o globo
Depois das manifestações contra o governo, ficou ainda mais complicado cumprir a meta fiscal prometida e garantir o aval das classificadoras de risco
Há, é claro, diferenças entre umas e outras — e estas não se restringem aos sóbrios terninhos e a pasta preta da chilena Ana Maria Jul, ou aos vestidos estampados de motivos florais berrantes da italiana Teresa Ter-Minassian, que chefiaram célebres missões do FMI, destinadas a arrancar das autoridades brasileiras severos e nunca cumpridos ajustes fiscais, em contraste com a invisibilidade das equipes das classificadoras de risco. A maior dessas diferenças reside no fato de que o Brasil, antes devedor contumaz, ostenta hoje posição de credor internacional.
No fundo, porém, as questões colocadas nas mesas de negociação são praticamente as mesmas. Se antes o que se discutia era um programa de ajuste que permitisse ao FMI sancionar empréstimos ao Brasil, hoje o que está em debate é se as metas do ajuste proposto pelo governo brasileiro serão efetivamente cumpridas, a ponto de permitir que as classificadoras de risco avalizem a segurança dos investimentos destinados à economia brasileira.
É fácil entender por que o aval das classificadoras de risco ganhou lugar de destaque na estratégia oficial de recuperação da confiança na eficácia da política econômica. Num mundo em que mercados operam com base em expectativas, antecipando fatos suscetíveis de confirmação posterior, a batalha do reequilíbrio da economia brasileira passa pela manutenção da classificação de “grau de investimento” para a nota dos títulos da dívida pública. Sem esse aval, muitos pressupõem dificuldades ainda maiores do que as já previstas para captar recursos no mercado internacional e fechar as contas externas.
Parte dos excessos altistas nas cotações do dólar, é verdade, corresponde à precificação de um fato — a perda do “grau de investimento” — que, sem dúvida, pode ocorrer, mas ainda não passa de hipótese, assim como não passa de hipótese a sucessão de consequências negativas previstas, caso a perda do “grau de investimento” se confirme. Os exageros atualmente observados nas taxas de câmbio nada mais são do que reflexo desse tipo de suposição.
Para evitar a perda do “grau de investimento”, o governo tem de convencer as classificadoras de que o ajuste fiscal prometido será cumprido e, com isso, a relação dívida pública/PIB permaneceria pelo menos estabilizada. Essa já não era uma tarefa das mais fáceis antes mesmo das manifestações de domingo contra o governo da presidente Dilma Rousseff. Projeções atualizadas indicam a obtenção, em 2015, de superávit fiscal primário de 0,7% do PIB a 0,9% do PIB ante uma meta de 1,2% do PIB (que, na verdade, corresponde a 1,8% do PIB, em vista do déficit de 0,6% do PIB, em 2014).
Depois da enorme onda de protesto que se espalhou pelo país, com epicentro em São Paulo, a coisa ficou ainda mais complicada. O tipo de ajuste fiscal possível, que combina corte de benefícios sociais e aumento de carga tributária, exige não só uma afinação que Executivo e Legislativo estão muito longe de oferecer, mas também um governo com índices de popularidade que a presidente Dilma, com seus historicamente baixos 13% de aprovação, não pode, no momento, nem sonhar em dispor.
José Paulo Kupfer é jornalista