para ser mais preciso, eles estão arcando com um ônus muito maior que a dívida - porque aqueles cortes de gastos causaram uma severa recessão, de modo que além de assumir as dívidas dos bancos, os irlandeses sofrem com a queda das rendas e o alto desemprego.
Agora o quê? Na semana passada, a Irlanda e seus vizinhos montaram o que foi amplamente descrito como um "salvamento". O que realmente se passou, porém, foi que o governo irlandês prometeu impor sofrimentos ainda maiores à população em troca de uma linha de crédito que, presumivelmente, daria mais tempo para a Irlanda, bem, recuperar a confiança. Os mercados, compreensivelmente, não se impressionaram quando as taxas de juros dos bônus irlandeses subiram ainda mais.
As coisas precisariam mesmo ser dessa maneira? No início de 2009, circulava uma piada: "Qual a diferença entre a Islândia (em inglês, Iceland) e a Irlanda (em inglês, Ireland)? Resposta: "Uma letra e cerca de seis meses." Isso era para ser uma piada de humor negro. Por pior que fosse a situação da Irlanda, ela não poderia se comparar ao completo desastre que era a Islândia.
Neste ponto, porém, a Islândia parece estar se saindo melhor que sua quase homônima. Sua recessão econômica não foi mais profunda que a da Irlanda, suas perdas de empregos foram menos graves e ela parece melhor posicionada para a recuperação. Os investidores, aliás, agora parecem estar considerando a dívida islandesa mais segura que a irlandesa. Como isso é possível? Parte da resposta é que a Islândia deixou que os emprestadores estrangeiros a seus bancos descontrolados pagassem o prelo de seu mau julgamento, em vez de colocar seus próprios contribuintes na linha para garantir as dívidas privadas ruins. Enquanto isso, a Islândia ajudou a evitar um pânico financeiro em parte impondo controles temporários ao capital - isto é, limitando a capacidade de os locais tirarem fundos do país.
A Islândia também se beneficiou do fato de que, diferentemente da Irlanda, ela ainda tem sua própria moeda: a desvalorização da coroa, que deixou as exportações islandesas mais competitivas, foi um importante fator para limitar a recessão na Islândia, Para os sabichões, nenhuma dessas opções heterodoxas está à disposição da Irlanda. A Irlanda, dizem eles, precisa continuar infligindo sofrimento a seus cidadãos - porque fazer qualquer outra coisa fatalmente solaparia a confiança.
Mas, a Irlanda já está em seu terceiro ano de austeridade, e a confiança continua se exaurindo. É o caso se perguntar o que será preciso para as pessoas sérias perceberem que punir a população pelos pecados dos banqueiros é pior que um crime; é um erro. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
É PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA
CELSO MING Expurgo de preços
Confirmado no cargo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, está empenhado agora em abrir caminho para a derrubada dos juros, projeto já anunciado pela presidente eleita, Dilma Rousseff. Ela pretende chegar aos 2% de juros reais ao ano, em quatro anos.
Mantega avisou que sua intenção é expurgar do índice oficial do custo de vida, o IPCA, as variações de preços dos alimentos e dos combustíveis. Não se trata de manipulação; trata-se de usar o conceito de núcleo de inflação para definição da política de juros. Além disso, o ministro quer que a economia se liberte dos indexadores de preços, ou seja, dos reajustes automáticos previstos em lei ou nos contratos.
Fácil entender a intenção dele. Os juros precisam subir quando a inflação tende a escapar para acima da meta; e tendem a cair quando a inflação fica abaixo. Livre de alguns dos fatores que mais pressionam os preços, o medidor de inflação concorreria para uma queda mais acentuada dos juros.
Antes de qualquer outra consideração, convém lembrar que essas ideias são, em princípio, corretas. Não faz sentido usar o medidor oficial de inflação que vem normalmente inchado com altas ou baixas de preços que nada têm a ver com o volume de dinheiro na economia ou o nível dos juros básicos. De mais a mais, se o feijão preto ou a batatinha ficaram caros demais em consequência de fortes secas ou do excesso de chuvas, o próprio consumidor se encarrega de encher a panela com outros alimentos.
Vistas essas coisas mais tecnicamente, o ministro Mantega está propondo que, para efeito de definição da política monetária, se aposente o índice cheio do custo de vida e seja adotado o conceito de núcleo de inflação (core inflation) assim expurgado, como operam alguns dos principais bancos centrais do mundo.
Três são os riscos de se adotar atabalhoadamente esse critério. O primeiro está em meter na vala comum tanto variações episódicas como crônicas de preços. Alimentos e petróleo são dois itens que tendem a encarecer dentro de alguns anos em decorrência do aumento do consumo internacional combinado com insuficiência de oferta e não de fatores conjunturais. Nessas condições, expurgar toda e qualquer variação de preços dos alimentos e combustíveis introduziria graves distorções nos índices.
O segundo risco é o de introduzir esse novo critério de maneira arbitrária, sem definir previamente uma metodologia transparente. Se for assim, ficará minada a credibilidade da condução isenta da política de juros junto aos marcadores de preços e não se poderá pretender um saudável gerenciamento das expectativas.
O terceiro risco é o de que essa mudança não passe de um truque grosseiro destinado a derrubar o juro à força de mandracarias como as que estão sendo adotadas pelo governo Lula no cálculo do superávit primário das contas públicas.
O sistema de indexação é distorção do entulho inflacionário. É o que pode ser dito da maior parte dos preços administrados, que correspondem a 30% da composição do custo de vida e evoluem de maneira automática, independentemente do tamanho dos juros ou da evolução da oferta e da procura. Não faz sentido usar o IGP-M, um índice sobrecarregado de preços do mercado atacadista, para reajustar aluguéis, tarifas e prestações de dívidas.
Se tais mudanças forem impostas arbitrariamente, tudo o que se conseguirá será a desmoralização da política de metas.
Aí está o tranco ocorrido em novembro no Índice Bovespa. É o fator
Irlanda e o drama do euro derrubando as cotações das principais ações negociadas na Bolsa de São Paulo.
Desindustrialização?
"Num país que importa US$ 125 bilhões em máquinas e equipamentos, em que o desemprego cai a 6,1% e a indústria produz a pleno vapor com resultados trimestrais apontando recordes de rentabilidade, falar em desindustrialização é um paradoxo'', afirmou ontem o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. Mais que paradoxo, é um despropósito.
A tomada da Vila Cruzeiro EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO
Compreende-se e até se deve louvar a sua prudência. Mas há, sim, muito a comemorar, pela competente operação com que o governo fluminense respondeu aos atos terroristas que desde o começo da semana haviam transformado o Rio numa espécie de capital tropical do Quinto Mundo, com uma profusão de arrastões, queima de veículos e tiroteios que, até ontem, já haviam matado pelo menos 35 pessoas.
Deve-se comemorar, antes de tudo, um acontecimento sem precedentes: a participação de uma das Três Forças, no caso a Marinha, no combate não propriamente ao narcotráfico, mas ao poder incontrastável exercido por suas gangues sobre núcleos inteiros da cidade. Vila Cruzeiro, por exemplo, era o quartel-general do Comando Vermelho, assim como a Rocinha é a base da facção rival Amigos dos Amigos.
Sem a decisão da Marinha de atender prontamente a um pedido de apoio logístico das autoridades estaduais - cedendo veículos blindados, carros-lagarta e viaturas para transporte de tropas, além de 70 fuzileiros navais para manejá-los -, a mobilização de meio milhar de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Polícia Militar e Civil só poderia ter êxito a um preço impensável: a mortandade de sabe-se lá quantos inocentes na batalha campal que seria travada.
Comemore-se, pois, o "feito de armas" que pode mudar o curso do que, em última análise, é uma guerra pelo controle do Rio de Janeiro. Desde anteontem a repressão ao crime organizado na cidade visa mais do que nunca o pior dos seus desdobramentos: os verdadeiros governos paralelos, ou melhor, as tiranias brutais do tráfico e das milícias.
"A comunidade hoje pertence ao Estado", resumiu um dos responsáveis pela dramática operação na Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pelas redes de televisão, com câmaras instaladas em helicópteros. Foi também pela TV que o País acompanhou a debandada da bandidagem para o Complexo do Alemão, do outro lado da encosta - o novo alvo das forças de segurança, desta vez com o engajamento da Polícia Federal.
Por muito tempo ainda o narcotráfico terá de ser combatido em muitas frentes, não raro distantes dos centros urbanos onde prospera, como as regiões de fronteira no extremo norte do País. Mas uma coisa é a droga, outra é o banimento do poder público de áreas usadas como centros de distribuição, baluartes para as máfias que as dominam e nelas criam mercados cativos de bens e serviços.
O Estado tem de retomar os feudos do crime não apenas para manter a sua integridade, proteger e prover as suas populações, mas também para desestruturar as quadrilhas e torná-las mais vulneráveis à ação policial. Falando da fuga dos criminosos da Vila Cruzeiro, o secretário Mariano Beltrame observou que o ataque "tirou dessas pessoas o que nunca foi retirado: o seu território".
"É importante apreender drogas", disse ainda. "Mas é mais importante tirar o território." Naturalmente, está fora de cogitação o que equivaleria a retirar e devolver. As forças que recuperarem a favela não poderão sair dali tão logo. Nem será do dia para a noite que ali se instalará uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O trabalho "vai demandar um esforço muito grande", avisa Beltrame.
Aliás, as poucas que já funcionam (em comparação com o que o Rio de Janeiro necessita) afetaram os traficantes a ponto de fazê-los desencadear a ofensiva terrorista que ensejou, afinal, a cooperação entre as Forças Armadas e o governo do Estado - a ser ampliada, por decisão do presidente Lula, com o envio de helicópteros, veículos e equipamentos de apoio logístico. Além disso, informou o Ministério da Defesa, 800 soldados do Exército serão deslocados para "garantir a proteção dos perímetros das áreas que forem ocupadas pelas polícias".
DIOGO MAINARDI Meus fantasmas
“Eu vim morar em Veneza para melhorar a qualidade de meus fantasmas. No Rio de Janeiro, eu convivia com o fantasma de Ziraldo. Aqui convivo com o fantasma de Eleonora Duse e de Gabriele D’Annunzio”
Lady Gaga é assombrada por um fantasma. Ela é igual a Scooby-Doo. Eu também sou assombrado por um fantasma. Eu sou igual a Lady Gaga e a Scooby-Doo.
O nome do fantasma de Lady Gaga é Ryan. Ryan persegue Lady Gaga em todos os lugares. Lady Gaga está em Istambul? Ryan a assombra em Istambul. Lady Gaga está em Estocolmo? Ryan a assombra em Estocolmo. Lady Gaga está em Belfast? Ryan a assombra em Belfast. Lady Gaga tem medo de Ryan. Em Belfast, algum tempo atrás, ela chegou a contatar um médium para tentar despachar o fantasma. O resultado, pelo que eu entendi, foi ruim: Ryan continuou a atormentá-la.
Se Lady Gaga é assombrada pelo fantasma de Ryan e se Scooby-Doo é assombrado pelo fantasma do Cavaleiro Negro, eu sou assombrado pelo fantasma de Eleonora Duse. Depois de passar uma temporada de oito anos no Rio de Janeiro, eu me mudei para Veneza. Vim morar no mesmo prédio em que morou Eleonora Duse. Lady Gaga tem muito mais páginas na internet do que ela. Scooby-Doo tem muito mais páginas na internet do que ela. Até eu tenho muito mais páginas na internet do que ela. Mas Eleonora Duse foi uma das maiores estrelas de teatro de todos os tempos. No fim do século XIX, ela era mais conhecida do que é, atualmente, Lady Gaga.
Há um episódio de Scooby-Doo ambientado em Veneza. No desenho animado, ele é perseguido pelo Gondoleiro Fantasma, que quer roubar um colar precioso. O fantasma de Eleonora Duse, que mora aqui comigo, é bem menos molesto. Ela se limita a recitar A Dama das Camélias, aos gritos, em cima de minha mesa de jantar.
O prédio em que o fantasma de Eleonora Duse e eu moramos está localizado à beira do Canal Grande. Na margem oposta, ligeiramente à esquerda, olhando pela janela, há uma casa vermelha em que morava o escritor Gabriele D’Annunzio. Eleonora Duse e Gabriele D’Annunzio eram amantes. Ele mergulhava no Canal Grande, cruzava-o a nado e vinha visitar Eleonora Duse em meu prédio. Um século mais tarde, seu fantasma continua repetindo a mesma rotina. Eu sempre pego Gabriele D’Annunzio em minha biblioteca, depois de sair do Canal Grande, inteiramente molhado, manchando o tapete e pingando em meu computador.
Já me perguntaram por que vim morar em Veneza. Eu vim morar em Veneza para melhorar a qualidade de meus fantasmas. No Rio de Janeiro, eu convivia com o fantasma de Ziraldo. Aqui convivo com o fantasma de Eleonora Duse e o de Gabriele D’Annunzio. Eu nunca me interessei por estrelas de teatro ou pela obra de Gabriele D’Annunzio. Mas num período como este, de assombroso embrutecimento intelectual, o máximo que posso fazer é tentar preservar alguns fantasmas do passado. Scooby Dooby Doo!
Merval Pereira Ainda "Tropa de Elite"
O cineasta José Padilha está, mesmo que involuntariamente, no centro das discussões sobre a política de segurança pública, com a coincidência de seu filme "Tropa de Elite 2" estar em exibição com grande sucesso ao mesmo tempo em que o Rio de Janeiro expõe ao mundo, através das lentes da televisão, a guerra entre o poder público e o tráfico pela conquista de territórios na cidade, mostrando a todos o tamanho do problema que enfrentamos.
Esse será um processo longo e possivelmente doloroso, e Padilha tem razão quando diz que ele não se completará se, além das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), não for feita uma reforma da própria polícia.
O personagem Capitão Nascimento, criado pelo talento de Wagner Moura nos dois filmes dirigidos por José Padilha, transformou-se em um herói nacional e é aplaudido pelo país afora quando ataca aos socos um político corrupto.
Mesmo quando algum integrante do Bope se utiliza de métodos de tortura para arrancar informações de um bandido, a plateia quase sempre ou aceita ou até mesmo aplaude, o que denota uma distorção de valores que vem sendo discutida desde o primeiro "Tropa de Elite".
A reação de parte da população, e de setores da própria polícia, criticando o fato de as televisões transmitirem ao vivo as ações policiais, demonstra uma vontade secreta de que elas possam se valer da falta de transparência para algum tipo de justiçamento.
É natural, portanto, que o diretor José Padilha receie ver confundidos seus pensamentos pessoais com os de seus personagens de ficção que procuraram retratar uma realidade com a qual não necessariamente atores ou diretor concordam.
Talvez por isso, em sua boa entrevista no programa "Estúdio I" da Globonews, Padilha tenha se equivocado ao comentar a minha coluna de ontem, onde está escrito o seguinte: "Ontem foi dia de a realidade imitar a arte. Foi dia de torcer pelo Capitão Nascimento de "Tropa de Elite", que todos nós vimos em ação, ao vivo e a cores, nas reportagens das emissoras de televisão. Que o personagem de Wagner Moura tenha se tornado o novo herói nacional é um sinal dos tempos, não necessariamente um bom sinal".
"Ontem entraram em ação centenas de capitães Nascimento encarnados em cada um dos soldados do Bope, que o personagem do filme de José Padilha se orgulha de ter transformado em "uma máquina de guerra"".
Por uma leitura equivocada, Padilha entendeu que eu estava afirmando que ele se orgulhava de o Bope ter se transformado em "uma máquina de guerra", e me mandou um recado pela televisão afirmando que não se orgulhava de maneira nenhuma.
Esclarecida a questão, fica a realidade, que "Tropa de Elite" retrata tão bem, e por isso já foi visto por mais de dez milhões de espectadores.
Jorge Maranhão, diretor do Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão, que se dedica a estudar a cidadania e o que fazer para avançar nesse terreno, acha que o "eloquente nexo causal entre a violência social e a violação legal de nossas elites políticas" é uma das razões do sucesso do filme.
Ele acha que o capitão Nascimento "nasce para herói, numa cultura como a brasileira, que tem enaltecido a esperteza, e, mesmo que justiceiro, já é um avanço no rumo de uma nova cultura de cidadania".
Maranhão vê uma evolução do personagem, de uma ação voluntarista para questionador do que chama "o sistema", e considera que "começamos a avançar ao encontro do que o público anseia, o que já é extraordinário e explica o sucesso do filme".
Para o diretor da Voz do Cidadão, "o imaginário social em rica mutação" não tem sido detectado corretamente sequer pelos institutos de pesquisa, e ele cita vários casos recentes: a surpresa do ficha-limpa, em que ninguém acreditava; a surpreendente votação em Marina Silva de quase 20 milhões de eleitores que ninguém previu.
"São cidadãos querendo pautar a questão ética na política e que não estão suportando mais o nível de degradação de sua representação. Por isso que o filme faz sucesso. Apesar de nosso herói coronel Nascimento fazer justiça com as próprias mãos, o que só evidencia a omissão das instituições de Estado que ainda não apareceram para cumprir o seu papel".
O leitor Mauricio Renault de Barros Correia, analista judiciário do TRE-RJ e estudante de História (Unirio), tomado aqui como exemplar da reação média dos leitores, vê na mudança da capital para Brasília o marco da decadência do Rio, com a política de investimento e infraestrutura e investimento social limitadas às classes média e alta. A desindustrialização do município abriu espaço para a favelização, diz ele. "Bairros operários tornaram-se as comunidades carentes de hoje".
Para exemplificar o atraso econômico até o início do século, Mauricio Renault ressalta que a maior parte da economia do município está nas mãos dos funcionários públicos e dos aposentados, em sua maioria também advindos do serviço público.
Segundo ele, o crescimento urbano desordenado, sob o descaso dos inúmeros governadores do Estado do Rio de Janeiro, culminou na formação desta hidra de inúmeras cabeças que se tornou o crime organizado no estado.
"A inépcia dos governos anteriores, permitindo que facções criminosas ocupassem territórios de comunidades carentes, tomando o lugar do Estado e instituindo suas próprias leis, permitiu que a sensação de poder e impunidade dos criminosos chegasse à beira da insanidade".
A política de ocupação das comunidades carentes foi um marco no atual governo, diz ele. E, seguindo uma tendência generalizada, compara o secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame ao Capitão Nascimento, que "não retrocederá frente aos inimigos e coloca uma máquina de guerra contra os traficantes".
Estranha normalidade:: Fernando Rodrigues
BRASÍLIA - "O comando do Exército no combate à criminalidade e ao
tráfico de drogas no Rio é apoiado por 86% dos moradores do Estado,
segundo pesquisa Datafolha realizada nos dias 7 e 8 deste mês", dizia
o primeiro parágrafo de um texto da Folha publicado no longínquo 13 de
novembro de 1994.
Suspeito que hoje, a julgar pelo tom eufórico de alguns telejornais, o
apoio dos fluminenses à presença dos militares esteja próximo dos
100%. Há 16 anos, como agora, o governo do Estado do Rio de Janeiro
havia firmado um convênio com as Forças Armadas.
Ainda não havia TV a cabo com noticiário brasileiro transmitido 24
horas para produzir o impacto atual, mas a operação tinha magnitude
semelhante à de agora. Estava autorizado o uso de blindados,
helicópteros e armamentos pesados. Produziu-se um sucesso relativo,
com pacificação eventual das regiões dominadas pelo tráfico.
Passada uma década e meia, a situação se repete -de maneira mais
fluída. Quase inexiste pudor sobre o uso de soldados do Exército em
áreas urbanas. Tudo parece muito natural. "É um exemplo para outros
Estados?", perguntava ontem a GloboNews. O apoio inicial dos
fuzileiros navais foi dado como vital para desbaratar as quadrilhas e
colocar bandidos em fuga.
Há, por sorte, uma diferença essencial de hoje para 1994: a existência
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Se a experiência for
replicada com rapidez, talvez seja possível haver uma consolidação do
Estado nas áreas degradadas pelo crime. Seria uma forma (não a única,
por óbvio) de evitar o retorno da bandidagem.
Quando há uma guerra, é difícil julgar todas as ações no momento em
que ocorrem. É compreensível o apoio aparentemente em massa dos
cidadãos de bem à ação militar contra os narcotraficantes. Mas não
deixa de ser alarmante a estranha naturalidade com que o uso das
Forças Armadas é recebido.
Tropa da mídia:: Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - Há um triunfalismo exorbitante na cobertura jornalística
dos acontecimentos gravíssimos no Rio de Janeiro. Na sua primeira
página de ontem, o jornal "O Globo" estampou, em letras garrafais: "O
Dia D da guerra ao tráfico".
A comparação, ou "semelhança simbólica", entre a ocupação da Vila
Cruzeiro, anteontem, e o desembarque das tropas aliadas na Normandia,
impondo a derrota aos nazistas, é um despropósito, um disparate
histórico, além de factual.
Vale lembrar: no dia 21 de abril de 2008, o Bope pendurou na parte
mais alta da mesma Vila Cruzeiro a sua bandeira preta com a caveira no
centro. A tropa de elite da polícia comemorava uma semana de ocupação
na favela. Falava-se então na apreensão de "três mil sacolés de
cocaína e 480 pedras de crack". Já vimos, pois, esse filme antes.
O que aconteceu desde então? As coisas agora são diferentes? Parece
que sim. A começar pelo emprego de armamentos de guerra e de efetivos
das Forças Armadas no cerco ao tráfico. Os bandidos também mudaram de
patamar: passaram a patrocinar ações típicas da guerrilha e do
terrorismo pela cidade.
Até prova em contrário, esses parecem ser sintomas do agravamento de
um problema, e não da sua solução. Curiosamente, o secretário de
Segurança do Rio mostra ter mais noção disso do que a mídia.
Por toda parte -TVs, jornais, internet-, há uma tendência compulsiva
para transformar a realidade em enredo de "Tropa de Elite 3", o filme
do acerto de contas final. A dramatização meio oficialista e meio
ficcional do conflito parece se beneficiar de uma fúria coletiva e sem
ressalvas dirigida aos morros, como quem diz: sobe, invade, explode,
arregaça, extermina!
É quase possível ouvir no ar o lamento pela ausência de traficantes
metralhados diante das câmeras. Até o momento em que escrevo, foram
incendiados 99 veículos e mortas 44 pessoas. Quantas eram marginais?
Quantas eram só pobres-diabos? E que diferença isso faz?
Míriam Leitão Nas três frentes
Para que tema olhar? A violência no Rio domina a semana e os corações.
Impossível não ver. Na Europa, uma moeda está próxima de um
precipício. Sobreviverá o euro à crise das dívidas soberanas? No
Brasil, o governo Dilma ganha os primeiros contornos, já há uma equipe
econômica e os seus integrantes fazem declarações, algumas
conflitantes com o que diziam dias antes.
Não posso escolher. São todos temas da atenção dos leitores desta
coluna. Melhor separá-los e tentar reuni-los depois. Ontem, a situação
estava assim: o presidente Lula, a menos de cinco semanas de deixar o
cargo, antes de sair do país autorizou o envio de tropas ao Rio; a
presidente eleita, fechada em copas, continua se comunicando por
notas, nomeando apenas petistas, num governo que será de coalizão. No
Rio, representantes das Forças Armadas, ministro da Defesa, governador
e secretário de segurança deram entrevista conjunta sobre a mais
impressionante ação já realizada por todos eles juntos na cidade
contra o tráfico de drogas.
Não é a primeira vez que o Exército vai para as ruas do Rio. Quem por
acaso tivesse à mão ontem a edição do GLOBO do dia 18 de maio de 1994,
poderia ver a foto do então candidato Fernando Henrique percorrendo a
cavalo e chapéu de nordestino ruas do sertão alagoano. A manchete do
jornal aquele dia foi "Exército ocupa duas favelas do Rio." Foram 600
soldados do Batalhão de Infantaria Blindada do Exército que ocuparam
as favelas de Ramos e Roquete Pinto. Difícil lembrar as
circunstâncias, mas basta registrar que é assim sempre: no surto, no
agudo da crise, a corrida para convocar o Exército como salvador. O
alívio e aplauso. Depois, o Rio sempre voltou à banalidade do mal.
Há esperança maior desta vez porque há uma ação coordenada e uma
política pública bem definida, as Unidades de Polícia Pacificadora
(UPP). Houve tentativas no passado que foram abandonadas; agora há
continuidade. Houve melindres no passado em se ter, em momentos de
crise, a ajuda das Forças Armadas, mas a entrevista conjunta de ontem
mostrou que essa visão estreita foi superada. Um estado federado
precisa de ajuda e a União a fornece. Forças policiais não têm
equipamentos e a Marinha os fornece. O Exército vence sua relutância
porque foi invocada a sigla mágica: GLO. Garantia da Lei e da Ordem,
princípio constitucional que permite que seus soldados atuem em ruas
conflagradas do espaço urbano.
Mas o Rio já viveu suficientes dores para saber certas coisas. Essa
guerra é complexa. Não tem só dois lados: mocinhos e bandidos. Tem
vários outros, mas pelo menos um sobre o qual não se deve deixar de
falar. O que a polícia deve fazer para vencer de vez o tráfico? No seu
blog, o cientista político Luiz Eduardo Soares respondeu assim: "Em
primeiro lugar, deveria parar de traficar ou de associar-se aos
traficantes. Deveria parar de negociar armas com traficantes. Deveria
parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando sob a forma de máfias
ou milícias territórios e populações."
Pois é. O apoio ao poder público e à presença do Estado neste momento
não pode ser ingênuo nem simplificar o que é complexo. Esquecer pontos
como o das milícias. Do contrário, os fatos de hoje serão apenas um
traço na história como a operação do Exército há 16 anos.
Os problemas do Rio não podem ser enfrentados com olhos em 2016. Por
vários motivos. Um deles, é que antes tem 2012, quando chefes de
Estado do mundo inteiro podem voltar a discutir aqui a questão
ambiental, na Cúpula da Terra Rio+20. Mas antes de 2012, tem o dia 27
de novembro de 2010. E o que tem o dia de hoje? Hoje é o tempo
presente, em que os 11 milhões de moradores da Região Metropolitana do
Rio querem o início de uma resposta duradoura e em que milhões de
brasileiros sabem que essa é uma batalha essencial.
Várias batalhas essenciais do país serão enfrentadas no governo que
começa em 35 dias. Não podem ser adiadas pela agenda intensa de
eventos internacionais que temos pela frente, mas principalmente não
podem ser adiadas por nós mesmos. O governo Dilma ainda está apenas no
esboço. Há alguns bons sinais e outros preocupantes. O ministro Guido
Mantega, que nos últimos anos incentivou o aumento excessivo dos
gastos públicos e que, com manobras contábeis, tirou credibilidade de
indicadores fiscais, foi confirmado no cargo e diz que fará, agora,
ajuste fiscal. Será o início do neomanteguismo? No dia seguinte, sua
proposta foi a de mudar o cálculo do índice de inflação retirando
alimentos e combustíveis. Em vez de atingir a meta, mudar o termômetro
que mede a meta. Isso sim se parece mais com o pensamento convencional
do ministro da Fazenda.
Se existe uma coisa que o Brasil não precisa é perder batalha ganha.
As da austeridade fiscal e da credibilidade de indicadores já foram
vencidas. Não podemos retroceder. Entre outras razões porque o mundo
piora a cada momento. Esta semana o fantasma que ronda a Europa deu
mais volteios. O temor é de que ele chegue à Espanha. Ontem, José Luis
Zapatero fez um discurso ameaçador aos mercados, avisando que eles
terão que pagar parte da conta. Irlanda, Grécia e Portugal somados têm
PIBs de US$750 bilhões. O da Espanha é de US$1,4 trilhão. Quase o
dobro dos outros três. O euro caiu 3% na semana.
Num mundo mais instável, o Brasil não pode ceder terreno conquistado,
precisa consolidar velhas vitórias e buscar novas. Uma delas será nas
ruas do Rio. Teremos mais chance se soubermos que a vitória não virá
apenas de um espetáculo, mas após uma longa sucessão de acertos.
sexta-feira, novembro 26, 2010
"BRASIL - DIVIDA INTERNA E DIVIDA EXTERNA."
"Leiam e observem a analise ponderada, muito bem explicada pelo Economista Waldir Serafim.SAIBA O QUE LULA FEZ DE 2002 A 2010 COM A "DIVIDA INTERNA /EXTERNA" DO BRASIL Você ouve falar em DÍVIDA EXTERNA e DÍVIDA INTERNA em jornais e TV e não entende direito vamos explicar a seguir:
"DIVIDA EXTERNA."
“É uma dívida com os Bancos,Mundial, o FMI e outras Instituições, no exterior em moeda externa.
"DIVIDA INTERNA."
"É uma dívida com Bancos em R$ (moeda nacional) no país.
Então, quando LULA assumiu o Brasil, em 2002, devíamos:
Dívida externa = 212 Bilhões
Dívida interna = 640 Bilhões
Total da Dívida = 851 Bilhões."
"Em 2007 Lula disse que tinha pago a dívida externa.
E é verdade, só que ele não explicou que, para pagar a dívida externa, ele aumentou a dívida interna:"
"Em 2007 no governo Lula:
Dívida Externa = 0 Bilhões
Dívida Interna = 1.400.000 Bilhões
Total da Dívida = 1.400.000 Bilhões
Ou seja, a Dívida Externa foi paga, mas a dívida interna quase dobrou."
"Agora, em 2010, você pode perceber que não se vê mais na TV e em jornais algo
dito que seja convincente sobre a Dívida Externa quitada."
"Sabe por que? "
"É que ela voltou..."
"Em 2010 no governo Lula:
Dívida Externa = 240 Bilhões de reais
Dívida Interna = 1.650.000 Bilhões de reais
Total da Dívida = 1.890.000 Bilhões de reais."
"Ou seja, no governo LULA, a dívida do Brasil aumentou em 1 Trilhão de reais!!! "
"Aumentando a divida é de onde vem o dinheiro que o Lula está gastando no PAC,
bolsa família, bolsa educação, bolsa faculdade, bolsa cultura, bolsa para presos, dentre
outras mais bolsas... e de onde tirou 30 milhões de brasileiros da pobreza, para eleger
a Dilma!!!"
"Não foi com dinheiro do crescimento, mas sim, com dinheiro de ENDIVIDAMENTO. "
"Compreenderam? Ou ainda acham que Lula é mágico? Ou que FHC deixou um caminhão
de dólares para Lula gastar? "
"Quer mais detalhes, sobre dívida interna e externa do Brasil? " "acesse o site: "
http://www.sonoticias.com.br/
"Os brasileiros, vão pagar muito caro pela atitude perdulária do governo Lulla, que não está
conseguindo pagar os juros dessa "Dívida trilhardária"
"Terão que engolir um "spread"(txa. juros) muito caro para refinanciar os "papagaios",
sem deixar nenhum benefício para o povo, mas apenas: DIVIDAS Á PAGAR. “Por todos os
brasileiros, que pagam seus impostos...!!! "
"A pergunta que não quer calar é: Dilma vai continuar esta gastança?"
"REPASSE PELO BEM DO PAÍS. " !!! ACORDA BRASIL !!!
Waldir Serafim.
Economista
"O maior castigo para aqueles que não se interessam por política, é que serão governados
pelos que se interessam."
Arnold Toynbee
Um caminho suave para a reforma-Eduardo Graeff
Se eu pudesse tirar uma reforma política da cartola, trocaria o nosso sistema eleitoral proporcional por um sistema distrital majoritário, com um deputado por distrito. Se isso não for possível, minha segunda opção é manter o sistema proporcional, mas subdividindo os Estados em distritos eleitorais com quatro, cinco ou seis deputados cada um. Hoje o Estado inteiro é um distritão que elege um mínimo de oito e um máximo de 70 deputados.
Nos países que adotam o voto distrital, o eleitor pode não morrer de amores pela instituição do Parlamento. Assisti nos Estados Unidos a um filme de ficção científica, Independence Day. Quando um disco voador desintegrou o Capitólio, a plateia aplaudiu. Mas o eleitor americano em geral conhece e confia no deputado do seu distrito. A taxa de reeleição dos deputados lá é de 90% ou mais.
Uma plateia brasileira também gostaria de ver o prédio do Congresso Nacional virar fumaça. E o eleitor brasileiro, ao contrário do americano, dificilmente sentiria falta de algum deputado. A maioria nem sequer tem um deputado que possa chamar de seu. Em 2010, os 70 deputados federais eleitos por São Paulo somaram menos de 12 milhões de votos, de um total de 21 milhões de votos válidos e 30 milhões de eleitores. Pouco mais de um terço dos eleitores efetivamente elegeu um deputado. Os demais não votaram, anularam o voto ou votaram num candidato que não se elegeu. Como confiar em quem você não escolheu nem sabe quem é?
A recíproca é verdadeira: como um deputado pode representar bem as dezenas de milhares de eleitores desconhecidos, em grande parte espalhados pelo Estado? Não é por preguiça que os deputados voam de Brasília na quinta-feira à tarde e só reaparecem na terça-feira. Os outros quatro dias da semana eles passam correndo atrás desses eleitores evanescentes no seu Estado. Correria inútil, em larga medida. A taxa de reeleição dos deputados brasileiros gira em torno dos 50% - uma tremenda rotatividade que não se traduz em renovação nem melhora de qualidade da representação.
O sistema distrital também tem defeitos, mas tem esta grande virtude: dá uma âncora geográfica para a representação eleitoral e assim aproxima representantes e representados.
De quebra, ele resolveria outro grande problema: como nosso sistema proporcional é de "lista aberta", ou seja, é a votação individual que determina a ordem em que os candidatos ocuparão as vagas ganhas pelo partido, a eleição vira uma competição de vida ou morte entre candidatos do mesmo partido. Isso tende a encarecer cada vez mais as campanhas e a enfraquecer a fidelidade partidária, o que, por sua vez, obriga os governos a (re)negociar com deputado por deputado para terem maioria. E o eleitor, principalmente nos Estados maiores, fica como cego em tiroteio entre centenas de candidatos de uma dúzia de partidos.
Acontece que o sistema proporcional funciona continuamente no Brasil desde 1934. Bem ou mal, enraizou-se nas instituições e nos hábitos dos políticos e eleitores. Muitos deputados receiam, com ou sem razão, que trocá-lo por algo muito diferente dificulte ainda mais sua reeleição. Desconfio que poucos param realmente para pensar no assunto. Para complicar, o princípio do voto proporcional está na Constituição. Mudá-lo dependeria de uma emenda aprovada por três quintos dos deputados federais e senadores.
Uma mudança mais profunda do sistema eleitoral pode sair no tranco de uma crise política aguda, que não se deve esperar nem desejar. Sendo assim, é melhor pensar em alternativas de reforma que representem, como aquela velha cartilha de alfabetização, um "caminho suave", gradual e sem ruptura.
Minha segunda opção atende a esse requisito. Primeiro, porque contorna a barreira do quórum qualificado para aprovação de emenda constitucional. Subdividir os Estados em distritos com quatro a seis deputados, mantendo o princípio proporcional, pode ser feito por projeto de lei ordinária, aprovado por maioria simples.
Segundo, ela não afronta hábitos cristalizados dos políticos e eleitores. Nesta legislatura, o Senado aprovou e a Câmara quase referendou um projeto de voto proporcional em lista fechada, em que a colocação dos candidatos na lista seria predefinida pelo partido, e não pelo eleitor. Duvido que essa mudança fosse bem aceita pelos eleitores, acostumados a votar em pessoas, mais do que em partidos. Ainda haveria o risco de institucionalizar o "efeito Tiririca". Um, dois ou três puxadores de votos elegeriam a si mesmos e alguns ilustres desconhecidos estrategicamente colocados perto do topo da lista. Prato cheio para corrupção e/ou manipulação pelas direções partidárias. Não parece uma boa opção para aumentar a confiança nas instituições.
Menos impactante do que o voto distrital, a alternativa do voto proporcional em distritos com um número limitado de deputados faria diferença, ainda assim, para encurtar a distância e ancorar a confiança entre representantes e representados.
Para o eleitor, parece muito mais fácil conhecer os quatro, cinco ou seis deputados de seu distrito do que identificar algum entre os 70 deputados de São Paulo, 53 de Minas Gerais, 46 do Rio de Janeiro, e por aí vai.
Para o candidato, concorrer num distrito com outros três, quatro ou cinco do mesmo partido poderá não ser tão fácil, mas com certeza será muito mais barato do que se acotovelar com dezenas de candidatos atrás de voto por todo o Estado.
Claro que isso não é uma panaceia para todos os males da nossa política. Mas seria um primeiro passo importante no caminho da reforma. Passo que pode levar a outros, se não tropeçarmos na tentativa de fazer todas as mudanças de uma vez só.
Torço para que o começo da próxima legislatura dê mais uma chance a essa discussão.
No ar e na terra - Míriam Leitão
Da janela do avião, o Rio aparece em toda a sua beleza. Nos últimos dois dias, entrei e saí do Rio duas vezes. Na terra, o clima está pesado, emergencial, não se vê a paisagem. O motorista que me levou ao aeroporto ontem errou o caminho porque dirigia mais atento ao que o secretário José Mariano Beltrame dizia no rádio. A passageira ao lado, antes da decolagem, faz uma ligação aflita.
- Já chegou? Graças a Deus. Mas cuidado, saia mais cedo, na hora que você sai é quando eles mais atacam - diz a passageira para alguém querido.
As pessoas amadas passaram os últimos dias no Rio se telefonando o dia inteiro, informando e pedindo localização. Querendo proteção divina e dando graças.
Ana, camareira na TV, mora em frente à Vila Cruzeiro. Sai normalmente de casa faltando quinze minutos para as cinco. Ontem, perdeu a hora:
- Foi tiro à noite inteira, esperei clarear para sair de casa.
O motorista que me busca cedo fala rápido com a mulher, enquanto entro no carro, às 5h50m:
- Está tudo bem, fique tranquila. Claro, vou continuar ligando.
A maquiadora divide a atenção entre o meu rosto e a televisão.
- Vi uma cena de um menininho correndo com uma mochila de escola. Chorei. Pensei no meu filho e pensei na mãe dessa criança que pode estar trabalhando como eu e vendo a cena do filho - me diz, se emocionando de novo.
Minha sobrinha, que acaba de chegar de Minas, avisa que está em Ipanema. Quarenta minutos depois, ela não havia chegado à Gávea, e aí sou eu a me preocupar. Outra sobrinha ligou. É jornalista. Avisa que está voltando da Penha, onde foi fazer uma reportagem. Me informa que está bem e avisa que se tiver plantão mandará o filho pequeno ficar na minha casa. Isso foi na quarta-feira. Ontem, o recado da sobrinha jornalista foi mais breve:
- Oi. Estou na Vila Cruzeiro. Estou bem. Não posso falar agora.
Na terça-feira, eu tinha um jantar. Foi só comentar que ouvi o recado costumeiro:
- Como? Você vai sair de casa? Dizem que vai ter confusão aí perto.
Fui. O taxista me recebe perguntando:
- Sabe da última? Tem um caminhão cheio de explosivo em algum lugar.
O jantar era de muitos amigos. Dois colegas subiram no elevador contando que a PUC tinha suspendido as aulas. Achavam meio exagero. Os paulistas chegavam no jantar olhando com cara de consternação para os moradores do Rio.
O motorista de taxi, que eu pego na volta, mal fala comigo. Ouvido grudado no rádio. Quando o noticiário muda de assunto, ele procura outra estação. Quer obsessivamente ouvir as mesmas notícias.
- Onde está havendo problemas? - Ele pergunta à central.
Ontem, no caminho ao aeroporto, Beltrame estava sendo entrevistado por Lúcia Hippolito, na CBN. O motorista vibrava com cada resposta dada pelo secretário:
- É isso mesmo. É isso mesmo!
Beltrame, com seu inequívoco sotaque gaúcho, fala que o Rio tem que ir até o fim, que não se pode recuar agora e que o governo do Rio sabe para onde está indo. O taxista aprova. Beltrame elogia a Marinha, que cedeu equipamentos e deu apoio operacional. O taxista aprova.
- Esse cara é bom, olhaí, esse cara é assim. Tem peito - aprova de novo o motorista e gosta ainda mais quando Beltrame diz que só se discute esse assunto da segurança no Rio nas crises, depois, o tema é esquecido.
Um torpedo, no sentido telefônico da palavra, chega ao meu celular avisando que minha sobrinha de Minas está voltando para casa: o workshop na Uerj, motivo que a trouxe ao Rio, está suspenso, pelo menos na quinta-feira.
Assim se vive estes dias na bela cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, jóia da coroa brasileira, porta de entrada e saída do Brasil, nosso cartão-postal. Assunto único, conversa dominante, rotinas subvertidas. Os diálogos podem começar de qualquer ponto, porque o interlocutor sempre sabe do que se fala. Só se fala disso. Boatos se misturam aos fatos e não há como separá-los porque os fatos parecem irreais. A menina de 14 anos em frente ao computador na sua casa leva um tiro no peito e morre. A economia conseguiu oferecer à família dela, mesmo morando numa área pobre da cidade, a possibilidade de ter um computador em casa, mas a segurança não protegeu sua vida.
Ontem, no ápice da tensão, as cenas da fuga de bandidos da Vila Cruzeiro para o mar de favelas que é o Alemão dá ao mesmo tempo medo e esperança. Vistos assim do alto, do helicóptero, eles são o que são: um grupo em desordem. A chance da vitória existe. Ao mesmo tempo, dói ver como alguns são tão jovens.
O Rio tenta se proteger da sequência dos fatos e vive dias de tensão e pânico, mas ninguém está exatamente surpreso. É uma aflição esperada: expulsos de favelas menores, perdendo território e dinheiro, o tráfico permanece encastelado nas grandes favelas, como o Complexo do Alemão e a Rocinha. Eles reagiriam, isso estava escrito nas estrelas.
Há as UPPs e o PAC. As UPPs entraram nas favelas tirando o tráfico de drogas, retomando territórios. O PAC pede licença. São obras de melhoria inclusive nas favelas ocupadas pelo tráfico. No Alemão, por exemplo, os trabalhadores passam entre bancas de cocaína e adolescentes armados. Quem já visitou o Complexo sabe que ele é uma gigantesca cidadela. Nada será fácil lá, como não será na Rocinha. Nada será fácil em toda essa longa tragédia do Rio. Mas era isso ou ficar de braços abertos para o inaceitável.
Visto de perto, o Rio é complexo. Mas só tem uma saída: ter a presença do Estado em todo o seu território. Do contrário, será uma bela paisagem para ser vista de longe.
Celso Ming Mais controle dos cartões
O Banco Central está assumindo maior controle sobre os cartões de crédito, um segmento que vinha escapando de sua supervisão. Nesta quinta-feira, obteve autorização para isso do Conselho Monetário Nacional (CMN), a instância que cuida desses assuntos.
Para entender o que está acontecendo é preciso levar em consideração que há uma parcela da conta dos cartões de crédito que não passa e não tem de passar pela fiscalização do Banco Central. É o negócio entre as administradoras dos cartões (que em geral são os bancos) e os titulares (clientes) ou, então, entre as administradoras e as lojas ou prestadores de serviços. Trata-se de uma operação puramente comercial que não envolve função específica de instituição financeira.
Em setembro, os cartões de crédito tiveram um movimento total de R$ 89,1 bilhões. A parcela correspondente a operações entre administradora e cliente foi de cerca de 68% ou R$ 60,6 bilhões.
Mas há um pedaço da conta total cobrada pelos cartões de crédito que em geral não é paga no vencimento. Em setembro ela era de 32% (ou de R$ 28,5 bilhões) e ficou pendurada para ser rolada e quitada nos meses seguintes.
Essa parcela se transforma automaticamente em crédito pelo banco que, por disposição contratual, mantém uma linha aberta para esses consumidores. É com ele que outro braço da administradora do cartão (o adquirente) vai fazer o repasse do pagamento para as lojas, postos de gasolina, supermercados, etc. É essa parte da conta que tem de ser objeto de fiscalização e supervisão do Banco Central, porque corresponde a operações de risco de crédito feitos pela rede bancária.
O problema é que até agora o Banco Central não vinha tendo controle total sobre esse crédito. Essa omissão é uma das explicações para o fato de ter sido surpreendido com o rombo do cartão de crédito do Banco Panamericano, da ordem de R$ 400 milhões.
O controle do crédito não é a única razão pela qual o Banco Central tem de se envolver mais profundamente com esse assunto. Os cartões de crédito vêm assumindo funções importantes nas relações econômicas que estão sob o guarda-chuva do Banco Central. Estão, por exemplo, substituindo meios de pagamento. Ou seja, as pessoas hoje precisam de cada vez menos dinheiro no bolso para as despesas do dia a dia: é o cartão de crédito sendo usado no lugar do dinheiro vivo. E, junto com os meios eletrônicos, eles estão aposentando o cheque e os custosos procedimentos diários de compensação interbancária.
As decisões anunciadas nesta quinta-feira aumentam gradativamente a parcela da conta do cartão que tem de ser paga à vista pelo consumidor. Com isso, o pedaço do crédito repassado para os bancos fica também progressivamente mais baixo.
O Banco Central tem dois objetivos. O primeiro deles é desestimular o endividamento familiar excessivo. O segundo é calibrar melhor essa fatia do crédito para o nível de risco assumido pelos bancos.
O Banco Central aproveitou a oportunidade para regular e uniformizar mais as tarifas cobradas pelos cartões. Por enquanto deu para ver que haverá mais transparência. Mas falta saber até que ponto as mudanças acabarão com o cartão armadilha, aquele que cobra juros tão altos que leva o consumidor a se endividar cada vez mais apenas para pagar a conta dos meses anteriores.
Você vê aí que os cartões de crédito são os campeões em juros.
Raposa no galinheiro. Para o presidente da Abimaq, Luiz Aubert Neto, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é a raposa tomando conta do galinheiro. Todo o mundo entendeu que, para Aubert Neto, Meirelles é um ex-banqueiro que manipulou a política de juros em favor dos banqueiros.
Duas opções. Ou essa é uma acusação grave, que deve ser provada. Ou é uma afirmação leviana de quem não gosta do sistema de metas. Nesse caso, seria melhor apresentar uma opção.
Merval Pereira - Capitão Nascimento
Ontem foi dia de a realidade imitar a arte. Foi dia de torcer pelo Capitão Nascimento de Tropa de Elite, que todos nós vimos em ação, ao vivo e a cores, nas reportagens das emissoras de televisão. Que o personagem de Wagner Moura tenha se tornado o novo herói nacional é um sinal dos tempos, não necessariamente um bom sinal.
Ontem entraram em ação centenas de capitães Nascimento encarnados em cada um dos soldados do BOPE, que o personagem do filme de José Padilha se orgulha de ter transformado em "uma máquina de guerra".
E quando essa máquina de guerra conseguiu colocar em disparada várias dezenas de bandidos em fuga pela mata, em direção ao Morro do Alemão, houve comemoração do cidadão comum que assistia à TV Globo como se acompanhasse um filme de aventura em que os mocinhos eram os policiais.
Ou como se aquelas imagens em tempo real fizessem parte de um game em que o telespectador poderia interferir manejando os comandos.
Mas foi também dia de a população como um todo tomar consciência da gravidade da situação, que muitas vezes só é sentida na carne pelas comunidades mais carentes.
A ação de terrorismo distribuída por toda a cidade, que já vinha sendo revelada com os arrastões na Zona Sul nos últimos dias, evidenciou que essas facções criminosas continuam ativas e bem armadas, com capacidade de levar o pânico a qualquer ponto.
O ponto positivo foi ver a reação policial, que deu a sensação de ter sido bem coordenada e comandada com extrema cautela para não colocar em risco a população. E mesmo assim eficiente.
É claro que a realidade lá fora mostrava uma cidade apavorada, quase deserta, com as pessoas escondidas dentro de casa.
Nas localidades envolvidas diretamente na guerra, era possível ver vez por outra lençóis brancos sendo acenados em pedidos desesperados de paz, enquanto as ações de guerrilha continuavam na Vila Cruzeiro, que acabou sendo dominada pelas forças públicas.
Essa verdadeira operação de guerra que se desenvolveu durante todo o dia na região da Penha mostrou uma grande ofensiva policial feita por 150 policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e 30 fuzileiros navais com rostos pintados, colocando várias dezenas de bandidos em fuga, permitindo que a polícia ocupasse o alto da Vila Cruzeiro, aonde não conseguiam chegar há anos.
E tudo mostrado ao vivo pelos helicópteros das televisões, que deixaram os telespectadores espantados com o poder de fogo dos bandidos, e a quantidade de pessoas envolvidas nessa guerra.
Foi um reality show em tempo real que, ao mesmo tempo em que colocou em cada um de nós um sentimento de horror com a constatação da dimensão do problema que a cidade enfrenta, deu-nos também a certeza de que é preciso apoiar a ação do governo, que não há mais volta nesse combate contra o tráfico de drogas.
O fato de que pela primeira vez no combate aos traficantes foram usados Urutus da Marinha de Guerra. É "histórico", como definiu o secretário de segurança José Mariano Beltrame, ao mesmo tempo em que todos ficamos espantados com a insinuação do secretário de que o Exército não parece disposto a colaborar.
A participação dos Urutus da Marinha e de Fuzileiros Navais na operação foi mais um elemento emocional positivo para a ação da polícia.
A cada barreira que um Urutu ultrapassava parecia uma vitória da sociedade sobre a bandidagem.
Mesmo que a Secretaria de Segurança não planejasse a ocupação da Vila Cruzeiro, ela se tornou inevitável depois que a TV Globo mostrou aquelas imagens, na quarta-feira, de bandidos chegando aos magotes de tudo quanto é lado, para se esconderem na favela que se transformou no bunker da direção da maior facção criminosa do Rio, que comanda as ações terroristas dos últimos dias.
A sensação dos especialistas é de que os policiais montaram uma operação dentro da lógica antiga de responder com uma ação direta no núcleo da bandidagem, para mostrar força, mas para entrar e sair da favela.
E a reação política da sociedade está mostrando que o avanço da polícia foi sentido de maneira tão positiva pela população que vale mais pelo lado intangível do sentimento de vitória do que propriamente pela ação em si.
As forças públicas não poderão sair tão cedo da Vila Cruzeiro, mesmo que não venha a ser instalada lá pelo momento uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), como chegou a ser anunciado.
Essas unidades pacificadoras estão se revelando um ativo político importantíssimo, com ampla aceitação pela população, mesmo que falte a essa política uma imprescindível ação de planejamento para combater as consequências da retirada dos bandidos dos territórios que dominavam.
Está se produzindo um fenômeno político que é a reação da sociedade de unidade em torno da ação do governo.
Se as forças públicas saírem da Vila Cruzeiro, ficará a sensação de que foram derrotados.
A reação dos bandidos de tocar o terror na cidade foi extremamente negativa para eles, por que conseguiram provocar uma grande unidade na sociedade, e não entenderam que em certas circunstâncias o Estado não pode recuar.
O sinal de que estão descontrolados foi o ataque até a uma ambulância, com doente dentro, que conseguiu sair antes que o veículo pegasse fogo.
Dora Kramer Agora é guerra
A situação por que passa a cidade do Rio de Janeiro, alvo de ataques terroristas do tráfico de drogas, já aconteceu outras vezes e aconteceu também em São Paulo há poucos anos.
Mas, desta vez, no Rio há algo de diferente no ambiente: nunca se viu tanta mobilização de recursos, tanta motivação por parte do aparelho de Estado, tanta confiança num desfecho positivo, tanta torcida no restante do País e tanto apoio da população e da imprensa ao trabalho da polícia.
Agora é a guerra instalada mesmo. Até então o que havia eram ações episódicas, com o Estado sendo derrotado permanentemente e, com isso, a crescente ameaça à segurança e à soberania nacionais.
O que mudou? Há o esgotamento geral com essa questão, mas há um dado novo: a maneira como as pessoas enxergam o poder público. Ou melhor, a forma como o poder público se mostrou à população nos últimos dois anos no que concerne ao trato da segurança pública na cidade brasileira onde o problema é mais agudo e mais difícil de ser enfrentado.
Pela primeira vez em 40 anos de um processo de ocupação gradativa de territórios pelo tráfico de drogas e de compadrio as autoridades e do sistema político, o governo do Estado resolveu agir com firmeza, começando pelo que estava ao seu alcance: a retomada paulatina desses territórios com o plano das Unidades de Polícia Pacificadora e o combate às milícias.
Para isso foi essencial a escolha de um profissional sério e que se fez respeitado junto à sociedade, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e, claro, uma relação de cooperação e confiança entre os governos estadual e federal.
Isso resolve? Não, mas contribui sobremaneira o fato de não se ter um comando comprometido com o crime (o ex-chefe da Polícia Civil Álvaro Lins está preso); de governos estadual e federal não perderem tempo com aquelas brigas que a todos enoja; a união (na prática) das Polícias Civil e Militar. Junto a isso, a existência de política de segurança, de ações de inteligência e de estratégia para reação.
Contribui também a concentração de traficantes em regiões ainda não ocupadas pelas UPPs, justamente porque foram expulsos daquelas áreas que já somam duas dezenas nas zonas sul, norte e oeste do Rio.
As unidades não foram concebidas para eliminar o tráfico de drogas. A ideia foi estabelecer como prioridade libertar as pessoas residentes dos territórios controlados do domínio do tráfico. Hoje são 150 mil os moradores beneficiados, mas o plano até 2014 é instalar 40 UPPs para alcançar 500 mil pessoas.
"Meu objetivo é tirar a arma pesada da mão do bandido que escraviza comunidades. Enquanto houver doentes haverá drogas. O que não é admissível é um sujeito com arma na mão determinar aonde uma pessoa vai ou deixa de ir", disse ele em entrevista há seis meses.
Nessa conversa, Beltrame explicou que o Rio é o lugar mais complexo em termos de criminalidade. "Aqui a polícia trabalha contra o crime na rua, contra três facções criminosas e ainda trabalha contra as milícias. Nos outros Estados não há essa diversidade".
O plano dele é ir tirando as condições de o tráfico trabalhar por causa da perda dos territórios. Na época, falava em "uma segunda etapa" que seria o cerco aos marginais abrigados em outros locais não ocupados pela polícia.
"Ou vamos prendê-los, ou vão fugir ou podem perder a vida num confronto", dizia.
Sobre tentativas de contra-ataques assegurava ter homens suficientes para pôr os bandidos "para correr". E por "correr" aí entenda-se até o extremo. "A polícia não quer matar, mas o Estado precisa se colocar porque para o bandido não existe Constituição, vale a lei deles e é contra isso que o País precisa se posicionar, entendendo que o Estado tem o monopólio da força".
Como se resolve o problema? "Com o envolvimento efetivo da União, dos Estados e municípios, de todos. Sem discussões sobre episódios, mas com uma ideologia de segurança, de muito investimento em estrutura, tecnologia, treinamento e principalmente capacidade de decisão".
Quer dizer, algo se moveu no Rio, mas a solução está longe de ser alcançada.
NELSON MOTTA A lógica dos raios
Incrível, fantástico ou extraordinário? Apenas coisas da vida: no ano passado, 131 brasileiros morreram fulminados por raios em diversas regiões do país. É mais gente do que as vitimas de desastres aéreos no período, que têm muito mais chances de acontecer, por dependerem de fatores humanos e mecânicos, além dos meteorológicos. Os raios, não: desabam dos céus aleatoriamente para fulminar um ser humano inocente, de qualquer sexo, idade ou classe social, que estava no lugar errado, na hora errada.
Pelo número de mortos no Brasil, imagina-se quanta gente do mundo inteiro voltou ao pó por uma descarga de milhões de volts disparada dos céus. A vida é mesmo assim, está sempre por um fio, absolutamente fora de qualquer controle humano. E pode acabar num raio, ou num infarto, a qualquer momento. Até para o mais poderoso dos mortais.
Desde Zeus e Iansã, os raios são a simbologia ancestral do poder da divindade e representam a força do acaso, da fatalidade e do destino. Eles fulminam a onipotência humana e revelam a nossa fragilidade e desimportância. Além dos acidentes, das tragédias, das doenças terminais e aleatórias, das balas perdidas e das dores crônicas que, como raios, fulminam a existência de alguém, não existem dinheiro ou poder no mundo que resistam a um simples cálculo renal, um apêndice supurado ou a um dente com o nervo exposto.
É duro admitir, mas não há justiça na natureza, nem no cosmos, nem nos deuses. É melhor aceitar que o conceito de justiça é uma invenção humana, com suas imprecisões e precariedades, para possibilitar uma vida civilizada em comunidade.
Dizem que os raios não caem duas vezes no mesmo lugar, mas há controvérsias: pelo menos metaforicamente, a história vem desmentindo esta crença. Senão Sarney não teria sido tantas vezes presidente do Senado. Brizola não teria governado o Rio de Janeiro duas vezes. Rosinha não teria sucedido a Garotinho.
Poucos ainda usam a velha expressão de origem portuguesa "vá para o raio que o parta". Mas, se for usar, diante das estatísticas brasileiras, cuidado com os seus desejos, porque eles podem se realizar.
Cesar Maia EM ABRIL DE 2008 O BOPE ENTROU NA VILA CRUZEIRO E ATÉ HASTEOU BANDEIRA!
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quarta-feira, novembro 24, 2010
Brazil in the Shadow of Lula
Do blog do NY Review of BooksX
| show details Nov 22 (2 days ago) |
Brazil in the Shadow of Lula
Lilia M. Schwarcz
Ricardo Stuckert/PR
Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva, left, kisses newly elected leader Dilma Rousseff at the Alvorada palace, Brasília, November 1, 2010
On October 31, a former bureaucrat named Dilma Rousseff became the first female president of Brazil after easily winning a runoff election with 56 percent of the vote. Yet this outcome—in which she defeated Jose Serra, the candidate of the Social Democratic Party—had very little to do with Rousseff’s appeal among the Brazilian public or any distinct political platform of her own. Instead, it reflected the overwhelming popularity of outgoing president Luís Inácio Lula da Silva, Rousseff’s “godfather” and mentor in the Worker’s Party (PT); no one disputes the fact that this was above all his victory. Thanks to his seductive rhetoric, his command of populist language and his personal charisma, Lula—who continues to have an 83 percent approval rating—is sometimes compared to saints and miracle-workers, who are becoming increasingly rare in Brazil. His ubiquitous presence was the one constant throughout Dilma’s campaign: smiling on TV, embracing her in billboard campaign ads, talking with her and sometimes for her in public events. What will this mean for the woman who must now attempt to govern in his shadow? What is the meaning of having a woman president in a country known for its patriarchal structure and system of power?
The Brazil that Dilma has inherited from Lula is, in some ways, remarkably successful. During the eight years of Lula’s presidency (and even before, during his predecessor Fernando Henrique’s administration), the country pursued moderate economic policies, while benefiting from large inflows of foreign investment and a boom in commodities. At the same time, policies aimed at relieving poverty, reducing inequality, and promoting social inclusion have been widely popular among the electorate. Yet, in other respects, it faces looming challenges, including rising inflation, lagging education reform, pervasive corruption, and a lack of infrastructure.
All of which raises the urgent question of just how the little-known Dilma will establish herself in power, and what direction she might take. Lula, through his long involvement in the political life of Brazil and his appeal among workers, was able to achieve an unusual following not just among poor people but also within a number of the country’s social movements such as Sem Terra (Landless Workers Movement), a strong social and political group that used to invade farms in the Brazilian countryside. His character, his story, and his charisma have been his greatest assets. But this very personal power was always a problem as well as an advantage. And the question in everyone’s mind during this transitional moment is: Can Dilma just inherit such power—can she became the “mother of the poor,” as Lula used to be called together with another very popular president and leader, Getúlio Vargas (1951–54)? This is, in fact, a very old story. As historian Sérgio Buarque de Holanda wrote in his classic book Raizes do Brasil (The Roots of Brazil), in a country that lacks strong institutions, people put their trust in their leaders. That is why Lula could stay very strong, even after some of his close political associates lost their positions in an embarrassing corruption scandal.
No one really knows who Dilma is and what her own political views are. An economist who grew up in the southeast of Brazil, Dilma Rousseff has spent much of her career in government, but only in various unelected positions culminating in her becoming Lula’s chief of staff in 2005. The popular vote in her favor plainly rewarded the Worker’s Party’s policies under Lula; it was no accident that Dilma’s advantage was greater among voters with only basic education levels, people who earn only twice the minimum wage, and who come from the poorer regions of Northeast Brazil, where a good part of the “Bolsa Família” (Family Allowance) welfare program, introduced by the Lula government in 2003, is distributed. It gives poor families a stipend on the condition they keep their kids in school and have them vaccinated, and has had enormous impact on poorer areas.
In contrast, her opponent, José Serra, was dominant in big cities and was backed by the affluent, the urban population, and most of the educated classes. But the situation is not entirely black and white. Lula and Dilma, for example, were able to get the backing of people in the financial sector who seek a continuation of Lula’s moderate economic policies. On the other hand, these same bankers are very much against what they regard as “populist” measures such as the Bolsa Família.
In a country widely known for its dramatic social inequities, however, fighting poverty and creating education programs for poor children remain very worthy—and popular —goals. Its no coincidence that since the election, Dilma has emphasized that her main priorities include extending Lula’s welfare programs and securing a minimum wage hike. In fact, Dilma’s views and policies seem nearly indistinguishable from Lula’s, and the effort to give her a political identity of her own—transforming her into a woman who is supposed to have strong family values and solid leadership experience—has not been entirely successful.
For example, Dilma tried to change her image among women voters, who had not swung behind her. In the midst of the campaign she stopped for a photography session with her grandson on the day he was born. But inviting additional attention to her personal life and biography also backfired: she would come to regret her claim to have a (non-existent) masters degree or a doctorate from the University of Campinas and her involvement in militant socialist groups and subversive activities during the years of the military dictatorship. As a result of those activities she spent three years in jail (1970–72), an experience her handlers tried to keep in the shadows by denying access to the documents, kept in public archives, relating to those years.
Dilma, who is quite secular, also made awkward attempts to court the Catholic and Evangelical votes—in a country that after the United States has the world’s largest population of Christians. Although her campaign had begun with a declaration in support of legalizing abortion (a way of presenting herself as a modern person engaged in important social issues), by the end it had become a carnival of deplorable demonstrations of religious fervor. At one point, she was even photographed during Mass making a clumsy and belated sign of the cross. (Worse still, three days before the election, Pope Benedict XVI informed the Brazilian clergy that they had “a duty to give a moral judgment, even in politics, when the fundamental rights of the person or the salvation of souls is at stake.” Ratzinger was referring to the abortion question and was implicitly endorsing the rival candidate, Serra, who declared—for political reasons—he was against the legalization of abortion despite being quite secular himself.) As a result, we Brazilians lost an opportunity to debate democracy rather than religion.
In addition to his constant involvement in her campaign, Lula also stepped in forcefully to protect Dilma when several of her advisors were implicated in corruption scandals. The most important involved Erenice Guerra, a close friend of Dilma’s, who succeeded her as Lula’s Chief of Staff when Dilma began her campaign earlier this year: Guerra was forced to resign after a magazine alleged her involvement in a kickback scheme for public works contracts that was run by her son. Lula was there, like a warrior, dealing with the opposition and acting the same way: this is not “our problem” it is “their” problem. Some commentators argue that Dilma’s ability to stay unscathed was even more important than the religious debate, accounting for her comfortable margin of victory in the second round election.
Lula aside, in the end, neither of the two finalists managed to excite the electorate. Indeed, for a country where voting is compulsory, the number of invalid or blank votes, as well as the high number of abstentions (a voter is permitted an abstention if he or she was travelling or out of the country) totalled 28 percent of the electorate. This, in many ways, seems to have been a protest against the kind of campaign Brazilians experienced in 2010. The larger question, though, is whether Dilma will have any more success in defining herself independent of Lula once she is in office.
Opinions are divided over this. Many analysts believe Dilma will continue to act in Lula’s shadow and will be under his tutelage. If this is the case, the ex-president will remain in the headlines and can return for the 2012 elections—because in Brazil, one can run for a third term, if non-consecutive—which would allow him to preside over the 2016 Olympic Games on Brazilian soil. Others, though, expect that the contradictions of this power-sharing arrangement will soon emerge. After a necessary quarantine period that could help establish her own control of the situation, Dilma may well wield power more fully. If she succeeds in doing so, there are concerns about her capacity to deal with international markets, keep down inflation, and retain moderate economic policies. It is also possible that, without Lula, social movements, such as the Landless Workers Movement, might become stronger and turn against the government. Even the opposition could become more organized and forceful if Dilma fails to show the same caliber of leadership that Lula had.
This is a remote possibility however, at least for the immediate future. Dilma is known as a technocrat, very efficient in her areas of expertise such as energy policy and public finance. But until now, she has yet to demonstrate she can achieve the popularity and the control Lula exercises both within and outside the Worker’s Party: she doesn’t even have her own base of supporters, having never run for office until now. It is more logical for her to find herself sharing power and continuing to submit to the demands of the former president, who has showed no qualms about making requests, issuing directives, or speaking in her name (and place).
According to a Brazilian proverb, “the future belongs only to God”; but in this case it might be better to use the maxim followed by Counsellor Ayres, a character in the novels of the great writer Machado de Assis (1839–1908). He always said that, “things are only foreseeable once they have happened.”
November 19, 2010 2:25 p.m.
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