O que houve foi um tiro no próprio pé desferido pelo triângulo - pouco amoroso e bastante pervertido - formado pelo Planalto, pelo PT e pelos partidos de aluguel que compõem a aliança governista. Perto de completar sete meses de estrondos quase diários, a crise de 2005 ainda está longe do fim.
Já provocou mudanças notáveis. Mudou o governo, os partidos, o Congresso (sobretudo a Câmara). Mudou (para pior) o comportamento do Poder Judiciário. Mudou (para melhor) o jeito brasileiro de olhar a corrupção. O país ficou menos complacente. É falsa a sensação de que tudo vai dar em nada. Embora devesse ser bem maior, o estrago já é de bom tamanho.
Foi implodido o "núcleo duro" formado pelos superministros José Dirceu, Luiz Gushiken e Antonio Palocci. O presidente Lula teve de adotar outros conselheiros. O preferido é o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Para quem lida com casos de polícia, nada melhor que um criminalista por perto.
A crise despejou de seus gabinetes o secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional, o presidente da Casa da Moeda, o presidente dos Correios, o presidente do Banco Popular, quatro diretores do Banco do Brasil, o procurador-geral da Fazenda. Outros figurões da República perderam o emprego.
No PT, com a degola de José Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio Soares, o comando da Executiva sumiu. Na Câmara, o bloco petista de esquerda filiou-se ao PSol. Outros partidos foram duramente afetados. Roberto Jefferson perdeu a presidência do PTB e o mandato. Waldemar Costa Neto continua na chefia do PL, mas teve de fugir do Congresso para escapar da cassação. O vice-presidente José Alencar trocou o PL pelo novo partido da bancada evangélica.
O presidente do PP, Pedro Correia, está na fila da guilhotina, ao lado do líder da bancada, José Janene. O senador Eduardo Azeredo foi forçado a renunciar à presidência do PSDB. Por cobrar "mensalinhos" de um dono de restaurante, Severino Cavalcanti foi expelido da presidência da Câmara. Por receber favores pecuniários do amigo Marcos Valério, seu antecessor João Paulo Cunha caminha para o cadafalso. José Borba deixou a liderança do PMDB e renunciou ao mandato.
"O Brasil consegue funcionar com três CPIs", orgulhou-se Lula. É preciso muita ladroagem para que três comissões do gênero funcionem simultaneamente. Alguns pecadores sofreram prejuízos consideráveis. Marcos Valério tenta evitar a falência. Duda Mendonça procura contratos na Bolívia para compensar a fuga de clientes brasileiros.
A crise resistiu nas manchetes a concorrentes poderosos. Não foi varrida sequer pelo furacão Katrina. E tão cedo não será desbancada. Antes de junho, a reeleição de Lula parecia tão certa quanto a mudança das estações. Hoje, pesquisas de opinião avisam que, na melhor da hipótese, Lula pode vencer uma luta feroz.
[29/DEZ/2005]