FOLHA
Já podemos olhar para 2005 como parte de nossa história. Ano Novo sempre empurra o Ano Velho para o baú dos acontecimentos passados. Todos passam agora a concentrar-se em 2006. Principalmente por causa das eleições presidenciais. Há um consenso de que a reeleição do presidente Lula dependerá, em grande parte, de uma performance brilhante do PIB (Produto Interno Bruto).
O governo está prevendo crescimento semelhante ao de 2004, na faixa de 5%. O presidente e seu ministro da Fazenda já expressaram, de público, essa certeza. O Banco Central faz uma aposta mais conservadora: 4%. Já os principais agentes do mercado cravam 3,5%. Esse um ponto e meio de diferença representa a margem entre o céu e o purgatório para o governo.
Se o país crescer conforme sua expectativa, o presidente pode respirar um pouco mais aliviado e sonhar com alguma mudança, para melhor, na tendência atual da avaliação de seu governo. Se o mercado estiver certo, então a economia vai influir muito pouco na decisão da maioria dos brasileiros na hora de votar.
Mas vamos deixar as previsões para o futuro e nos dedicarmos a observar o que aconteceu na economia neste ano que termina. Para uma avaliação mais isenta de paixões, que sempre afloram com o calor dos acontecimentos, convido o leitor a fazer uma viagem imaginária para o ano de 2008. E vamos nos encontrar com um analista econômico de uma instituição financeira estrangeira. Com isso, penso reduzir ainda mais a influência do emocional sobre uma análise do ano de 2005.
Pergunto a esse personagem imaginário qual sua visão sobre os números da economia naquele já longínquo terceiro ano do mandato de Lula. Sua resposta será muito clara. Tenho a convicção de que chamará nossa atenção para a profundidade do ajuste macro que ocorreu neste período. Sua primeira observação estará voltada, certamente, para nossa solvência externa. Saldo superior a US$ 15 bilhões em nossa conta corrente e redução de quase US$ 50 bilhões no saldo de nossa dívida externa líquida. Ele complementará, quase eufórico: foi isso que abriu o caminho para que o Brasil entrasse definitivamente em uma outra fase de sua história econômica e chegasse agora ao estágio de "investment grade".
Nesse momento, nosso personagem arriscará uma pergunta: mas o presidente, em 2005, não era aquele ex-líder operário, que tinha idéias socialistas e foi eleito com o apoio de um partido político de esquerda radical? E continuará a puxar por sua memória... Também não tinha como ídolo o militar que ainda governa a Venezuela com um discurso de enfrentamento aos Estados Unidos? Responderei que sim, adicionando ainda algumas informações sobre as origens do PT e de Lula.
Ele não se conterá e arriscará mais uma pergunta: mas por que Lula então privilegiou a posição dos credores externos em detrimento da população? E rapidamente complementará essa sua observação: porque um país ter saldo em conta corrente nada mais é do que exportar poupança para o exterior e pagar parte de sua dívida externa. "Pelo menos no médio prazo", responderei, "a melhora das condições de solvência acabou abrindo espaço para um crescimento de mais longo prazo. Aliás, o presidente eleito em 2006 está se aproveitando, e de forma eficiente, do legado ortodoxo do ex-presidente Lula."
Nosso personagem certamente irá comentar que Lula trilhou um caminho diferente dos políticos de sua geração. Decidiu trocar os benefícios de curto prazo de uma política menos ortodoxa por um ajuste mais profundo e que garantisse o futuro. Manteve a liberdade de ação de uma autoridade monetária que está à direita do Banco Central Europeu, segundo avaliações do mercado à época. Os juros reais se mantiveram acima dos 11% anuais durante todo o ano eleitoral. Como resultado, a economia cresceu pouco, os salários não aumentaram e por isso ele perdeu as eleições de 2006 para seus adversários políticos. E seu sucessor herdou uma inflação próxima de 4% ao ano.
Entrevista:O Estado inteligente
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