Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 23, 2005

A empulhação Fábio Santos

Primeira Leitura (22/12/05)

Em mais um dia no palanque, o presidente Lula soltou o verbo eleitoreiro. Prometeu muitos empregos, sorrisos com todos os dentes aos pobres, disse entregar "o que o povo quer" e contestou a teoria econômica com a prática, que, para ele, demonstra que o país cresce a despeito da queda do PIB. Sobre o relatório da CPI dos Correios, nem uma só palavra.

Não surpreende que o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom Geraldo Majella Agnelo, tenha-o aconselhado a "ver melhor", para que possa enxergar aquilo que está diante de seu nariz. Porque lhe convém, Lula vai insistir na ausência de provas da existência do mensalão. Não está sozinho. Nesta sexta, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), fez-lhe companhia. Questionado sobre o tema, respondeu não acreditar na "tese" — ressalte-se a palavra tese, uma proposição que pode ou não ser verdadeira e precisa ser demonstrada. E no que ele acredita? "Que houve transferência de recursos para partidos a fim de saldar compromissos de campanha."

Estão ambos em seus papéis. Falam o que falam para salvar a própria pele e a de seus aliados. Mas até mesmo nos jornais ainda se encontram manifestações se não de total incredulidade, no mínimo, de dúvida. Mesmo no noticiário desta quinta é possível ler coisas como "o suposto mensalão". Ou que o relatório "provaria a existência do mensalão", assim, com o verbo no futuro do pretérito. Ou ainda a atribuição de tudo a uma leitura do relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR), o que fica claro no uso de expressões como "para Serraglio" ou "segundo o relator". Há na imprensa uma certa complacência lógica com a bandalheira. E os que a praticaram agradecem enternecidos.

Inicialmente, para que ficasse demonstrada a existência daquilo que Roberto Jefferson chamou de mensalão, exigia-se que se comprovasse que, a cada mês, eram feitos pagamentos a parlamentares da base aliada. Essa estupidez durou algum tempo, mas não resistiu ao óbvio. Ora, o ex-deputado do PTB apenas criou um apelido, algo que fosse facilmente reconhecível e desse a idéia de algo grande. E falou de R$ 30 mil provavelmente porque, participante do esquema como era, deveria saber de algum acordo que envolvesse esse valor. Viu-se depois que a questão da periodicidade era totalmente lateral. E sabe-se agora que, em alguns casos, tratava-se de um "semanalão".

Diante da enxurrada de evidências de que houve pagamentos vários, com irregularidades diversas, deixou-se aquela questão de lado. O que se exige agora é que fique inteiramente demonstrada a relação entre os saques feitos por parlamentares e as votações no Congresso. O próprio relator comete um erro ao dar importância demasiada a essa questão e produzir gráficos que tentam evidenciar a proximidade dos pagamentos com datas em que projetos importantes para o governo, como a reforma da Previdência, foram aprovados.

Serraglio conseguiu comprovar uma grande concentração de repasses para o PTB e para o PP num momento em que ambos os partidos engordavam as suas bancadas. Mas, como era de se esperar, não há coincidência total entre os saques e as votações, até porque, dada a profusão de dinheiro que transitou pelo valerioduto, houve mais dias de pagamento do que dias em que matérias fundamentais estavam sob análise dos parlamentares em plenário. Assim, sobrou espaço para a arenga daqueles que ainda exigem algo como um recibo dado pelos deputados e no qual esteja escrito "pagamento por votação tal".

Isso é pura empulhação. O PT não comprou este ou aquele voto com o mensalão. Comprou partidos inteiros para a sua base de apoio no Congresso. A existência mais do que provada do valerioduto e da origem irregular — pública e privada — dos recursos que o alimentaram é suficiente para que se estabeleça que houve, sim, um esquema destinado a desvirtuar o funcionamento do Congresso.

Vários parlamentares, partidos inteiros deram seu apoio ao governo Lula não apenas porque participavam da administração, indicando pessoas para cargos-chave — o que, diga-se, é legíitimo na democracia — ou determinando o conteúdo de políticas públicas e auferindo lucros político-eleitorais com isso — o que também é do jogo. O apoio foi pago. Se o dinheiro foi usado para saldar dívidas de campanha, como diz Aldo Rebelo, pouco importa. Na verdade, só piora a situação dos que receberam, pois, além de vender sua consciência e sua posição política, eles cometeram o crime eleitoral de arrecadar recursos irregulares fora do período legal.

A imprensa, os parlamentares e todos que desejam a punição dos que cometeram crimes precisam ficar atentos para não cair nessa esparrela de exigir uma correlação absoluta entre pagamentos e votações. Do contrário vai-se estar criando uma jurisprudência da bandalheira. Como era dinheiro de campanha, é um crime menor. A absolvição de Romeu Queiroz (PTB-MG) já apontou nessa direção. Tem muito petista esfregando as mãos na certeza de que essa enrolação vai pegar.

Artigo originalmente publicado em 22/12/05.

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