Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 30, 2010

DORA KRAMER Em nome da História

O Estado de S.Paulo - 30/04/2010

No debate dos ministros do Supremo Tribunal Federal que manteve a Lei de Anistia destacou-se um aspecto para o qual não se costuma conferir relevância: as dificuldades do exercício da democracia.


Cheio de nuances, o sistema de liberdade não se presta facilmente a maniqueísmos. Nem sempre a tese de aparência mais justa é a mais correta com a História.

O ministro relator Eros Grau foi ao ponto essencial no primeiro voto do julgamento: os termos da lei foram intensa e detalhadamente negociados para dar início ao processo de transição democrática e por isso não podem ser julgados por parâmetros atuais e sim examinados com a lógica da época.

A vontade - e mesmo a necessidade - de punir torturadores, argumento central dos adeptos da revisão, é legítima, defensável e compreensível.

Mas não pode sobrepor-se ao amplo acordo negociado por lideranças políticas, sociais, religiosas, aprovado pelo Congresso que permitiu a volta ao Brasil dos exilados e deu início à redemocratização do País que agora em 2010 completa 25 anos.

E não foi um acordo de cúpulas. O movimento pró-anistia começou nas ruas, com gente correndo risco para atender à convocação para lutar por "anistia ampla, geral e irrestrita".

Pedia-se o mais para se conseguir o possível. Assim foi feito, negociado, acertado, aprovado.

Não se trata, como a confusão de argumentos em alguns momentos dá a entender, de esconder a História do Brasil, de negar alento a famílias de mortos ou aos torturados nas mãos dos bárbaros a serviço do arbítrio.

A abertura dos arquivos da ditadura é outra questão diferente da proposta ao exame do STF.

Mudar uma lei elaborada de acordo com os parâmetros e as razões de uma determinada época face uma circunstância específica, como argumentou o ministro Eros Grau, não se justifica 31 anos depois quando a ótica e a lógica são outras.

A menos que se reabrisse a discussão não da interpretação da lei existente, mas talvez da elaboração de uma nova Lei de Anistia caso os representantes políticos, sociais, religiosos assim entendessem necessário.

Do contrário, a releitura unilateral considerando excluídos na anistia os crimes cometidos apenas por agentes do Estado, recende a vingança e foge à ideia do desarmamento de espíritos da época só porque a correlação de forças agora favorece a parte que na ocasião precisou ceder para sobreviver.

É o caminho mais curto, na democracia o mais fácil. Mas não é o mais correto do ponto de vista da regra estabelecida e pelos signatários, bem entendida.

Duas frentes. Vestido no figurino de estadista, o pré-candidato do PSDB, José Serra, correu para o Twitter para parabenizar o presidente Luiz Inácio da Silva pelo prêmio da revista Time, como um dos líderes mais influentes do mundo.

Enquanto isso, deputados de oposição saiam de pau e pedras criticando a premiação. Moral da história: Serra procura não dar oportunidade para o contra-ataque deixando a tarefa do combate mais pesado para a soldadesca com quem Lula e Dilma não podem debater.

A estratégia inicial da oposição pegou o PT de surpresa, mas evidentemente que essa moleza uma hora há de acabar.

Fábulas. Tem tucano dizendo que é até melhor que Aécio Neves não seja mesmo o vice de José Serra.

Donde ficam muitas dúvidas. Primeiro: se isso agora é soberba, despeito ou despiste.

Segundo: se aquela sangria desatada em prenúncio de fim do mundo caso a chapa presidencial não reunisse os presumidos "donos" dos dois maiores colégios eleitorais do País era cena, insegurança ou precipitação.

Amigo urso. Dilma Rousseff não perde nem ganha votos com a manifestação de apoio de Hugo Chávez. Mas na atual fase o afago de ditadores não favorece o conjunto da obra.

Os 'hermanos' se afagam EDITORIAL O Estado de S.Paulo

 30/04/10

Desde 2007, os presidentes do Brasil e da Venezuela têm se reunido a cada três meses. Desta vez, na quarta-feira, em Brasília, reuniram-se para assinar 21 tratados e acordos bilaterais nas mais variadas áreas e para discutir a agenda da próxima reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na semana que vem, em Buenos Aires. Dito assim, pode parecer que Lula da Silva e Hugo Chávez não tinham mãos a medir para dar conta de tão substanciosa agenda, decisiva, quem sabe, para a projeção do País no Hemisfério e para que a Venezuela "não fique dependente apenas do petróleo que produz, mas que também possa desenvolver-se em outros campos da economia", como declarou generosamente o brasileiro.

Deve contribuir para isso, é o caso de deduzir, a instalação de uma fábrica de latas para alimentos no vizinho país, objeto de um dos documentos a merecer o autógrafo dos dois assoberbados chefes de Estado hermanos. A bem da verdade, nem todos os acordos firmados por eles têm essa escassa envergadura. Mas a obra, no conjunto, foi claramente concebida para deixar a impressão de que as relações entre Brasília e Caracas, além de robustas, são exemplares em matéria de integração regional ? descontados o fato de a Venezuela atrasar pagamentos às empresas brasileiras de porte médio incentivadas a fazer negócios ali e o sufoco que é depender da burocracia bolivariana. Chávez, por sinal, já trocou duas vezes o ministro que cuida das negociações com o Brasil.

Se Lula e seu exuberante hóspede trataram em privado desses desconfortos não se sabe. Em público, aos afagos, referiram-se ao seu esporte preferido, a ponto de, em dado momento, Chávez troçar com a logorreia do anfitrião. "Tu hablas mucho", fingiu criticar, numa versão fraternal do célebre pito que lhe passou certa vez o rei da Espanha, Juan Carlos: "Por que no te callas?" Vai ver, o mais falastrão dos governantes mundiais, também nisso herdeiro do aposentado ditador cubano Fidel Castro, está passando por uma metamorfose desde que resolveu aderir a mais essa engenhoca do Império, como diria, que é o microblog Twitter, onde cada mensagem não pode ultrapassar 140 sinais.

Não escapa a ninguém que as manifestações da dupla são um convite à ironia, quando não ao desalento. Surpreendido pelos jornalistas brasileiros com a pergunta que os seus colegas venezuelanos pensariam duas vezes antes de não fazer ? quando deixará o governo? ?, um Chávez visivelmente agastado com tamanho delito de lesa-majestade traiu-se ao lembrar que o monarca espanhol tem um cargo "vitalício". Disse também que o seu primeiro-ministro pode se reeleger indefinidamente (o que é apenas normal nos sistemas parlamentaristas), alheio, como é óbvio, às ofuscantes diferenças entre a democracia espanhola, para ficar no seu exemplo, e a ditadura em avançado estágio de construção na Venezuela ao longo dos 11 anos de chavismo.

Ao fim e ao cabo, o caudilho desistiu do lero-lero e afirmou que não sabe quando se irá e que não tem sucessor à vista. Pouco antes, ao falar da expansão da democracia na América Latina ? personificada, para ele, pelo líder boliviano Evo Morales, por ser indígena ?, Lula evocou o apoio que dera a Chávez, por ocasião do fracassado golpe de Estado contra ele, em 2002. No seu costumeiro estilo leve, livre e solto, inventou que, então, só não foi crucificado "porque faltava madeira para fazer cruz". Naturalmente, a denúncia do golpismo passou ao largo da quartelada comandada em 1992 pelo então coronel Hugo Chávez contra o presidente Carlos Andrés Pérez.

Em outra passagem, o brasileiro repetiu o que dissera na segunda-feira aos dirigentes dos 14 países-membros da Comunidade do Caribe (Caricom), reunidos em Brasília: continuará na política depois de 2010. Desta vez, acrescentou que vai correr mundo para "emancipar a África", seja lá o que isso queira dizer. O seu senso de onipotência deve ter chegado ao paroxismo ontem, quando soube que a revista americana Time o colocou na sua lista dos 100 líderes mais influentes do globo, selecionados entre políticos, empresários, artistas e pensadores.

MERVAL PEREIRA A busca do diálogo

O GLOBO - 30/04/10

A conferência da Academia da Latinidade em Córdoba foi preparatória da reunião da Aliança das Civilizações que se realizará em maio no Rio de Janeiro. Há três princípios fundamentais, segundo o secretário-geral Candido Mendes, que é também o representante brasileiro no organismo da ONU: é preciso desconstruir a ideia do diálogo, para que ele não seja apenas o resultado de um voluntarismo ingênuo; entender a necessidade de coexistência com a irracionalidade de um mundo que vai continuar dominado pela guerra das religiões a partir dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos; e, por último, evitar os fundamentalismos dos dois lados, que o governo Bush encarnou.

Houve um consenso entre os palestrantes: é preciso compreender que estamos num momento em que a estrita razão ocidental não representa mais o império da civilização.

O trabalho de Lucien Sfez, professor emérito da Universidade Paris I Pantheon Sorbonne, mostra a necessidade de se chegar à multirracionalidade, de maneira a compreender que muitas vezes a razão como nós a entendemos é uma razão ocidental.

Esse mundo novo do diálogo das culturas vai enfrentar uma discussão muito grave, que é a de que nós não estamos lidando apenas com o diferente, mas com "o outro".

Foi o que procurou demonstrar o sinólogo François Julien, para quem a China não é apenas diferente, mas tem uma outra visão do mundo que repercute até mesmo na questão dos direitos humanos, que não é vigente lá.

Outro ponto importante debatido durante o seminário foi a questão do colonialismo, que, apesar de estar sendo vencido em todo o mundo, manteve sobrevivências de determinadas atitudes e posições, como defendeu o professor Walter Mignolo, diretor do Centro de Literatura para os estudos globais e de Humanidades da Duke University nos Estados Unidos.

A visão predominante de progresso ainda seria neocolonial desse ponto de vista, e é preciso chegar à noção de que não existem progressos simultâneos e que, sim, eles podem ser paralelos.

Não é possível que uma cultura enfrente o padrão de progresso da outra como num confronto. Uma questão ficou no ar: estamos realmente aceitando a premissa da alteridade em vez da premissa da diferença? A Aliança das Civilizações, cujo alto representante é o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, é um projeto das Nações Unidas que tem três países como líderes: Turquia, Espanha e Brasil, e o objetivo de encontrar saídas para que esse encontro internacional se dê.

Há problemas a serem enfrentados, como o fato de que a Turquia ainda não entrou realmente na Comunidade Europeia. E a necessidade de que exista um protagonismo que não esteja ainda com essa ideia fechada de hegemonia ocidental, para aceitar que, em casos como o do Irã, se permita que ele se explique à comunidade internacional, como estão negociando Brasil e Turquia.

Ao mesmo tempo, será preciso que o governo do Irã assuma compromissos com a comunidade internacional, tanto em relação ao seu programa nuclear, submetendoo à inspeção dos organismos da ONU, quanto ao respeito aos direitos humanos.

O sociólogo francês Alain Touraine acha que a integração da Turquia à Comunidade Europeia servirá de reforço ao papel daquele país na negociação como Irã como ponte entre o Ocidente e o Oriente.

O mundo atual, sem centros e periferias, tem novos protagonistas como os membros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).

François Julien destacou a chamada "cultura da paz" cultivada historicamente pela China, que seria um obstáculo à tese das "guerras preventivas" que foi assumida pelos Estados Unidos durante o governo Bush.

Essa tradição da China, que não tem história de expansão colonialista, hoje impede que se tenha um maior consenso sobre as sanções ao Irã por seu programa nuclear fora de controle das agências internacionais.

O governo Obama está começando a sair desse clima de "guerras preventiva" e se aproximando de um acordo sobre as sanç õ e s c o m a Ch i n a , q u e sempre foi um país centrado sobre si mesmo em sua imensidão.

Como desdobramentos possíveis, é preciso saber como é que, de fato, os direitos humanos podem ainda ser universalizados.

A tentativa da Aliança das Civilizações é chegar-se a uma plataforma básica de direitos humanos, e a ideia central seria definir o que são os crimes contra a humanidade para depois expandir esses conceitos.

Outra questão fundamental é a necessidade de preser var a democracia diante da identidade nacional, que, em muitos países, especialmente a China, tem prevalência.

Há também a necessidade de estabelecer mecanismos de auxílio internacional, sobretudo para a África e outras regiões mais pobres do planeta.

A China, muito por interesse próprio nas matériasprimas de que necessita, está atuando firmemente no auxílio aos países africanos.

O Brasil pode ter papel relevante nesse contexto de ajuda humanitária, com a ampliação de seu papel no mundo, seja tanto com os financiamentos do BNDES na América Latina quanto com as ações das forças de paz a serviço da ONU.

O MST sem aliados Alon Feuerwerker

CORREIO BRAZILIENSE - 30/04/10


Não há ator relevante da política disposto a defender o MST. O movimento hoje luta pela reforma agrária onde ela não é mais possível — pelo menos no capitalismo — e renuncia a buscá-la onde é necessária. Daí o isolamento



O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desempenha um papel importante no Brasil. Se não por outro motivo, ao fazer recordar todo dia que o direito à propriedade é universal. Direito de propriedade só para alguns é contradição em termos.
Eis um aspecto bonito da reforma agrária. Ela talvez materialize melhor que outras bandeiras o desejo de o direito de propriedade ser praticado da maneira mais ampla e absoluta.
Como então os portadores dessa aspiração amplíssima chegaram ao isolamento político, facilmente verificável? Ontem Dilma Rousseff não citou o MST, mas mandou o recado de que não admite ilegalidades.
A ocupação de fazendas é ilegal, quando a Justiça assim decide. A mensagem não poderia ter sido mais clara.
Antes, José Serra tinha ido na mesma linha, só que mais explicitamente. Pois não está obrigado a tratar o tema com luvas macias.
O isolamento político do MST obedece também a razões estruturais.
O Brasil é um país secularmente reacionário quando o assunto é a terra. Aqui, a Independência não aboliu a escravidão e a República não trouxe a reforma agrária. Esta só avançou — pasmem! — a partir do regime militar, quando o presidente Castelo Branco deu ao país o Estatuto da Terra.
A redução do direito de propriedade a prerrogativa de alguns é construção ideológica arraigada entre nós. Mas o isolamento político do MST não bebe só dessa fonte. Suas raízes conjunturais estão na total assimetria entre a estratégia do movimento e o projeto de construção nacional.
Qual o sentido de o MST acampar à beira de estradas do Sul-Sudeste, ao lado de propriedades que já fizeram a transição para a agricultura plenamente capitalista, em vez de pressionar o governo para que a expansão da fronteira agrícola aconteça com base na democratização territorial?
Infelizmente, o MST deixou-se enredar já faz algum tempo numa aliança com as forças que procuram nos impor o congelamento da fronteira agrícola, o abandono da engenharia genética e a renúncia à população das fronteiras. Dessa aliança não sai — nem vai sair — nada útil para o país.
É como cruzar espécies distintas. Dá até prolezinha, mas estéril. Uma esterilidade política bem desenhada em teses como "a luta contra o agronegócio".
Em resumo, o MST hoje busca a reforma agrária onde ela não é mais possível — pelo menos no capitalismo — e renuncia a buscá-la onde é necessária. Daí o isolamento.
Fraqueza que chega ao ponto de não conseguir arrancar do governo Luiz Inácio Lula da Silva nem a atualização dos índices mínimos de produtividade da terra para ela atender ao interesse social.

Cicatriz colonial
Houve alguma confusão ontem sobre a escolha de Lula como um dos indivíduos mais influentes, na relação organizada pela revista americana Time.
No fritar dos ovos, importa menos se o presidente é o primeiro da lista, ou o 17º. Ou o nono. É melhor estar nessas listas do que não estar. Mesmo que se discutam seus critérios.
Um detalhe porém chama a atenção em ocasiões assim. A necessidade quase patológica que temos do "reconhecimento internacional". Precisamos sempre de um atestado, europeu ou americano, de estarmos fazendo as "coisas certas".
É o velho complexo de inferioridade. Lula faz um bom governo, e isso se expressa nos resultados objetivos e na popularidade dele. Esse juízo não depende de o presidente comparecer ou não às capas das revistas americanas e europeias.
Mas o Planalto sabe que país governa. Um país complexado. Daí que tenha nos anos recentes colocado para rodar uma bem azeitada máquina de lobby junto às principais publicações do "Primeiro Mundo".
Nesta terra de colonizados, falarem bem de você "lá fora" costuma valer ouro. E falarem mal é visto como tragédia.
Tirar uma nação da situação colonial é difícil, mas nada que se compare ao grau de dificuldade de tirar a cicatriz colonial da alma dela

MÍRIAM LEITÃO As duas faces

O GLOBO - 30/04/10

O Banco Central tem sido autônomo, mas ele trabalha sozinho. Na política econômica, parece haver dois governos: o Ministério da Fazenda aumenta gasto, estimula a economia, incentiva o crescimento do crédito; e o Banco Central tenta compensar. Essa dupla face aparece em outras áreas. O Planalto propôs a revisão da Lei de Anistia. A AGU advogou o oposto no Supremo.

Normal mudar de ideia. O esquisito no governo Lula é que ele tem duas ideias opostas sobre o mesmo assunto, ao mesmo tempo. No caso da Lei da Anistia, o tema estava para ser discutido no Supremo.

A dualidade é mais nociva na economia.

Este é um ano complexo.

A economia está acelerando, a inflação aumentou, o mundo ainda está vivendo a mesma crise, no seu segundo capítulo. Haverá mais turbulência na Europa nas próximas semanas e a crise fiscal continuará com eles por muito tempo. Isso manterá o mundo mais instável, o crescimento mundial mais incerto. Nosso desafio não é crescer este ano apenas, em que estamos recuperando o ano perdido de 2009. O difícil, há muito tempo, tem sido manter o crescimento por longo período.

Em geral, quando se analisam as razões de o país não conseguir ter um período sustentado de crescimento, há dois diagnósticos.

Um, sustenta que faltam as ferramentas básicas.

A taxa de poupança é baixa, o investimento é insuficiente, o governo tem aumentado muito seus gastos, a carga tributária é alta. Mas há quem acredite que os juros altos e o câmbio valorizado impedem o crescimento e que ambos são decorrentes da política de metas de inflação. No governo, ninguém dirá isso abertamente porque significaria atacar a base da política anti-inflacionária. Mas se fossem sinceros, muitos diriam, no governo, no Ministério da Fazenda, que o país não cresce porque o BC é conservador e fica elevando os juros por alguma maldade intrínseca, para satisfazer o mercado, ou porque é obrigado pela camisa de força das metas de inflação. Se o debate fosse sincero e aberto seria melhor para combater velhos equívocos da visão brasileira de crescimento que foram fortalecidos na crise.

Os gastos de custeio têm crescido de forma exponencial, sistematicamente acima do PIB (Produto Interno Bruto), numa taxa que fortalece as amarras ao crescimento; o surto de estatismo eleva ainda mais o risco fiscal; os excessos de concessão de crédito através de bancos públicos, que depois exigem capitalizações do Tesouro, são uma bomba de efeito retardado armada hoje no coração da economia, o crédito público subsidiado representa um gasto invisível e crescente.

Os estímulos fiscais concedidos a alguns setores do consumo além de serem renúncia fiscal, portanto gasto, não foram integralmente retirados. Tudo isso é inflacionário.

O mesmo governo que amplia gasto, estimula a economia com renúncia fiscal e concede crédito subsidiado, eleva a taxa de juros para conter o efeito inflacionário do aquecimento.

Assim, como duas pessoas no mesmo barco remando em direção contrária.

Os juros têm que ser ainda maior porque a política monetária não tem ajuda das políticas fiscal e creditícia.

Uma parte do mercado de crédito é indiferente às taxas de juros. Os empréstimos concedidos pelo BNDES ao consórcio de Belo Monte serão corrigidos a 4% ao ano, independentemente do fato de que desde ontem o custo da dívida pública subiu de 8,75% para 9,5%. E esse contrato de financiamento, lesivo aos interesses do Tesouro e do contribuinte, se propõe a ser assim até o ano 2040. Ninguém tem este prazo para pagar, ninguém paga só isso. É um acinte e um escândalo, além de ser gasto público. A política monetária brasileira não têm efeito sobre bolsões de crédito que pagam juros beneficiados. Já os juros pagos por pessoas e empresas que contraíram empréstimos no mercado privado são exorbitantes, paralisantes, punitivos. Não são os consumidores que reclamaram da alta dos juros, mas sim os que são beneficiados pelos bolsões de dinheiro barato.

A Fiesp soltou uma nota toda agressiva minutos depois do fim da reunião do Copom. A federação composta por tantos clientes dos juros subsidiados está atrapalhada nos últimos dias com as explicações para provar que a indústria tem uma alta capacidade ociosa, apesar de a FGV dizer o contrário.

A Abdib, que subiu no palanque do PAC-2, fez também sua versão dos ataques ao Banco Central.

Ontem, o BC comemorou o fato de os juros ao consumidor terem chegado numa taxa média de 40% em março. No ano passado, era 55%. Essa é a mais baixa taxa desde 1994. Uma vitória e um aleijão, ao mesmo tempo.

Juros de 40% não fazem sentido em país algum do mundo. Experimente contar para um estrangeiro, de qualquer país, o motivo da comemoração.

A crise mundial de 2008/2009 serve como um álibi para a gastança brasileira.

Comparam-se os dados, e o Brasil não parece estar sob qualquer risco de crise fiscal. O país tem um risco fiscal latente que não aparece nos números. Por não combatê-lo, acaba tendo uma dívida muito mais cara, o que realimenta o risco fiscal. Esse é o preço de ter uma política econômica com duas faces.

Belo Monte Rogério L. Furquim Werneck

O Estado de S. Paulo - 30/04/2010

O governo conseguiu fazer da licitação da Usina de Belo Monte uma lambança de grandes proporções. O festival de equívocos deixa a nu a precariedade do novo modelo do setor elétrico e compõe farto catálogo de erros graves a evitar no futuro.

O equívoco fundamental, já analisado neste mesmo espaço há duas semanas, foi a decisão demagógica de fixar a tarifa máxima que poderia ser exigida na licitação em nível inferior à requerida para cobrir os custos do empreendimento. Para poder pavonear tarifa tão baixa, o governo se dispôs a bancar a diferença entre custos e receitas, despejando uma cornucópia de recursos do Tesouro no projeto via BNDES, Eletrobrás e renúncias fiscais. Esse abandono escancarado e populista da ideia de realismo tarifário configura retrocesso de quase 50 anos na história do setor elétrico brasileiro. O espantoso é que o governo continua fingindo que o problema não existe. Embora especialistas venham advertindo que o custo efetivo do megawatt/hora em Belo Monte será de, pelo menos, R$ 100,00, figurões do setor elétrico e o próprio presidente Lula têm se permitido comemorar a "tarifa módica" de R$ 77,97 por megawatt/hora, que prevaleceu na licitação. É difícil imaginar, a essa altura dos acontecimentos, que argumento defensável poderia justificar subsídio de tal ordem à energia elétrica, quando sobram usos mais nobres para o dinheiro público.

O segundo equívoco foi a própria licitação. Em condições tão adversas e incertas sobre a rentabilidade do empreendimento, não foi surpreendente que escasseassem os interessados. Pouco antes da licitação, temendo ter de lidar com apenas um licitante, o governo mobilizou a Eletrobrás para montar às pressas um segundo consórcio para atuar como coadjuvante. O que se viu foi uma licitação que configurava um triângulo em que o governo exercia papel dominante nos três vértices: como leiloeiro, como investidor responsável por pelo menos 49% de cada um dos dois consórcios e, ainda, como financiador, pelo BNDES, de 80% do investimento total do empreendimento. Não foi surpreendente que, afinal, a licitação tenha sido vencida pelo consórcio coadjuvante, liderado pela Chesf e mais maleável às pressões do governo em favor de uma tarifa especialmente baixa. Diante do constrangimento gerado por licitação tão peculiar, o governo tentou dar uma cambalhota matreira para aparecer bem na foto, como paladino da "quebra do monopólio das empreiteiras". Nada mais distante da realidade. De uma forma ou de outra, as grandes empreiteiras conseguiram se desvencilhar do papel de investidor em Belo Monte. Continuam atraídas pelo projeto, que se vai tornando a cada dia mais estatal. Mas o que lhes interessa é o que sempre souberam fazer: vender serviços de engenharia. De preferência, ao próprio governo, como esperam poder fazer agora em Belo Monte.

A cadeia de equívocos continua. Horas depois da licitação, a principal empresa construtora que integra o consórcio vencedor, insatisfeita com as condições que lhe foram impostas, externou a intenção de abandoná-lo. O que deflagrou pronta reação do governo, preocupado em minimizar a importância do fato. "Entrou quem quis, sai quem quer. Não tem nenhum cadeado fechando a porta", esclareceu Lula. De fato. O consórcio vencedor passou a ser percebido como uma casca quase oca a ser agora recheada pelo governo da forma que bem entender. Disposto a pagar todas as contas, o governo está como o diabo gosta. Quer organizar a festa, decidir quem entra ou não, negociando na porta com empreiteiras, autogeradores, grandes consumidores de energia e fundos de pensão docemente coagidos. A ideia de que tal lambança possa vir a ser replicada em outros grandes projetos de aproveitamento hidrelétrico parece um pesadelo. É hora de conceber formas mais transparentes, menos voluntaristas e não populistas de licitar as novas usinas que terão de ser construídas para assegurar a expansão da oferta de energia elétrica no País.

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD. É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

Anatomia de um fracasso Nelson Motta

O Globo - 30/04/2010
 

O  que acontece quando o Ibope informa que, num universo de 11,6 milhões de espectadores no Grande Rio, um programa de televisão teve uma audiência de 30 mil pessoas? Em qualquer emissora comercial, sai do ar, com uma certeza: ninguém vai notar. 

Porque, quando os medidores do Ibope registram 30 mil espectadores num horário, é em média, por minuto. Tantas pessoas sintonizadas no canal, naquele minuto - que podem ser, ou não, as mesmas do minuto anterior ou do seguinte. Muitas vezes é só o registro de um zapping casual passando pelo canal. Então, o numero dos que estão realmente assistindo é muito menor, e o dos que assistem do inicio ao fim é mínimo. Quanta gente viu este programa, na real? Dez mil? Cinco mil? Menos? 

Em São Paulo, num universo de mais de 18,1 milhões de espectadores, o mesmo programa teve só 25 mil pessoas ligadas no canal. Em média, por minuto. Ou seja: ninguém. Ou quase. 

Na melhor hipótese, foi desfrutado por uma ínfima minoria de privilegiados, de graça. Na TV comercial a conta é paga pelas emissoras, ou pelos patrocinadores. Na pública, pelos impostos de todos nós, inclusive dos pobres. Assim como os almoços, não há programas de TV grátis. 

Este é o caso emblemático de uma recente série jornalística da TV Brasil, que provocou polêmica na imprensa por sua contratação e orçamento. 

Há poucas testemunhas, mas vamos considerar que o programa fosse bom. Seria uma pena que tão pouca gente o assistisse - e custasse tão caro aos cofres públicos. É só uma constatação objetiva: a produção não justifica seu custo como informação ou entretenimento. O pior é que a diretora de jornalismo do canal disse que o programa era um dos mais vistos da emissora. Imaginem os menos. 

Não se discute se é bom, até bons programas fracassam. A culpa deve ser do povo, que está tão drogado em novelas, telejornais, reality shows, filmes, seriados, esportes, talk shows, documentários de animais, de viagens, que, com tanta variedade, se tornou incapaz de escolher livremente um programa de qualidade. Ô povo ingrato. 

Mas se ninguém vê, então, para que serve uma rede pública de TV ?

A nova cara dos britânicos Gilles Lapouge

O Estado de S. Paulo - 30/04/2010
 

A Grã-Bretanha vota no dia 6. Será o fim do reinado dos trabalhistas? Em 2 de maio de 1997, Tony Blair subiu no palco do Royal Festival Hall e clamou: "Ganhamos. Iniciamos uma nova era." Alguns anos mais tarde, o jovem brilhante e arrogante Tony Blair, desonrado pela guerra no Iraque, iniciada por seu amigo George W. Bush, deixou o cargo de primeiro-ministro e cedeu lugar para seu colega de partido Gordon Brown. Ao todo, o reinado trabalhista durou 13 anos.

Três candidatos estão na disputa: o trabalhista Brown, o conservador David Cameron e o temido azarão Nick Clegg, o liberal-democrata que se apresenta como o Barack Obama britânico ou como o Winston Churchill do século 21. Vamos evitar prognósticos e colocar a seguinte pergunta.

Em qual estado o vencedor das eleições encontrará o país? Em 2010, qual é a cara da velha Grã-Bretanha? A resposta dos conservadores é rápida: uma nação quebrada.

É verdade que a economia sofre, como ocorre em toda a Europa. A City, motor da Grã-Bretanha, está em pane. A recessão durou seis trimestres, mais do que em todos os outros países do G-7. O índice de endividamento do Estado em relação ao PIB é colossal. O déficit orçamentário atingiu 167 bilhões de libras (US$ 254 bilhões), um recorde.

Mas, apesar de tudo, mesmo a conservadora revista The Economist mostra menos pessimismo, observando que, antes do colapso econômico, os ganhos de produtividade eram mais robustos na Grã-Bretanha do que em qualquer outro lugar.

Os franceses fazem pouco dos britânicos, que vivem em um "país sem indústria". Mas se a Grã-Bretanha deixou de fabricar carros é porque preferiu caminhar para o setor do futuro, o de biotecnologia. Quanto à vida cotidiana, Londres, e o país em geral, não sabe o que é declínio. Pelo contrário, há uma explosão de energia, ideias, inovação.

Um em cada dois britânicos diz que a vida melhorou depois de 1997. E acrescenta que não foi por causa do governo trabalhista. "Melhoramos por nossos próprios atos, e não pela atuação de nossos dirigentes", dizem.

Se procurarmos os sinais desse estranho dinamismo, que parece vencer todos os dissabores econômicos e políticos, o que eles indicam? Londres tornou-se a cidade mais cosmopolita do mundo, uma outra Nova York. Tem celebridades negras e asiáticas. As pessoas estão mais abertas e tolerantes do que antes. Os preconceitos praticamente desapareceram.

Apenas dois perduram: as piadas ridicularizando as pessoas da "classe alta" e o sotaque de Eton, que ainda é motivo de chacota. Além disso, uma das degenerações da história local começa a desaparecer, a nulidade ancestral de sua cozinha. O responsável é um chefe genial, Jamie Oliver, que se qualifica como "o chefe nu" e cujo programa de TV dá aulas para uma população de analfabetos culinários. Graças a Oliver, de 34 anos, ser convidado para jantar numa casa londrina já não é mais um calvário.

A vida cultural da capital continua uma maravilha. Não está mais reservada a uma casta de letrados e ricos. Há dez anos, uma usina elétrica desativada, à margem do Tâmisa, foi transformada em museu, abrigando a Tate Modern Gallery. No dia da sua inauguração, 5 mil visitantes fizeram fila. À noite 40 mil tinham visitado a exposição. No final do mesmo ano, a Tate tinha recebido 5 milhões de visitantes, um recorde mundial. / 

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É CORRESPONDENTE EM PARIS

quinta-feira, abril 29, 2010

China só promete, não cumpre Alberto Tamer


O Estado de S. Paulo - 29/04/2010
 

Há sete anos, a China promete investir no Brasil mas não investe. De acordo com dados do Banco Central, o estoque de investimentos chineses no Brasil está em US$ 0,3 bilhão, ou seja, apenas 0,2% do estoque total de investimentos diretos no Brasil. Não somos importantes para eles que se interessam mais na exploração de reversas minerais, petróleo e no fornecimento de commodities agrícolas para abastecer seu mercado interno de 1,3 bilhão de pessoas. A China se volve mais para a África, onde instituições políticas frágeis permitem uma exploração fácil e barata de suas riquezas e sua terras.

Agora, eles começam a ter algum interesse no Brasil. O petróleo do pré-sal e minérios do Brasil. Mas ainda somos parceiros marginais, um mercado para seus produtos industriais que exportam a preços subsidiados.

Em contrapartida, pela compra de commodities agrícolas, nos produtos acabados. Importam até couro do Brasil para exportar calçados, muitas vezes made in USA ou made in Italy (procure saber a origem real da sandália ou do sapato que você está usando e poderá ter algumas surpresas).

Agora vai... Sim, agora eles estão abrindo seus cofres para o Brasil. No primeiro trimestre, o total de investimento direto chinês ingressado no Brasil foi de US$ 359 milhões, ou seja, 6,1% do total. Mas isso continua sendo uma parcela irrisória diante do que estão investindo no mundo. As empresas chinesas investirão este ano, no exterior, nada menos que US$ 50 bilhões, um aumento de 15,5% sobre o ano anterior. E, apesar da crise, em 2008 esses investimentos chegaram a US$ 43,3 bilhões. Mais 6,5%. Enquanto isso, nós não recebemos quase nada.

Só na África, a China investiu mais de US$ 7,7 bilhões até 2008. Não saíram dados oficiais do ano passado, mas, pelos contratos firmados, devem ter passado de US$10 bilhões. Em 2003, os seus investimentos na África não passavam de US$ 490 milhões.

Só para ter uma ideia da pouca representatividade dos investimentos chineses, no Brasil, o Banco Central naquele ano o colocou na lista de "outros"...

Mais US$ 100 bilhões. Há mais dinheiro para investir no mundo. O governo acaba de anunciar que está aumentando de US$ 200 bilhões a US$ 100 bilhões o fundo fiduciário que mantém para financiar suas empresas no exterior. O objetivo desse fundo é descobrir novas oportunidades para atender à expansão do mercado interno e, principalmente, formar estoques estratégicos. Essa política de estoques, criada em 1999, ganhou força na crise mundial.

A China aproveitou a queda da cotação das matérias primas para fazer grandes estoques de petróleo, grãos, minérios. Tudo, enfim, que precisa além do que produz. Política que foi mantida, mesmo com a recente recuperação de 32% nos preços das commodities agrícolas e industriais.

Ainda agora, pensando alguns anos adiante, a empresa estatal chinesa fechou contrato de US$ 10 bilhões com a Petrobrás. Não é investimento. É compra antecipada de petróleo a ser fornecido quando o pré-sal começar a produzir.

Investimento desanima. Mas, esta semana, saíram mais dados desanimadores sobre os investimentos diretos, além da parcimônia chinesa. A indústria brasileira continua recebendo pouco investimento externo, mesmo dos Estados Unidos, que nosso maior parceiro nessa área.

Em março, a indústria absorveu apenas US$ 408 milhões, quase 80% menos do que no mesmo mês do ano passado. Não mais de 18,9% do total entrado no País.

O quadro não é melhor se analisado os investimentos na indústria no primeiro trimestre do ano, quando recebeu US$ 1,6 bilhão.

Ou seja, 27,6% do total. E não é melhor porque os fluxos líquidos de investimentos externos, (IED), só em março somaram US$ 2 bilhões, nada menos que 39,7% acima de igual mês do ano anterior.

Não contem comigo, meninos... É mais ou menos assim que se pode interpretar o que o presidente chinês Hu Jintao deve ter dito a Lula. Como em 2004, prometeu mas não cumpriu porque ainda não acreditava na seriedade do nosso governo brasileiro. Agora, quase 7 anos depois, promete de novo, mas pergunta por que se interessar pelo Brasil, que também não reconheceu a China como economia de mercado como prometera. Mas não importa, eles têm toda a África e a América Latina por explorar. No sentido real da palavra.

Coisas simples /Carlos Alberto Sardenberg

O Globo - 29/04/2010


Basta fazer umas poucas contas para se verificar que o governo da Grécia não tem dinheiro para pagar juros e prestações da dívida que vencem neste ano (cerca de US$ 60 bilhões) e que terá de fazer um duríssimo programa de aumento de impostos e corte de gastos (e, pois, de salários e aposentadorias) para sanear suas finanças.

Fica evidente que, mesmo conseguindo um financiamento especial da União Europeia e do FMI, o governo grego precisará negociar com os credores, para solicitar descontos, prazos mais longos etc. Você toparia emprestar dinheiro novo para esse devedor? E se topasse, pediria juros maiores ou menores? É simples, não é? E outra: o governo grego não caiu nesse buraco assim distraidamente, mas mergulhou nele com vontade, gastando mais do arrecadava, tomando empréstimos para financiar os tombos e escondendo o valor exato de suas contas.

Nada disso, denunciam os governantes: a Grécia é vítima de um ataque especulativo da banca internacional.

Mesma coisa que se diz em Portugal, na Espanha, na Itália e em tantos outros países que enfrentam dificuldades para rolar suas dívidas no mercado internacional.

Há vantagens nessas teses. Primeiro, tira a responsabilidade maior dos governantes ("fizemos a coisa certa, mas somos vítimas da especulação") e, segundo, empurra a busca de solução para os outros, no caso, a União Europeia e o FMI. Como dizem os governantes gregos: ou nos dão o dinheiro ou será o caos na Europa; não podemos fazer nada.

Na verdade, podem, mas não querem pagar o preço político de ajustar as contas. Ou seja, depois de terem distribuído bondades com o dinheiro alheio, querem mais dinheiro alheio para continuar vivendo à grande.

Essa é a história simples, o resto é embromação.

Incompetência Outra história: o presidente Lula encontra sempre outros culpados para o atraso dos investimentos públicos, como o Tribunal de Contas da União, os órgãos de licenciamento ambiental e a oposição, que bloqueia projetos no Congresso.

Mas considerem estes dados levantados pela repórter Samantha Maia, do jornal "Valor Econômico", edição de ontem: há nada menos que R$ 7,6 bilhões sobrando nos cofres da Caixa Econômica Federal porque não se consegue colocar de pé um programa de investimentos em saneamento, lançado pelo governo federal em novembro de 2008.

Logo que assumiu seu primeiro governo, o presidente Lula denunciou com estardalhaço que sua administração havia encontrado dinheiro sobrando na Caixa e programas de saneamento sem recursos. Culpou o neoliberalismo, coisa dessa gente que não gosta de gasto público.

Pois o dinheiro continua sobrando, mesmo com gente que adora aumentar o gasto público. É simples: incompetência, incapacidade administrativa de bolar os programas e colocá-los em funcionamento.

Já anunciar, com palanque e tudo, é mais fácil. Depois, quando a coisa não anda, encontram-se alguns culpados e algumas conspirações, exatamente fazem os governantes gregos, portugueses e espanhóis.

A coca imperialista Quando assumiu o governo da Bolívia, o presidente Evo Morales denunciou o método americano (imperialista) de combate às drogas, suspendeu a colaboração com a polícia especializada dos EUA (DEA) e anunciou que trataria do assunto de uma forma progressista. Consistia no seguinte: toda liberdade à plantação de coca para os legítimos cocaleros, aqueles que produzem para o consumo local de chás e folhas de mascar, e rigorosa vigilância sobre os ilegais, que vendem para o tráfico.

Consequência: aumentou fortemente a produção para o tráfico e a exportação da pasta de coca para o Brasil.

Óbvio, não era? Se não há um controle rigoroso de toda a produção e distribuição, se não há uma polícia internacional vigiando, é claro que os cocaleros vão vender sua colheita para os traficantes, pela simples e boa razão de que eles compram mais volume e pagam mais.

Ou seja, não há cocaína bolivariana e cocaína imperialista. Dá o mesmo barato, o mesmo dinheiro, a mesma corrupção. Se com uma polícia competente como a DEA americana já é difícil controlar, imaginem sem.

Isso é coisa simples, que só a ideologia equivocada pode transformar num caso político, com imensos prejuízos para todos, exceto os plantadores.

Um tranco nos juros Celso Ming

O ESTADO DE S. PAULO

Depois de manter ao longo de nove meses os juros básicos (Selic) estáveis a 8,75% ao ano, ontem o Banco Central deu o tranco esperado. Puxou-os em 0,75%, para 9,50% ao ano.

Com essa decisão, o Banco Central mostrou que rejeita a argumentação que vinha sendo apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a atual esticada da inflação tem como causa fatores episódicos, e naturalmente reversíveis, que dispensariam aperto na oferta de moeda.

Para o Banco Central o atual surto inflacionário vem sendo causado por aumento persistente do consumo, ao ritmo insustentável de 10% ao ano, ou seja, substancialmente mais alto do que a capacidade de fornecimento de bens e serviços pelo setor produtivo interno mais as importações.

O diagnóstico do Banco Central é o de que há uma inflação de demanda que é preciso reverter para que possa ser cumprida a meta de inflação de 4,5% ao ano, antes que a expectativa dos marcadores de preços se deteriore ainda mais.

Até aí o Banco Central está certo. Provavelmente também está certo ao identificar como causa dessa forte expansão do consumo (embora não o enfatize) o aumento excessivo das despesas públicas, que correm a 17% neste ano.

Se o diagnóstico é esse, o remédio mais adequado para atacar a doença cuja causa é fiscal, obviamente, teria, também, de ser fiscal; seria a compressão das despesas públicas de maneira a conter a criação de renda e o excesso de demanda que vem em seguida.

Mas o governo só pensa naquilo, não quer reduzir a alegria do consumidor com o corte das despesas públicas às vésperas das eleições e, por isso, parece improvável que a administração federal se disponha a fazer o que lhe compete. Assim, o serviço impopular sobrou mais uma vez para o Banco Central.

A inflação de 2010 já está dada, independentemente dos ajustes que o Banco Central começou a fazer. Só não se sabe de quanto vai ser. Como os juros levam de seis a nove meses para produzir efeito, não haverá mais tempo para mostrar serviço ainda este ano. A decisão de ontem teve por objetivo calibrar o fluxo de moeda de maneira a enquadrar a inflação de 2011. Isso significa que, do ponto de vista da política monetária, o horizonte do Banco Central já pertence à paisagem do próximo governo.

Pelo menos dois objetivos políticos o Copom deve ter levado em conta. O primeiro, evocado várias vezes pelo presidente Lula, é evitar que às vésperas das eleições o eleitor fique com a sensação de que o atual governo descuidou do combate à inflação e, portanto, foi desleixado na preservação do principal patrimônio do trabalhador. Por isso, tem de mostrar eficácia ainda que o efeito dos juros só apareça no ano que vem.

O segundo é a questão da dose. O gradualismo excessivo (alta de 0,50 ponto porcentual) exigiria um tratamento mais esticado, que poderia ser interpretado como tolerante demais. O Banco Central evitou, também, paulada maior, tipo Nicolau Maquiavel, para quem a maldade tem de ser feita de uma vez.

De todo modo, ficou a impressão de que o Banco Central agiu tarde. Todos os dados levados em conta para a decisão de ontem já estavam aí em março, quando os juros ficaram parados.

Confira

Cada dia com sua agonia

O gráfico mostra o tombo das principais bolsas da Europa nos dois últimos dias. Não há sinal de virada.

Baixa credibilidade

O gerente-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, declarou ontem que "não se pode acreditar demais nas agências de classificação de risco".

E quem certifica?

Sim, elas perderam credibilidade, mas não podem ser culpadas pelas lambanças fiscais dos países europeus. Afora isso, alguém tem de avaliar a qualidade dos títulos de dívida.

A política da eurozona:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

União Europeia fracassa ao cuidar de sua união monetária e política; EUA souberam cuidar melhor de seu quintal

Os Países que adotaram a moeda única europeia, a eurozona, andam mesmo a merecer tal nome, que soa algo ridículo a brasileiros. Há um país-bomba a estourar no seu quintal, na Grécia, ou no seu litoral, os países do Mediterrâneo. Mas a União Europeia brinca com fogo e desmancha seu prestígio político-econômico em banho-maria, mas com vazamento de gás na cozinha.

Faz meses, pelo menos desde outubro, não consegue decidir o que fazer da Grécia. Desde o início do ano, não sabe se, quanto e quando vai emprestar ao governo grego de modo a evitar um calote. A atitude dos Estados Unidos em relação à crise brasileira de 1998 serve para dar uma dimensão do vexame europeu.

Os países da eurozona têm uma moeda comum e, pois, um único Banco Central. Têm um protogoverno, disfuncional, mas têm. Compartilham códigos de leis, parte de suas polícias, diplomacia e têm um embrião de forças armadas continentais. Mas não tomam decisões sobre uma crise que, mais que afetar um Estado-membro, a Grécia, desacredita sua moeda e sua coesão política, pode aprofundar a recessão no Sul do continente e mesmo trumbicar bancos franceses e alemães.

No final de 1998, o Brasil era apenas um sócio muito menor da Terceira Via do então presidente Bill Clinton. Decerto era um risco relevante para a estabilidade das finanças ocidentais, abalada pelas crises asiática e russa. Era também um risco político, na verdade ideológico.

Ou seja, de que mais um país adepto da abertura econômica fosse à breca, maculando ainda mais a fantasia da globalização feliz e a da "nova arquitetura financeira internacional".Porém, assim que ficou evidente o risco de o Brasil ir à breca, de 98-99 e, outra vez, em 2002, então já sob George Bush filho, os Estados Unidos puseram o seu Fundo Monetário Internacional para trabalhar e ainda deram apoio financeiro.

No caso europeu, apenas agora, aos 40 minutos do segundo tempo, a Alemanha acorda para a iminência de ter de costurar com o FMI e com os franceses um pacote que vai custar o triplo do remendo originalmente imaginado para o caso grego.

Na semana passada, quando a Grécia pediu água, falava-se de 45 bilhões, cerca de US$ 60 bilhões ou R$ 105 bilhões. Segundo parlamentares alemães, o FMI estaria avaliando agora a necessidade de emprestar entre 100 bilhões e 120 bilhões. Ou seja, de US$ 132 bilhões a US$ 158 bilhões, o equivalente ontem a cerca de R$ 232 bilhões a cerca de R$ 278 bilhões.

É dinheiro para três anos, em tese o suficiente para cobrir todas as necessidades de financiamento do governo grego nesse período. A Grécia estaria, por um lado, livre de se financiar no mercado. Mas seria um protetorado financeiro.

O rolo não acaba aí. Virão três ou quatro anos de estagnação econômica ou coisa pior. O aperto grego, se não sua falência, vai contaminar Portugal, Espanha e Itália, que passarão por apertos duros também.

Qual será o resultado político-social disso? Ainda é mistério. Assim como é misterioso o fato de a crise grega não ter afetado com força os mercados financeiros internacionais. Mesmo com risco de alguma crise bancária na Europa.

DORA KRAMER Ficha limpa na pressão

O Estado de S.Paulo - 29/04/2010

O Congresso Nacional, primeiro a Câmara e, se for o caso, mais adiante o Senado, tem uma chance esplêndida, senão de se reconciliar de todo com a opinião pública, ao menos de amenizar o desgaste de imagem que vem construindo ao longo de uma trajetória de gradativa desqualificação e distanciamento da sociedade.


O Poder Legislativo está, como diz a expressão cara ao senso comum, com a faca e o queijo nas mãos.

Cabe aos parlamentares decidirem se cortam, se lancetam essa ferida aprovando na próxima terça-feira o regime de urgência para o projeto de lei complementar que veta a participação em eleições de candidatos condenados por crimes dolosos graves, ou se deixam tudo como está.

Sem receio de cometer uma enorme injustiça, é de se afirmar com tranquilidade que se dependesse exclusivamente da vontade do colegiado venceria a hipótese, a velha força da inércia.

Inclusive porque é a que vem prevalecendo há muito tempo, considerando que não é de hoje que tramitam propostas no Legislativo para alterar a lei no que tange à presunção da inocência para fins de inelegibilidade.

Essa mesmo de que se trata agora estava celeremente caminhando em direção ao buraco negro do esquecimento. Foi posta convenientemente em pauta no início de abril, sem acordo de líderes, voltou para a Comissão de Constituição e Justiça. Apesar de os partidos de oposição terem apresentado pedido de urgência para votação em plenário, continuou girando no mesmo ponto porque isso só poderia ir em frente com o apoio da maioria dos partidos.

Até então PT e PMDB se recusavam a assinar a urgência. Ontem de manhã parecia que o "deixa que eu chuto" paralisante continuaria quando um grupo de deputados apresentou pedido de vista ao relatório. Manobra protelatória clara.

Quando, no início da tarde, PT e PMDB mudaram de tática e assinaram a urgência. Com isso, o pedido de urgência será votado terça-feira próxima em plenário ? voto aberto ? e, espera-se, o projeto propriamente dito, no dia seguinte.

E o que operou semelhante mudança?

As eleições. Não as de deputados, que não guardam uma relação direta entre o voto dado e o eleito. Mas a de governadores e principalmente de presidente.

Como a oposição vota a favor do projeto ficha limpa, o PT e o PMDB avaliaram que se continuassem contra poderiam acabar prejudicando a campanha de Dilma Rousseff, pois em algum momento os eleitores passariam a cobrar dela uma posição.

A alteração tática não significa necessariamente garantia de aprovação: há água aos potes para rolar.

Dote. A vantagem do tempo que terá a candidata do PT em relação ao adversário do PSDB na propaganda eleitoral no rádio e da televisão explica o esforço para fazer aliança formal com o PMDB.

No melhor cenário simulado para Dilma Rousseff, a petista terá 11m37s e José Serra 5m36s; na pior hipótese para ela e melhor para ele, de cada bloco de 25 minutos exibidos três vezes por semana duas vezes ao dia, Dilma ficaria com 9m32s e Serra com 7m41s.

Os tucanos certamente argumentarão que nas duas eleições anteriores em que foram derrotados eram eles a contar a vantagem do tempo maior. Portanto, esse não seria um fator determinante. Agora, pergunte-se se não gostariam de continuar contando com essa primazia. Claro que sim.

E o que pesou para desequilibrar o tempo a favor do PT? O PMDB. Não só por isso, mas também por isso o fato de nem Lula conseguir impor suas vontades ao parceiro.

Falanges. Em matéria de descalabros produzidos na internet a tropa oposicionista é apenas mais discreta que a governista, dado que o way of life petista nesse tipo de batalha antecede ao advento da web.

Mas, do jeito que a coisa anda, logo ou haverá alguma interferência dos comandos a fim de se instaurar a civilidade ou se locupletarão todos numa guerra de extermínio moral.

MÍRIAM LEITÃO Última escalada

O Globo - 29/04/2010

Chegou ao fim o ciclo de juros mais baixos da história recente do país. Por mais de um ano, de janeiro de 2009 a abril de 2010, o Banco Central reduziu e manteve a Selic entre 12,75% e 8,75%. Pela primeira vez, tivemos juros nominais de um dígito. Foi em junho de 2009, quando a taxa caiu de 10,25% para 9,25%. Depois, foi a 8,75%, ficou assim por nove meses, até ontem, quando voltou a subir a 9,50%.

Bancos e consultorias estão revendo o crescimento do PIB brasileiro para cima. Os dados mostram que a inflação está se distanciando do centro da meta e o país está bem aquecido. O estranho é que ao mesmo tempo que os juros sobem, o Ministério da Fazenda ainda mantém estímulos fiscais ao consumo, o BNDES aumenta o subsídio embutido nos juros, os bancos oficiais se esforçam para ampliar ainda mais o crédito.

O governo age como se o país ainda estivesse precisando de empurrão, quando o Banco Central já começou a puxar o freio.

O Morgan Stanley revisou a previsão de crescimento do PIB deste ano de 5,8% para 6,8%. O banco americano diz que o ritmo dos três primeiros meses deste ano está tão forte quanto o dos últimos três do ano passado. Com isso, o carregamento estatístico daqui para frente já estaria em 4,8%. Ou seja, se a economia ficasse estagnada a partir de abril — algo que não vai acontecer —, isso já garantiria um crescimento de 4,8% em 2010, na comparação com 2009.

A consultoria Tendências subiu a previsão de 5,2% para 6%. Outros bancos e consultorias têm feito isso nos últimos tempos.

O Itaú Unibanco subiu para 6% e o Bradesco, para 6,4%. Isso eleva o risco inflacionário: numa economia com a inflação subindo, a economia se acelera, o governo dá sinais desencontrados na área fiscal e a eleição criará naturalmente um ambiente de incerteza sobre a manutenção da política monetária. Isso tornou a alta dos juros de ontem inevitável. Triste foi a coincidência de subir a taxa, quando os Estados Unidos mantiveram os juros em zero.

— O Brasil está crescendo a um ritmo quase chinês, então é normal que a gente comece a subir os juros antes dos países que estão enfrentando problemas — diz o economista Elson Teles, da Máxima Asset.

A última queda da taxa de juros foi motivada pela recessão que chegou ao país abruptamente ao final de 2008. Atingido de frente pela crise bancária internacional, o país teve dois trimestres consecutivos de retração no PIB.

Com menos crescimento, houve também menos inflação.

O Banco Central reduziu a taxa para incentivar a retomada.

Os bancos e consultorias pesquisados pelo boletim Focus do Banco Central apostam em média em um aumento de três pontos percentuais nos juros ao longo desta temporada. A alta de ontem foi só o começo, nas próximas reuniões deve continuar subindo.

A aposta é que os juros ficarão em 11,75%. Isso num ano eleitoral é uma dose suficiente para muita polêmica.

A dúvida é: até quando os juros vão continuar subindo levando-se em conta as eleições? O Morgan Stanley acha que o BC vai dar uma pausa só em outubro. Eu acho que ele vai parar bem antes para não provocar ruídos no momento mais quente do debate político. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que não foi resolvido ainda um problema: os sinais contraditórios da comunicação do Banco Central.

Mais um conflito entre o que o BC diz e o que faz, e o professor acha que ele vai virar biruta de aeroporto.

Mesmo se acontecer esse cenário previsto pelo mercado, de alta até 11,75%, ainda teremos juros menores do que no período anterior à crise, quando a taxa chegou a 13,75%, no dia 10 de setembro de 2008, apenas cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers.

Naquele mês, a inflação acumulada em 12 meses era de 6,25% e a expectativa para a inflação nos próximos 12 meses era de 5,19%.

Hoje, o cenário é melhor: o IPCA acumulado em 12 meses fechou o mês de março com 5,17%, e a expectativa para os próximos 12 meses é de 4,73%.

Esse será o último ciclo de aperto da política monetária do governo Lula.

No início do governo, em 2003, o Banco Central subiu juros para 26,50% para combater a crise detonada pelo medo de mudança na política econômica. Depois disso, voltou a subir juros de setembro de 2004 a maio de 2005. Foram oito aumentos seguidos da Selic, que levaram a taxa de 16,25% para 19,75%. Logo após, houve dois anos inteiros de baixa, entre setembro de 2005 e setembro de 2007, que fizeram a Selic cair para 11,25%. Nada menos que 18 cortes consecutivos.

Depois de oito meses com a taxa nesse patamar de 11,25%, entre setembro de 2007 e abril de 2008, houve nova guinada para o alto. De julho a setembro de 2008, já em plena crise, a Selic saltou de 11,25% para 13,75%.

A conclusão desse histórico é que mesmo em períodos de calmaria, sem crise externa e com inflação contida no Brasil, os juros são espantosamente altos.

Os mais baixos da nossa história são altos demais para qualquer país. Essa agenda é parte do longo processo de estabilização brasileira que precisa ser tocada pelo próximo governo. Não adianta voluntarismo. Há um dever de casa para fazer antes: reduzir gastos, carga tributária, fazer reformas para criar uma folga fiscal e derrubar os juros sem risco inflacionário.

O Brasil será normal quando os juros estiverem em patamares parecidos com o resto do mundo.

Enquanto isso não acontecer, o país vai carregar essa última cicatriz do tempo da inflação alta.

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS Bravatas de Lula e o leilão de Belo Monte

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/04/10

Para ter êxito no leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos que condenava quando estava na oposição a FHC


O RESULTADO final do leilão da concessão da hidrelétrica de Belo Monte permite avaliação profunda dos chamados anos Lula.
Nesse ato do Executivo estão presentes questões políticas, administrativas e, principalmente, de comportamento ético e moral que precisam ser devidamente entendidas. A mídia centrou sua cobertura nos detalhes técnicos mais pontuais, como a questão ambiental, a questão financeira e a questão de viabilidade técnica da concessão.
Na esteira do debate que vai se seguir, certamente estarão presentes reflexões de natureza mais abrangente. Essa é a dinâmica natural em uma democracia aberta, como a brasileira. É com esse objetivo que escrevo hoje sobre o leilão de Belo Monte. Por ter participado como ator do processo de privatizações no governo FHC, creio ter uma contribuição muito particular na avaliação da ação do governo no caso de Belo Monte.
Durante mais de dez anos estive envolvido em uma série de procedimentos -no nível administrativo do Tribunal de Contas da União e no legal em vários níveis da Justiça brasileira- em relação às regras que a Constituição brasileira estabelece no caso da alienação de bens públicos, e meus comentários a seguir nascem exatamente desse caráter especial de minha relação com as privatizações.
O que mais chama a atenção neste caso é que, na busca de realizar com êxito o leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos operacionais que condenava quando estava na oposição ao governo FHC.
Interferiu diretamente na formação dos consórcios, manipulando o comportamento dos fundos de pensão públicos, pressionando empresas privadas como a Vale para participar da licitação e até colocou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como agente ativo do processo.
Foi ainda mais longe em sua ação para viabilizar o leilão: deu isenção de 75% do Imposto de Renda para o empreendimento e mandou o BNDES financiar 80% do valor do investimento. O leitor da Folha precisa saber que, nas normas operacionais do BNDES, o valor do financiamento de qualquer projeto pode chegar no máximo a 60% do total.
Quando Lula e o PT usavam -como confessou mais tarde nosso presidente- bravatas para pressionar o governo tucano, todas essas ações eram apontadas como um crime contra a Constituição.
Alguns juristas engajados na luta política da oposição de então nos acusaram -publicamente- de estarmos quebrando o princípio da impessoalidade ao agir de tal forma. Segundo eles, o governo tinha que ser isento, deixando que os interessados no processo agissem de forma totalmente livre. Aliás, foi a partir desse entendimento legal que vários procuradores federais iniciaram processos judiciais contra nós.
E agora, como caracterizar esse arsenal de ações do governo para viabilizar a concessão de Belo Monte? Onde estão os juristas que foram a público acusar de maneira incisiva os ilícitos cometidos pelos membros do governo FHC responsáveis pelas privatizações? Terão eles a mesma leitura de Antonio Gramsci, de que, no caso de um governo popular, todas as ações na busca do poder político em nome do povo são justificáveis?
Vou ainda mais longe nos meus questionamentos: será que, após executarem as mesmas ações que condenavam no caso de FHC, vão os petistas trazer novamente as denúncias contra as privatizações tucanas nas eleições que se aproximam? Vão ainda falar na privataria tucana?
Os responsáveis pela realização do leilão de Belo Monte não correm, todavia, os riscos de serem processados na Justiça como fomos nós em 1998.
Recentemente, o Tribunal Regional Federal de Brasília confirmou -por unanimidade de seus membros - a decisão da Justiça Federal de primeira instância que considerou absolutamente legais os procedimentos adotados pelo BNDES na privatização da Telebrás em 1998.
Temos agora uma jurisprudência formada sobre como deve proceder o administrador público em casos como o leilão de Belo Monte.
A tese de quebra do princípio da impessoalidade, levantada pelos juristas petistas em 1998, não passou de uma justificativa muito pobre e oportunista para permitir a luta política contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Que a opinião pública seja mais uma vez lembrada disso.

MERVAL PEREIRA Direitos humanos

O GLOBO - 29/04/10

Em várias palestras aqui na Universidade de Córdoba, onde se realiza a Conferência da Academia da Latinidade com o tema central de busca de condições para o diálogo entre as culturas, um ponto recorrente foram os direitos humanos que, como ressaltou o secretário-geral Candido Mendes, não podem ser encarados como instrumentos de dominação ocidental e devem ter caráter universal

A limitação cultural do entendimento do que sejam os direitos humanos, porém, é uma realidade destacada por vários palestrantes. Enrique Larreta, diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes ressaltou que os direitos humanos têm ainda um tipo de aplicação regional.

"Na Europa, fica claro que a prioridade são os direitos individuais. Por exemplo, o passaporte para os perseguidos por estados, ou os direitos da mulher".

Segundo ele, a União Europeia foi construída em boa medida em conflito com o totalitarismo soviético, e aí se afirmou a ideologia dos direitos humanos.

Há diferenças regionais importantes.

A morte recente do dissidente cubano na prisão só teve uma crítica formal de um governo da América Latina, que foi o México.

"O presidente da Bolívia, Evo Morales, chegou a dizer, com base em informações oficiais cubanas, que o morto era um delinquente comum.

Lula disse coisa parecida." Isso demonstraria, segundo Larreta, que não existe uma cultura dos direitos humanos na América Latina, embora a esquerda latinoamericana tenha se aproveitado da política de direitos humanos ocidental para se proteger das ditaduras.

Na Ásia, lembra Enrique Larreta, que está envolvido em uma profunda pesquisa sobre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China, os quatro países emergentes que serão potências mundiais preponderantes nos próximos 20 anos, segundo a Goldman Sachs), a China tem uma posição muito forte de soberania nacional que rejeita uma suposta interferência internacional, mesma posição dos governos militares latinoamericanos.

Larreta deixou claro em sua palestra que considera não ser admissível que uma visão culturalmente diversa sobre direitos humanos impeça o entendimento entre Ocidente e Oriente.

"Se os chineses assimilaram o marxismo, criado por dois escritores alemães, não há nenhuma razão para não assimilarem a democracia ocidental, da qual os direitos humanos fazem parte inseparável", frisou.

O sinólogo francês François Julien, diretor do Instituto do Pensamento Contemporâneo, argumentou na sua palestra com a especificidade do pensamento chinês, mas se manteve em uma posição bastante universalista no sentido de que um horizonte de direitos humanos pode ser incorporado perfeitamente pela China.

Uma ideia prevaleceu nos debates, a de que todas as culturas se transformam.

A discussão sobre o uso da burca na França, por exemplo, que o presidente Nicolas Sarkozy quer banir em todas as situações, gerou diversos comentários.

O sociólogo Alain Touraine acha que não pode haver proibição através de uma nova legislação, que seria inconstitucional.

O professor da USP Renato Janine Ribeiro ressaltou em sua palestra que pesquisas mostram que a maioria dos franceses é a favor de proibir a burca, mas também favorável a manter o crucifixo nas paredes, o que indicaria que a burca é vista mais como um elemento de constrangimento dos direitos da mulher do que como símbolo religioso.

Já Enrique Larreta diz que o Estado francês é "laicoreligioso", pretende que a cidadania seja um conceito místico. Ele também considera que os direitos humanos individuais são universalizáveis.

Como exemplo, lembrou que hoje em dia, em distintas sociedades como o Brasil e a China, cresce o número de indivíduos que vivem sozinhos, porque os meios tecnológicos permitem que se comuniquem na sua individualidade: pela internet, pelo celular.

Mas essas pessoas exigem seus próprios direitos.

"A individualização da sociedade cria condições para que de alguma maneira seus direitos sejam coletivos", comentou Larreta.

Renato Janine Ribeiro chamou a atenção para o fato de que a necessidade de pertencimento a um grupo está muito presente no mundo atual, e, mais do que significar uma escolha individual, significa que existe uma identidade coletiva que precede toda forma de liberdade.

Em vez do cartesiano "penso, logo existo", a definição seria "nós somos, logo eu sou". Ou "eu pertenço a esse determinado grupo porque livremente o escolhi".

O renovado conceito de relações sociais trazido pelos novos meios de comunicação foi também debatido em diversas sessões, com visões distintas de sua repercussão na sociedade.

Janine Ribeiro lembrou que um dos módulos do Linux, o sistema operacional aberto da internet, chamase "ubuntu", que, num dialeto tribal da África do Sul, significa "sou o que sou por que pertenço a um grupo".

Candido Mendes referiu-se à nova tecnologia da informação como a "agora eletrônica", numa referência ao espaço de debate da antiga Grécia, mas mostrou-se pessimista com relação à possibilidade de controle das informações de sistemas de buscas como o Google.

Citou um julgamento nos Estados Unidos sobre o controle de tempo para determinadas informações que indicaria que o sistema está sendo manipulado para facilitar alguns tipos de informações e dificultar outras, o que sugere que esse novo mundo tecnológico da informação pode reservar novas formas de totalitarismos.

Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, resumiu a preocupação geral em sua fala na abertura do seminário: disse que o crescente apoio da extrema-direita e atitudes etnocêntricas em certas partes do mundo têm que ser combatidas porque não se pode permitir, citando a filósofa Anna Arendt, que a "banalidade do mal" se torne realidade.

Lula celebra Geisel em Belo Monte DEMÉTRIO MAGNOLI

O Estado de S.Paulo - 29/04/10

Belo Monte lembra Itaipu, de muitas formas. O estudo de viabilidade da usina, então batizada Kararaô, começou em 1980, durante a construção de Itaipu. O nome do general-presidente Ernesto Geisel está ligado às duas obras. Itaipu nasceu do consórcio binacional firmado um ano antes de sua posse, mas tornou-se um ícone do modelo de desenvolvimento que ele personificou. O conceito original de Kararaô foi elaborado durante o seu quinquênio, como parte de um grandioso plano de exploração do potencial hidrelétrico da Amazônia. De Kararaô a Belo Monte, mudou a abordagem dos impactos sociais e ambientais do projeto. Por outro lado, a engenharia financeira da hidrelétrica, tal como exposta no seu leilão, evidencia a restauração da visão geiseliana sobre o Brasil.

Lula definiu Geisel como "o presidente que comandou o último grande período desenvolvimentista do País". A crítica ao desenvolvimentismo geiseliano não partiu dos liberais, então um tanto calados, mas da esquerda. As grandes obras de infraestrutura de sua época foram financiadas à custa do endividamento estrutural do Estado e pagas ao longo de mais de uma década de inflação. No preço oculto das variadas Itaipus, esses objetos do encantamento de Lula, deve-se contar a crise política crônica que destruiu o regime militar e envenenou os governos Sarney e Collor tanto quanto a impotência do Estado para investir em serviços públicos de saúde e educação. Tais lições, aprendidas na transição política que viu nascer o PT, são hoje renegadas, no discurso e na prática, por um presidente embriagado de soberba.

Geisel ofereceu energia barata para a indústria, subsidiando-a pela via da exclusão social de milhões de brasileiros. Uma ditadura comum pode fazer isso por algum tempo, mas é preciso uma ditadura à chinesa para sustentar tal estratégia de desenvolvimento. Kararaô não seguiu adiante pois esgotara-se o fôlego financeiro e político do modelo de Geisel. Desde a redemocratização, sob pressão dos eleitores, os governos iniciaram um redirecionamento dos fundos públicos para as finalidades sociais. O leilão de Belo Monte representa uma inflexão nessa curva virtuosa.

A engenharia financeira da usina se subordina ao dogma geiseliano da tarifa barata. O suposto benefício não passa de um subsídio indireto aos empresários industriais e comerciais, que consomem juntos quase 70% da oferta total de eletricidade. A tarifa comprimida afugentou os investidores privados, convertendo o Estado no financiador principal da obra. O BNDES entrará com 80% dos recursos, a juros subsidiados e prazo de pagamento de 30 anos. Como o BNDES não dispõe desse capital, o Tesouro pagará a conta, emitindo dívida pública.

O preço real da eletricidade que será produzida, escondido atrás da tarifa de mentira, corresponde à remuneração do capital investido na obra, mais os custos e lucros da concessionária. A diferença entre o preço real e a tarifa recairá sobre os brasileiros de todas as faixas de renda, inclusive sobre a geração que ainda não vota. Itaipu, segunda versão: apesar daquilo que dirá a candidata governista no carnaval eleitoral, o povo fica condenado a subsidiar a energia consumida pelo setor empresarial.

Lula celebra Geisel no templo profano do capitalismo de Estado. Contudo, se o general confinava as empresas parceiras à lucrativa função de empreiteiras, o presidente que o admira prefere o sistema de aliança no consórcio concessionário. O jogo, mais complexo, assumiu a forma de uma contenda entre aliados pela distribuição de poder e benesses financeiras. À sombra da regra da tarifa subsidiada, manejando os recursos públicos e o capital dos fundos de pensão, que trata como se fossem públicos, o governo impôs o controle estatal sobre o consórcio.

A Eletrobrás, imaginada como uma Petrobrás do setor elétrico, terá a hegemonia na operação da usina, pela via da participação de 49,98% da Chesf no consórcio vencedor. À meia luz, no ambiente propício aos acertos heterodoxos, desenvolve-se o processo de domesticação dos parceiros privados, que aceitarão posições subordinadas em troca de generosas isenções tributárias e da almejada participação como empreiteiros. O leilão foi apenas o ponto de partida da negociata multibilionária, que seguirá seu curso longe dos olhos da opinião pública.

A nova Itaipu custará estimados R$ 30 bilhões. Na sequência, vem aí o leilão do trem-bala, com custo similar, também financiado essencialmente por meio de emissão de dívida pública. O PT nasceu no ano da concepção de Kararaô e no rastro da crítica de esquerda ao peculiar nacionalismo geiseliano, com a sua aliança entre o Estado-empresário e uma coleção de grandes grupos privados associados ao poder. Três décadas depois, é no capitalismo de Estado que ele busca um substituto para a descartada utopia socialista.

"No Brasil dos generais, quem quisesse crescer tinha de ter uma relação de dependência absoluta com o setor público", explicou um alto executivo da construtora Norberto Odebrecht, que participou da fase derradeira da construção de Itaipu. O fundador da empresa mantinha relações estreitas com Geisel. Seu neto, Marcelo, atual presidente da Odebrecht, conserva uma coerência de fundo com as ideias do avô. É essa coerência que o levou a afirmar, três meses atrás: "O Chávez tem vários méritos que o pessoal precisa reconhecer. Antes dele, a Venezuela estava de costas para a América do Sul e de frente para os EUA. Vocês podem questionar o que quiserem, mas é inequívoca a contribuição que Chávez deu à integração do continente americano. É inequívoco, também, que os objetivos são nobres."

Marcelo Odebrecht pode ou não ter objetivos "nobres", mas não é ingênuo nos negócios - nem em política. A Odebrecht negocia a sua incorporação ao consórcio de Belo Monte. Ela tem bilhões de motivos para gostar do capitalismo de Estado.

É SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP

quarta-feira, abril 28, 2010

Cavalo de Troia na Europa:: Vinicius Torres Freire

FOLHA DE S. PAULO


Mercados avaliam situação grega como pré-falimentar, crise balança Europa e chega até ao Brasil superemergente


Ontem foi dia de brasileiros prestarem atenção à chatíssima crise da dívida grega. Que pode se tornar crise da dívida portuguesa, quiçá irlandesa ou espanhola. O intermitente churrasco grego serviu para impulsionar a "correção" da Bolsa. O Ibovespa fechou ontem 7,4% abaixo do pico do dia 8. A Bolsa estava carinha e, enfim, os juros vão subir, o que não é assim lá tão relevante no caso do mercado brasileiro, mas pega.


A Grécia mergulhara no vinagre na semana passada, quando pediu dinheiro ao FMI e à União Europeia. Como de hábito, as agências de classificação de risco comparecem ao campo de batalha a fim de matar os feridos. Degradaram ontem a nota de crédito do governo grego para "junk", investimento com razoável risco de levar calote. A dívida portuguesa também foi desacreditada.


Apesar de ineptas e cúmplices da bandalha que resultou na crise de 2007-09, as notas das agências são relevantes. Investidores podem ser impedidos, por motivos contratuais, de comprar títulos com nota de crédito "junk".


Se todas as maiores agências rebaixarem a Grécia para "junk", os títulos gregos não serviriam como garantia nem para negócios com o Banco Central Europeu. O problema é que bancos usam títulos gregos como garantia para empréstimos no BCE. Quando os papéis perdem valor, em tese os bancos têm de oferecer mais garantias.


O mercado passou a cobrar taxas de juros cada vez mais altas do governo grego. Cobra quase o dobro da taxa pedida para o Brasil, desde a semana passada. É a espiral da morte: o país já superendividado paga cada vez mais caro para refinanciar a dívida, que cresce mais. O rendimento dos papéis gregos ("juros") de dois anos ultrapassou bem o dos brasileiros e até os argentinos. Excetuado algum país obscuro, são agora os mais altos do mundo.


Se a Alemanha não abrir logo o cofrinho, os gregos terão de "reestruturar" a dívida (pagar mais tarde, quando puderem). Os alemães em tese bancariam 28% do empréstimo europeu à Grécia. Mas o governo alemão adia a decisão sobre a ajuda, muito impopular entre o eleitorado.


E daí?


Se a Grécia "reestrutura", dá um calote, bancos franceses e alemães, entre outros, perdem dinheiro e ficam com menos capital. Isso para não falar do medo -os seguros de crédito ficam mais caros, os juros sobem, e não apenas para os governos europeus. O caldo da economia do mundo rico pode voltar a entornar.


O novo pico da crise pode ser um faniquito do mercado. Pode não ser. Em tese, apenas a promessa de empréstimos tapa-buraco à Grécia deveria ter acalmado o ambiente. Com o dinheiro prometido por FMI e Europa, a Grécia poderia tapar buracos até o início do trimestre final do ano.


Mas rumores e palpites publicados na mídia financeira europeia dão conta de que o mercado quer um remendo de pelo menos ano e meio. O remendo também não garante o fim da novela. O governo grego precisa cortar sua despesa em pelo menos 12% do PIB até 2015. É um massacre.







Virá recessão, corte de benefícios sociais e revolta, que já está nas ruas. Além do mais, os gregos vão precisar tomar empréstimos a juros de pai para filho, de modo a não voltar ao buraco. Está difícil.

MERVAL PEREIRA 'Irã é indefensável'


O Globo - 28/04/2010

"A situação do Irã é indefensável". É assim, sem rodeios, que o sociólogo francês Alain Touraine define a crise política internacional envolvendo o programa nuclear iraniano e o governo de Teerã. Mas Touraine também não procura subterfúgios para defender a solução mais adequada para a crise: "Sou a favor de qualquer coisa, menos de um ataque contra o Irã".

Por "qualquer coisa" ele compreende até mesmo as sanções econômicas que os Estados Unidos pretendem aprovar no Conselho de Segurança da ONU, às quais o Brasil é dos poucos países que se opõem.

Touraine não acredita em acordos com o governo do Irã, e acha que é preciso ganhar tempo para criar as condições para que "o próprio povo iraniano" se livre do atual governo, o que ele considera que "não está longe de acontecer".

A situação da política nuclear do Irã, tendo como pano de fundo a posição quase isolada do Brasil de insistir na possibilidade de negociação, evitando sanções econômicas, é um dos temas subjacentes da XXI Conferência da Academia da Latinidade, que busca num "novo humanismo" a saída para a possibilidade de um entendimento internacional.

Segundo Candido Mendes, sociólogo brasileiro secretáriogeral da Academia da Latinidade, esta conferência em Córdoba, na Espanha, é consequência de duas outras, uma em Oslo, "em que nos demos conta das limitações culturais da noção dos Direitos Humanos"; e outra no Cairo, "onde verificamos que está havendo uma renovação do sentido religioso, independentemente de sua guerra".

Como "o laicismo não é o desfecho da modernidade, como se pensava", Candido Mendes diz que é preciso encontrar que plataforma existe para além do laicismo e para além da guerra das religiões para retomar a ideia de um entendimento internacional. "Daí o novo humanismo".

Candido Mendes uniu o trabalho de uma década à frente da Academia da Latinidade ao do Grupo de Alto Nível da ONU para a Aliança das Civilizações, para o qual foi nomeado embaixador brasileiro, nessa busca do diálogo, mesmo que o consenso esteja cada vez mais difícil.

Para Candido Mendes, a posição brasileira em relação ao Irã está muito ligada à nova emergência internacional do país, que se desliga da América Latina e sabe que vai ter um protagonismo muito importante nos BRICs, especialmente em relação à Índia e à China.

"O Brasil quer se dissociar da Guerra Fria e da visão bushniana de 'países bandidos'". Para o sociólogo brasileiro, a posição do Brasil procuraria "abrir uma chance para que vença esta premissa".

A ideia de apoiar o Irã é, para ele, muito mais uma busca de uma posição excêntrica à dos "eixos do mal" do que qualquer outra coisa. Candido Mendes faz uma ressalva, porém: "Evidentemente que essa situação não pode chegar à bênção da violação sistemática dos direitos humanos".

A posição do governo iraniano no caso não se compatibiliza com a defesa dos direitos humanos, e o Brasil vai chegar até o ponto, na análise de Candido Mendes, de que as Nações Unidas ouçam a proposta nuclear iraniana e que, a partir disso, se entre numa certa lógica de concertação, e não de confronto.

"Acho que o Brasil esticou muito a corda, e estamos no limite. Os direitos humanos não são uma ideologia, e muito menos instrumento de dominação do Ocidente como a Síria tenta fazer crer", reforça Candido Mendes.

A posição mais próxima do consenso internacional do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, em Teerã, quando afirmou que o Irã tem que dar garantias à comunidade internacional de que seu programa nuclear não tem objetivos militares, parece ser uma mudança no sentido apontado por Candido Mendes.

Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da USP que participa da Conferência de Córdoba, tem posição semelhante, especialmente em relação aos direitos humanos: "Para mim, está muito claro onde discordo da política externa brasileira.

Globalmente, ela é positiva, e onde eu a critico mais é em relação a Cuba".

O professor Janine Ribeiro acha que o Brasil deveria ter tomado uma posição clara em relação aos direitos humanos em Cuba, "inclusive porque certamente o presidente Lula teria mais influência sobre Fidel Castro do que sobre o governante do Irã".

No caso do Irã, o professor da USP considera importante levar as negociações o mais longe possível.

Na questão latino-americana, Janine Ribeiro considera que Cuba é um assunto delicado porque "praticamente todo mundo é contra o bloqueio americano a Cuba, e boa parte das pessoas é contra a política de direitos humanos cubana".

No caso do Irã, entra o aspecto do Iraque. "A invasão dos Estados Unidos foi tão calamitosa que deixou um problema muito sério a qualquer ameaça do uso da força no Oriente Médio por parte dos Estados Unidos e seus aliados", avalia o professor da USP.

Embora considere positivo tentar o máximo de negociação possível, Janine Ribeiro não acha correto o presidente Lula dizer que toda oposição se queixa da vitória eleitoral, comparando os protestos da oposição iraniana aos de torcidas de futebol.

"Até acredito que seja possível que o presidente do Irã tenha sido eleito pela maioria, que no interior do país o presidente tenha tido uma votação majoritária.

Mas é inaceitável reprimir, ainda mais com a forca, pessoas que se manifestam contra lisura da eleição, mesmo que a eleição tenha sido legal".

Embora considere que o Brasil poderia ter posições mais duras do que tem tido, Renato Janine Ribeiro concorda com o governo brasileiro em que de fato temos que esgotar toda possibilidade de negociação.

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