Começo de noite quieto, no Comando Especial de Proteção ao Cidadão. Talvez quieto demais, pensou o Inspetor-Chefe Brasílio, olhando o relógio. Já passava das nove, nenhuma ocorrência marcara o plantão até então modorrento e Brasílio, com um bocejo, se preparava para tomar um cafezinho, quando o telefone tocou e, por alguma razão, ele soube imediatamente que seria uma daquelas noites.
O telefonema era lacônico. Alguém falava rapidamente, ansioso por desligar, voz tensa, fôlego curto.
Tabagista em ação na Vila Madalena.
Dois tabagistas, aliás, ambos fumando um cigarro atrás do outro e desafiando as famílias presentes, num pequeno restaurante frequentado por boêmios e artistas.
Brasílio suspirou, fez um aceno para seu auxiliar. Sabia o que ia encontrar, delinquentes calejados e cínicos, capazes dos truques mais sórdidos para conseguir dar vazão a seus baixos instintos. Rumou para a porta apressadamente, sem nem parar enquanto pegava o paletó. Mas, já chegando à viatura, voltou. Esquecera o fio de prumo e foi com alívio que o enfiou no bolso, apalpando depois o volume com um tapinha.
Lá chegando, estacionou a viatura rente à calçada onde estavam os dois meliantes, a freada brusca fazendo os pneus cantar. Alguém os havia avisado da chegada do Comando e eles, cinicamente, saíram para a calçada para escapar ao flagrante, mas não contavam com a experiência de Brasílio. Não era, por assim dizer, seu primeiro tabagista.
— Freeze! — gritou Brasílio, apontando a arma e fazendo sinal para que Dedurão, seu auxiliar, segurasse imediatamente os malfeitores.
— Quer dizer, não se mexam! Reconheceu num dos dois fumantes o rosto pervertido de Joel Pitadinha, reincidente em praticamente todos os bares e restaurantes da Vila. O canalha sorriu insolentemente, à aproximação dos policiais e não esperou que lhe falassem.
— Eu estou na calçada — disse ele, cuspindo de lado.
— Ah-ha! — retrucou Brasílio. — Mas debaixo da marquise! Confusão, quase tumulto. Depois de algum esforço e com o bandido imobilizado exatamente no mesmo local onde se encontrava à chegada da viatura, o fio de prumo, pendurado na marquise acima da cabeça do infrator, deu seu veredicto implacável: tanto a brasa do cigarro quanto a boca e o nariz de Joel Pitadinha estavam claramente a 14 milímetros para debaixo da marquise. Quanto ao outro capturado, uns escandalosos 11 centímetros.
Enquanto os algemava, Brasílio pensou com certa melancolia em como logo Pitadinha estaria solto, para de novo tabaquear acintosamente, São Paulo afora.
Um irrecuperável — e Brasílio se perguntou mais uma vez se a prisão perpétua ou a pena de morte, em certos casos, não seriam indicadas, num triste, porém verdadeiro, reconhecimento da torpeza a que muitas vezes desce o ser humano.
Mas não pôde continuar a pensar, porque, assim que os tabagistas foram enfiados no camburão que convocara, o rádio da viatura emitiu seu chamado metálico.
Palmadista no Morumbi! Aparentemente fora de si, depois que seu filho de sete anos tocou fogo na caixinha onde guardara seus adaptadores de tomada raríssimos e irrecuperáveis e valendo uma fortuna no mercado negro de tomadas, um homem transtornado dera duas palmadas na criança, na presença de uma vizinha com quem brigara antes e que o denunciou. Brasílio se enfiou na viatura e pegou imediatamente o rádio. Precisava de reforços e foi com alívio que soube que Rocha Pirado, o psicólogo do Comando, estava a caminho.
Ao chegarem, o palmadista ainda se encontrava muito nervoso, segurando o filho pelo braço e ameaçando torcer-lhe a orelha, se os agentes do Comando se aproximassem.
Sim, tudo indicava que ele seria capaz desse ato extremo, do qual o menino podia jamais vir a recuperar-se, não convinha facilitar.
Mais um trabalho para Rocha Pirado, que, depois de uma série de manobras delicadas, conseguiu chegar perto do desesperado o suficiente para começar a lhe fazer uma série de perguntas. Depois de cerca de meia hora de trabalho, o homem cedeu. Se Pirado prometesse calar a boca, ele se entregaria, o que de fato aconteceu. Cabisbaixo, cobrindo o rosto com um casaco para evitar ser reconhecido, o palmadista foi recolhido, na companhia de sua esposa e cúmplice.
Brasílio olhou para o rostinho do menino socorrido. Agora ele ia ficar livre de torturas, sob os cuidados zelosos de uma instituição pública para menores, enquanto seus desorientados pais passariam uma temporada num manicômio judiciário, para exames e tratamento das perversões já diagnosticadas por Rocha Pirado. Só momentos como esse faziam valer a pena o sacrifício de ser um atribulado agente da lei.
Mas a vida não para, o crime não descansa e eis que o rádio chama novamente.
Do outro lado, o detetive Nuguete, com um recado macabro.
Restos de um hambúrguer meio mordido haviam sido achados numa escola em Perdizes. "Preparese", disse Nuguete. "Não é uma visão bonita." Brasílio suspirou outra vez. Já ouvira falar que os alunos daquela escola consumiam secretamente comidas proibidas e havia homens seus seguindo os passos da quadrilha traficante de jujubas que lá estava agindo. Entrou na viatura, ligou a sirene. No rádio, notícias sobre três assaltos com quatro mortos, dois atropelamentos por motoristas bêbedos com seis mortos cada e um sequestro relâmpago com um morto só.
Brasílio lembrou com orgulho que nada daquilo era de sua alçada.
"Comigo, tudo bem", pensou. "Comigo, o cidadão está protegido."
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, maio 30, 2010
O plantão do Inspetor Brasílio JOÃO UBALDO RIBEIRO
JOAQUÍN MORALES SOLÁ Historia de cinismos y persecuciones
Néstor Kirchner suele mostrar a sus oyentes privados encuestas que le dan a él un 31 por ciento de intención de votos para presidente. Son mediciones de dos agencias que han hecho tantos trabajos para el Gobierno como la cantidad de errores que han cometido. Ninguna empresa seria de mediciones de opinión pública llegó a semejantes cálculos. Kirchner suele juntar esas cifras y la monumental repercusión popular del Bicentenario para asegurar que está en condiciones de retener el poder. Exultante, describió un ministro el estado de ánimo en Olivos por las fiestas de Mayo.
Los Kirchner tienen, sin embargo, dos problemas. Uno consiste en que ni la historia ni la política son estáticas, sino dinámicas y cambiantes. El otro problema es insalvable porque reside en la comprobación simple de que la Argentina no está en Marte, sino en medio de un mundo acosado por crisis económicas y financieras implacables. Cualquier crisis de esas características se convierte en una pandemia con amplias secuelas en todos los recovecos del mundo. La Argentina está incluida.
La inestabilidad financiera que asedia esta vez a Europa ya ha hecho estragos en la economía y la política de muchos de sus países, cuando no en todos. La propia recuperación norteamericana es la convalecencia de un enfermo muy débil; el mismo Barack Obama influyó personalmente para que se concretaran los ajustes fiscales del español Rodríguez Zapatero. Una deducción es inevitable: la poderosa economía norteamericana podría trastabillar otra vez ante una crisis mayor de la economía de España. Así de interconectado está el mundo de hoy. Los Estados Unidos y Europa son receptores importantes de las exportaciones argentinas.
Rezagada por los estertores de una crisis inacabada, es probable que la economía mundial tenga el año próximo un crecimiento económico menor al previsto. Las exportaciones argentinas tendrán, por lo tanto, mercados más restringidos y los precios de las materias primas bajarán, aunque nada indica que se derrumbarán. Los mercados financieros están muy cautelosos; la Argentina no recibirá ningún crédito. En tiempos de oscilaciones, el dinero se vuelve conservador y sólo se detiene en la calidad de los deudores, que el país de los Kirchner no puede ofrecer. Ya tuvo una primera prueba: desaparecieron los 1000 millones de dólares frescos prometidos junto con el canje de la deuda en default, que tuvo un resultado magro.
La conclusión de todo eso es que la Argentina crecerá en 2011 a un ritmo menor al de este año, según el análisis de economistas privados y de organismos internacionales. Deben incluirse los propios desmadres locales. La impronta de los sindicatos está atizando el fuego de la inflación, pero también la desesperación del Gobierno por usar fondos del Estado, las reservas nacionales entre ellos.
Menor crecimiento, mayor inflación y la inseguridad jurídica que pulverizó las inversiones nacionales y extranjeras no construirán nunca una buena oferta electoral para ningún gobierno. ¿Creen los gobernantes que los argentinos votarán dentro de un año y medio influidos por la resaca del Bicentenario y no por los problemas cotidianos de entonces? Si esa fuera la ilusión del oficialismo, entonces no ha hecho ningún esfuerzo para comprender las históricas reacciones sociales.
Aquellos problemas podrían agravarse por dos razones. Nadie descarta, por un lado, un giro más dramático aún de la crisis internacional. Y, por el otro, la Argentina no ha resuelto, más que con palabras cargadas de hipocresía, su último diferendo comercial con el mundo. Las señales que llegan de Europa por las trabas argentinas a las importaciones de alimentos son alarmantes: Quieren sangre, exageró un funcionario argentino que escuchó esos mensajes. Brasil podría empezar por cerrarles las puertas a las exportaciones argentinas de aceitunas en conserva, que van casi totalmente al país vecino y que benefician a gran parte de la economía del norte argentino. Los europeos prometieron enfurecerse aún más si hubiera sólo una solución para Brasil y no para el resto de los países.
Lo que ofende es el cinismo. La frase corresponde a un importante funcionario de Brasilia. Se refería al discurso de la Presidenta que ratificó que no existen ni existieron trabas para la importación de alimentos. Las compras argentinas de alimentos se redujeron a cero en las últimas semanas. Esa es la realidad, aunque no exista ningún papel firmado por nadie en Buenos Aires, argumentaron en Brasil. Los europeos padecen los mismos efectos de la clandestinidad del Estado argentino: no pueden hacer denuncias ante la Organización Mundial del Comercio porque no cuentan con la prueba de ningún papel oficial argentino.
La hipocresía tuvo anécdotas memorables. El gobierno argentino está frenando un envío de duraznos en almíbar de Grecia. Las exportaciones argentinas de alimentos a Grecia duplican las importaciones de ese país, castigado por una durísima crisis económica y social. La Presidenta viene de una cumbre en Madrid donde lloró por la crisis griega y culpó al capitalismo de esos estragos en la tierra de Aristóteles. Ya en Buenos Aires, despachó con increíble frialdad a los griegos y a su comercio.
Los frenos colocados clandestinamente por Guillermo Moreno deberían comenzar a funcionar pasado mañana. Fueron aprietes verbales a los supermercados y órdenes, también verbales, a los organismos sanitarios que deben autorizar las importaciones. Ningún decreto, ninguna resolución, ningún informe al Congreso sobre los cambios producidos de hecho en la política de comercio exterior del país. ¿Acaso el otrora prestigioso Indec no cayó también abatido por esas formas nuevas de la vieja clandestinidad?
Dicen que el Gobierno podría devolver a Moreno a su casa para reconciliarse con la clase media después de la algarabía del Bicentenario. Difícil. Moreno no es una reciente decisión errónea de la administración. Lleva siete años con los Kirchner y sólo ejecuta, ciego y sordo, las instrucciones del matrimonio presidencial. Cuando se vaya Moreno, ¿se quedará Kirchner?, preguntó irónico un legislador oficialista. Dicho de otro modo: ¿qué sentido tendría sacar a Moreno si Kirchner, jefe e inspirador de aquel, continuara como jefe político del Gobierno?
Amado Boudou podría ser reemplazado por Débora Giorgi cuando el actual ministro de Economía haya demostrado lo que ya es evidente: su absoluto fracaso. Giorgi, sumisa y disciplinada ante los humores de Cristina Kirchner, viene trabajando desde hace rato en una reunificación de toda el área económica de la administración. Cristina nunca se empalaga ante esas pruebas de lealtad incondicional de la ministra y le devuelve los gestos a Giorgi con referencias a ella hasta cuando no necesita hablar de ella.
Los Kirchner no hablan del futuro. No existió el porvenir en ninguna expresión del Bicentenario. Su pelea permanente es con la historia en un incesante combate cultural. Luchan por instalar una visión ideológica de las luchas armadas de los años 70, por el predominio de políticas económicas de los años 50 y, ahora, por ganarle la batalla al Centenario de 1910.
En ese contexto de un pasado omnipresente debe incluirse el proceso judicial de ultraje y vejación que sufrieron los jóvenes Herrera Noble, hijos de la directora de Clarín. Aun cuando fueran víctimas de las violaciones de los derechos humanos en los 70 (lo que no está probado), ¿por qué los sometieron a un proceso de acoso y persecución propio de victimarios? ¿Por qué la humillación humana a personas que no hicieron nada?
El derecho a la verdad del pasado, que existe, no es más importante que el derecho a la intimidad de las personas en el presente, que también existe. La Justicia no está habilitada, además, para ordenar la cacería y el maltrato de ningún argentino inocente.
SUELY CALDAS -Um projeto para a Previdência
E-mails e comentários de leitores sobre o artigo A Previdência e os candidatos, aqui publicado em 23/5, me levam a voltar ao tema. Alguns deles criticam o silêncio dos candidatos nesta campanha; outros lembram os velhos devedores do INSS - empresas e clubes de futebol - que Lula e o PT diziam bastar executar para acabar com o rombo da Previdência, mas nem sequer os cobraram ao chegar ao poder; e todos denunciam: o trabalhador e o aposentado são penalizados por meio século de corrupção, erros e omissão dos governantes.
Destaco mensagem do leitor Antonio Carlos Franco, de Guaratinguetá (SP), que recupera interessante proposta cogitada no governo FHC, depois descartada e esquecida, mas que parece ser a solução capaz de resolver em definitivo o dilema da Previdência. E com vantagens: minimiza o prejuízo ao trabalhador atual e equilibra financeiramente o sistema, evitando rombos no futuro. Por trabalhar a vida toda em Recursos Humanos, Franco se diz um apaixonado pelo assunto e parece conhecê-lo a fundo. Ele divide a Previdência entre os que já estão em atividade e os que ainda ingressarão no mercado de trabalho. Para os novos, ele propõe mudar o sistema por completo, substituindo o atual regime de repartição (pelo qual o trabalhador da ativa paga o benefício do aposentado) pelo regime de capitalização - uma novidade desconhecida do trabalhador comum, mas usada no Brasil por fundos de pensão de empresas.
Concebido no primeiro mandato de FHC, o regime de capitalização funcionaria assim: as contribuições do trabalhador e do empregador seriam depositadas mensalmente numa conta personalizada no banco escolhido pelo segurado e por ele controlada por meio de cartão magnético. Os depósitos se acumulariam ao longo de 30, 40 anos de vida ativa e o saldo seria capitalizado, ou seja, aplicado, segundo regras do mercado, em títulos públicos e outras aplicações fiscalizadas pelo Banco Central. Como ocorre hoje com o FGTS, o trabalhador poderia acompanhar sua conta por meio do cartão magnético, mas só começaria a sacar o dinheiro a cada mês quando se aposentasse. O valor da contribuição ao INSS seria calculado de acordo com a renda salarial e o valor do benefício, definido a partir do total do saldo de sua conta e a expectativa de vida após a aposentadoria. A proposta define alguns princípios básicos:
caberia ao INSS administrar o sistema e as contas bancárias dos segurados;
o novo regime valeria para todos os trabalhadores - públicos, privados e militares - que ingressarem no mercado de trabalho após a reforma;
para os já aposentados nada muda. E para os atuais ativos haveria regras de transição baseadas na idade mínima e no tempo de contribuição;
e haveria proteção previdenciária em regime especial para trabalhadores com renda de até 2 ou 3 salários mínimos.
São muitas as vantagens das mudanças. As principais: por definição, o sistema equilibra financeiramente a Previdência, anulando rombos futuros; acaba com os privilégios do funcionalismo público, tornando todos os trabalhadores iguais, como manda a Constituição; e educa o trabalhador a poupar e fiscalizar o que é seu, além de tirá-lo do escuro: com o cartão magnético, poderá controlar sua conta e denunciar ao INSS se o empregador não recolher sua contribuição.
Mas há uma enorme desvantagem na capitalização, que impediu sua adoção em 1996: o problema do futuro é resolvido, mas cria-se um gigantesco déficit no presente. É o seguinte: como as regras da nova Previdência não permitem que o dinheiro gerado pelos novos segurados continue financiando o pagamento dos já aposentados, como ocorre hoje, é criado um rombo no presente, calculado em 1996 entre 2% e 4% do PIB.
Mas hoje é diferente, há uma saída: se o Tesouro não dispõe de recursos, o próximo governo pode decidir usar o fundo do petróleo do pré-sal para cobrir o buraco, como fez a Noruega com seus aposentados. Falta fazer os cálculos, mas vale a pena tentar resolver de vez a interminável novela da Previdência.
DORA KRAMER Aos trancos e barrancos
MERVAL PEREIRA Os caminhos do poder
Para vencer a eleição presidencial, é preciso "discurso e máquina". A definição é do cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC do Rio, que está lançando pelas editoras PUC e Vozes o livro "A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 19892006", um estudo, com uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses, sobre as últimas cinco eleições presidenciais brasileiras e os caminhos que os partidos percorreram para chegar ao poder.
O pragmatismo que tomou conta historicamente da campanha eleitoral para presidente fará, segundo ele, com que tanto Dilma Rousseff, do PT, quanto José Serra, do PSDB, tenham que fazer alianças com políticos mal vistos pela opinião pública.
Até o momento, lembra Romero Jacob, as máquinas partidárias que atuam sobre as "estruturas de poder" existentes — as oligarquias nos grotões, os pastores pentecostais, os políticos populistas na periferia e a classe média urbana escolarizada — não estão em campo, mas fazendo os acordos políticos nos bastidores.
E são acordos que não envolvem ideologia, mas capacidade de ação partidária.
Somente em julho, após "os acordos feitos, dinheiro em caixa, marqueteiros contratados", é que as máquinas entrarão em ação.
Mas Romero Jacob salienta que trabalhar essas estruturas de poder não é o suficiente para eleger um presidente da República.
"Ter um cabo eleitoral lá no grotão é importante. Em 1994, Fernando Henrique teve 95% dos votos em Mamonas, na divisa de Minas com a Bahia. Mas há os fatores políticos fundamentais, como a conjuntura econômica atual, a popularidade do Lula, que são pontos fortes para a candidatura da Dilma Rousseff", analisa.
Mas ele também destaca como fraqueza a falta de experiência de disputa eleitoral de Dilma.
Romero Jacob compara o que está acontecendo com a candidata oficial ao que aconteceu com Lula em 2002: "Com Lula houve um 'reposicionamento de marca', saiu o operário radical de macacão e entrou o Lulinha Paz e Amor. A Dilma está tendo a imagem reconstruída ao vivo e a cores, física e politicamente.
O que vai prevalecer na percepção do grande público?", pergunta.
Ao contrário, o candidato tucano José Serra tem a força da experiência política e administrativa, mas tem uma fraqueza de discurso.
Romero Jacob explica: "Ele tentou em 2002 ser o candidato da 'continuidade sem continuísmo', uma mensagem ambígua. Hoje, ele continua ambíguo, uma espécie de oposição sem oposicionismo".
Para Romero Jacob, o candidato do PSDB está testando "o pós-Lula ou o anti-Lula".
A disputa tende a ser muito acirrada entre os dois, o que provocaria uma redução de votos da senadora Marina Silva, do Partido Verde.
A polarização entre PT e PSDB nas eleições presidenciais a partir de 1994 leva o cientista político Romero Jacob a não acreditar na viabilidade de uma terceira via eleitoral.
Seus estudos demonstram que não há nada em comum entre os terceiros colocados nas cinco eleições presidenciais.
Em 1989 foi Brizola, com 16% — com votos basicamente no Rio e Rio Grande do Sul; em 1994, Enéas, com 7% dos votos.
Segundo os mapas, os votos em Enéas foram conseguidos principalmente na periferia metropolitana, um voto que Romero Jacob define como "de protesto das viúvas do Collor", parte do eleitorado que, depois de 29 anos sem eleição, teve a decepção com um presidente destituído pelo impeachment e acusado de corrupção.
Um eleitorado de escolaridade mais baixa que encontrou em Enéas a maneira de demonstrar sua insatisfação.
Em 1998, o terceiro colocado foi Ciro Gomes, com 12%; em 2002, foi Garotinho, que é outro fenômeno, ligado aos evangélicos. Em 2006, a senadora Heloisa Helena, representando "as viúvas do Lula", segundo Romero Jacob. Um eleitorado petista que descobriu que a Carta ao Povo Brasileiro de Lula em 2002 era para valer, e se decepcionou com isso.
Na eleição deste ano, Romero Jacob acha que a senadora Marina Silva, candidata do Partido Verde à sucessão de Lula, corre o risco de reduzir seu eleitorado devido à polarização.
Para ele, a causa ambiental sensibiliza principalmente a classe média urbana escolarizada: "Consumo consciente é para quem já foi incorporado ao mercado de consumo. As classes C, D e E querem mais é consumir, não estão preocupados com os efeitos no meio ambiente".
Mesmo se Marina, que é evangélica, se transformasse na opção eleitoral desse segmento, Romero Jacob acha que a rejeição a um candidato marcado por essa definição é muito alta.
O livro de Romero Jacob demonstra, com análises da chamada "geografia eleitoral" dos candidatos, que tanto Collor quanto Fernando Henrique e Lula venceram com estratégias semelhantes, e que Lula passou a atuar nos mesmos territórios eleitorais que Fernando Henrique depois de ter perdido três eleições em que colocou a ideologia à frente do pragmatismo.
A mudança do arco de alianças do PT em 2002, que era sempre com PDT, PCdoB, PSB e foi se ampliar para receber o PL com a chegada de José Alencar para compor a chapa como vice de Lula, refletiuse imediatamente na sua "geografia eleitoral".
A votação de Lula caiu no Rio Grande do Sul, porque Brizola apoiou Ciro Gomes, e no Rio de Janeiro, por causa de Garotinho. Mas cresceu no Tocantins, no oeste da Bahia, no Maranhão, revelando as negociações com setores das oligarquias.
Segundo Romero Jacob, esses números não refletem um crescimento do PT, mas a adesão das oligarquias a Lula. Em 2006, Lula e Alckmin fazem uma campanha pragmática.
A geografia eleitoral de Lula sofre outra mudança. Já se vê a influência dos programas assistencialistas como o Bolsa Família, com o aumento da votação do petista no Nordeste e na Amazônia.
MÍRIAM LEITÃO Barrados na porta
Empresas reclamam de apagão de mão de obra.
Brasileiros qualificados procuram emprego. São barrados por não terem experiência, ou por serem mais velhos, ou por não passarem nos burocráticos padrões de recrutamento. As empresas perdem chance por discriminar. Falamos com desempregados e empresas para entender as contradições do mercado de trabalho.
Fomos a campo usando as ferramentas das novas mídias.
Postamos no Twitter convites para que as pessoas com qualificação mas sem chance no mercado de trabalho contassem as suas histórias.
Gravei um vídeo fazendo o mesmo convite, postei no blog, e foi chamado no site do Boa Chance. Alvaro Gribel, Valéria Maniero e eu recebemos as histórias e conversamos diretamente com alguns. Postamos casos no blog. Em quatro dias, recebemos mais de 200 e-mails e 150 comentários.
Márcio Felipe é técnico em informática, com experiência em empresas no Brasil e em Portugal. O setor de TI nos disse que tem carência de 100 mil pessoas. Ele procura diariamente emprego e não encontra. O que está errado com ele? Dizem que é a idade: tem 45 anos. Mariana Cordeiro tem 28 anos, é formada em marketing há seis anos e, durante esse período, está procurando emprego. Mesmo sendo contra "panfletar" currículo, ela se cadastrou num site especializado que enviou suas informações para 7.234 empresas.
Recebeu três respostas, mas sempre acabou ouvindo aquele desanimador: "você não tem o perfil": — Se os recrutadores dessem retorno, eu poderia saber em que estou errando.
Ela continuará procurando e diz que se as empresas soubessem "da disposição e desejo de várias pessoas como eu, pensariam duas vezes antes de simplesmente descartar nossos currículos".
Renato Teixeira é engenheiro de transportes, tem 35 anos de experiência, como o de ser diretor de Planejamento do Metrô do Rio.
Não consegue emprego porque tem 58 anos. Lucas Camilo formou-se em publicidade, está fazendo um MBA na FGV, mas não consegue o primeiro trabalho. Dizem que ele não tem experiência.
Eduardo Azevedo é engenheiro eletrônico, com pósgraduação na Coppe em sistema Offshore, faz mestrado na UFRJ em engenharia naval.
Trabalha em TI, mas seu sonho é trabalhar na área de petróleo. Ele não consegue.
O engenheiro Newton Amaro tem cursos de pós-graduação, 25 anos de experiência, mas se diz barrado pela idade: 49 anos. No Twitter, vários nos informam que as empresas em geral exigem 35 anos como idade máxima. Muita gente não consegue sequer enviar currículo porque as empresas estabelecem essa idade como limite. Quem tem 37 anos já seria "velho".
Atualmente, os jovens ficam mais tempo estudando, começam a procurar emprego mais tarde, aí são barrados por não terem ainda começado a trabalhar. Um me disse que aos 29 anos foi declarado "velho" numa seleção.
Alguns se formaram num período em que o mercado de trabalho estava pior no Brasil. Foram para fora, hoje tentam voltar e não conseguem, apesar das habilidades valiosas adquiridas no exterior, entre elas, o domínio de idiomas.
Oswaldo Cechinel ouve sempre elogios ao seu currículo e aos seus 20 anos de experiência em cargos de gerência de empresas brasileiras e estrangeiras. Mas não tem chance porque tem 64 anos. Ele não se sente velho e acha sua experiência valiosa: — Já tentei negociar salário, mas há muita discriminação contra a idade.
Em Tocantins, Fernanda Souza do Nascimento, 28 anos, saiu da faculdade de administração de empresas com mil planos na cabeça. Já enviou currículos para vários tipos de empresas, mas recebe sempre a mesma resposta: não tem experiência: — As empresas querem um profissional pronto, assim fica difícil encontrar alguma coisa.
Barrados por terem idade demais, barrados por não terem experiência, recusados pelo critério burocrático de idade máxima de 35 anos, milhões de brasileiros estão neste momento cumprindo a mesma rotina: acordar de manhã, pesquisar os empregos, mandar currículos, aguardar ansiosamente resposta, se animar com alguma possibilidade de entrevista e ouvir do recrutador que seu perfil não é o que a empresa quer.
Isso vai demolindo a autoconfiança e eles começam a achar que fizeram a escolha errada, ou têm algum problema que não perceberam.
Não há nada de errado com esses brasileiros. Nas muitas respostas que recebemos o que fica claro é que a empresa faz exigências descabidas, constrói barreiras desprovidas de sentido.
Neuri dos Santos, com mestrado em química, manda diariamente currículos para empresas, mas até agora nunca conseguiu um emprego com carteira assinada.
Só trabalho temporário num laboratório de uma universidade: — Às vezes dizem que sou muito qualificado para a vaga. Outras vezes perdi oportunidades por causa da idade. Não é porque eu tenho 37 anos que eu não posso continuar crescendo na profissão.
Conversamos com os departamentos de pessoal de algumas empresas. O grupo Randon disse que tem 500 vagas em diversas áreas, 5% de engenharia e nível técnico que estão há 80 dias sem preenchimento. O cenário é o mesmo na Atlas Schindler, onde a convicção é que faltam técnicos no Brasil. A mesma queixa ouvimos na Fosfértil. Um mês atrás fizemos a mesma busca em vários setores e ouvimos as mesmas queixas.
O país está crescendo, o mercado de trabalho está dinâmico, essa é a hora de as empresas abrirem suas portas, sem preconceitos.
Hoje, já se sabe que a diversidade é elemento essencial para a formação de uma boa equipe. O Brasil está reclamando de apagão de mão de obra com oito milhões de desempregados
GAUDÊNCIO TORQUATO Reforma do Estado? Viva!
O debate com os presidenciáveis promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília, apesar de referências a apagões feitas pelos três principais candidatos à Presidência da República, foi muito aceso. E apesar de pequenas estocadas e do uso de abordagens diferentes entre eles para expressar o mesmo corpo de ideias, o que faz parte do aparato para reforço de identidade, registraram-se saudáveis convergências. A visão comum, por exemplo, sobre a necessidade de um choque de planejamento e gestão na administração federal (José Serra), a adoção da meritocracia e do profissionalismo no serviço público (Dilma Rousseff) e o argumento de que o apagão de recursos humanos vivido pelo País está a exigir a ampliação da base de conhecimento e de tecnologia (Marina Silva). A estreita relação entre as três sugestões indica preocupação com a eficiência do Estado brasileiro, cuja performance ao longo dos últimos governos se tem mostrado defasada em relação ao escopo de modernização que se pode distinguir em muitos setores da vida produtiva.
Quem se der ao exercício de contemplar a fisionomia nacional vai deparar com imensos contrastes. Há ilhas de excelência no meio de territórios feudais; há avanços de tecnologia de ponta ao lado de muralhas do passado; na própria seara da administração pública, uma burocracia altamente profissionalizada convive com largas fatias do mandonismo político, a denotar o esforço de uns para olhar adiante sob o solavanco de outros que teimam em olhar para trás. Por conseguinte, se há uma reforma que pode ser chamada de mãe de todas as outras, antes mesmo da área política, como normalmente se tem propagado, é a reforma do modelo de operação do Estado. Redimensionar a estrutura do Estado, conferindo-lhe dimensão adequada para a obtenção de eficácia, significa mudar comportamentos tradicionais, racionalizar a estrutura de autoridade, reformular métodos e, ainda, substituir critérios subjetivos e ancorados no fisiologismo por sistemas de desempenho.
A meritocracia é o instrumento adequado para oxigenar, qualificar e expandir a produtividade na administração. Esse conceito tem sido recorrente no discurso de tucanos como Serra e Aécio Neves, mas o próprio PT, nas diretrizes do programa de governo de sua candidata, defende o serviço público de qualidade, "submetido a processos meritocráticos de seleção e promoção". Saudável é essa referência, porquanto se sabe da prática que se adota para preenchimento de cargos públicos. As levas de indicações partidárias acabam contribuindo para inchar estruturas, expandir a inércia e as teias de interesses escusos. A proposta começa com a substituição de milhares de cargos comissionados por uma carreira de Estado, à semelhança do que existe em sistemas parlamentaristas, nos quais quadros permanentes, qualificados e motivados são imunes às crises políticas. Mudam-se os dirigentes, mas as equipes continuam comandando a gestão pública.
Os males da administração pública advêm da errática mentalidade de seus ocupantes, para quem o modus operandi deve espelhar a visão (caolha ou fisiológica), e não as necessidades sociais. Consideram-se donos do pedaço que lhes coube na partilha do poder, não se sujeitando à ordem do mercado nem às leis da livre concorrência, como ocorre na iniciativa privada. Da burocracia comprometida com o mérito deverão ser cobrados resultados dentro de metas preestabelecidas, reconhecendo-se as qualidades de cada perfil e implantando um modelo de premiação e promoção para motivar as equipes. Não será tarefa fácil alterar a fisionomia da administração pública. O atual sistema de loteamento faz parte da velha cultura patrimonialista, que permeia as três instâncias federativas. Parte-se do princípio de que o governante, ao chegar ao poder, como forma de garantir as condições de governabilidade, terá de repartir espaços de Ministérios e autarquias pelos partidos, de acordo com o tamanho e influência de cada ente. Como mudar tal sistemática sem ferir brios e perder apoio no Congresso? Como acabar com o loteamento político de cargos, como defende José Serra?
A resposta a essa questão envolve uma hipótese levantada por Marina Silva, que pode ser traduzida na falta de recursos humanos adequados para tornar o Estado eficiente. Esse parece ser o cerne do problema. Sem quadros, qualquer reforma fenecerá. O fortalecimento das áreas de formação, reciclagem e aperfeiçoamento de recursos humanos, voltadas para a operação do Estado, deve ser prioridade. Essas ideias parecem consensuais não apenas entre os três pré-candidatos, mas entre grupos de bom senso da própria administração pública. E por que não se aplicam? Por assimetria à lógica da organização do poder no Brasil. Como se sabe, quem dá o tom é a orquestra patrimonialista, para onde os integrantes são indicados pelos senhores do mando. O círculo vicioso da política gira mudando figuras e mandos, mas não o sistema. Há poucas brechas para se avançar. Mas é possível, sob pressão intensa da sociedade, fazer fluir oxigênio novo. Quando ideias transformadas em projetos chegam ao Congresso sob o empuxo social, ganham repercussão e acabam entrando em pauta.
Foi assim que ocorreu com situações que caracterizam o ingresso do Brasil na modernidade: a pesquisa com células-tronco, a aprovação do Projeto Ficha Limpa e a Lei Maria da Penha, de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras. Acontece que assuntos áridos como as reformas do Estado, tributária e política só vão adiante caso recebam a atenção do centro do poder. Ou mobilizem os partidos. Só dessa forma a roda viciosa da política poderá jogar a reforma do Estado na mesa do mandatário. De qualquer modo, já há motivo para o primeiro regozijo: compromisso assumido no palco eleitoral pelos pré-candidatos acena com a viabilidade de se mexer na estrutura do Estado. Viva!
sábado, maio 29, 2010
A Santa Sé também erra José Márcio Camargo
Desde o início do governo Fernando Henrique o BC tem autonomia de fato. Suas decisões são tomadas por seus diretores, supostamente com base em análises técnicas sobre a trajetória da inflação, sem interferência direta do presidente da República. Nos primeiros anos após a estabilização em 1994, que tinha como principal suporte a âncora cambial, as discussões se concentravam na manutenção de uma taxa de câmbio constante. Após a flexibilização da taxa de câmbio e a adoção do regime de metas para inflação em 1999, o debate se deslocou para o valor da taxa de juros real. Apenas uma vez, nessa transição da âncora cambial para o regime de câmbio flutuante, o presidente da República interferiu diretamente na atuação do BC.
A ideia de que os bancos centrais devem tomar suas decisões de política monetária de forma autônoma, sem interferências, não se baseia em uma suposta infalibilidade de seus diretores. Afinal, os bancos centrais erram e seus erros podem ser bastante custosos para a sociedade. A origem da atual crise, por exemplo, foi a decisão do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), de manter taxas de juros reais negativas, por um longo período de tempo, no início dos anos 2000. Como resultado, os bancos passaram a tomar risco excessivo para manter seus lucros, os consumidores se endividaram além do que podiam suportar e se desenvolveu uma bolha no mercado imobiliário americano que, quando furou, levou ao aumento da inadimplência, falências bancárias e ao colapso do mercado de crédito, que gerou a recessão do final de 2008 e início de 2009.
Apesar da falibilidade dos BCs, existe alguma evidência empírica mostrando que países que têm bancos centrais realmente autônomos (que tomam suas decisões de política monetária com base em análises técnicas, sem interferência política) tendem a ter taxas de inflação menores do que os que não os têm. Isso porque a autonomia do banco central gera uma estrutura de incentivos mais propícia à estabilidade monetária do que uma situação na qual as decisões do BC são dependentes de aprovação do presidente da República.
A razão é simples. O Poder Executivo, com aprovação do Congresso, define o Orçamento da União, ou seja, a carga tributária e o total dos gastos do governo. Como consequência, o presidente da República tem uma enorme influência sobre a decisão de o governo adotar ou não uma política fiscal que mantenha os gastos em níveis compatíveis com as receitas governamentais. Se os gastos forem maiores que as receitas, o governo terá déficit fiscal, e vice-versa. Déficits fiscais podem ser financiados de duas formas: pela emissão de moeda, que somente o BC pode fazer, ou pela venda de títulos públicos.
O custo de financiar os déficits fiscais com a venda de títulos da dívida é a taxa de juros que o governo paga para vender esses títulos aos poupadores. E, em linhas gerais, a taxa de juros aumenta com o tamanho da dívida pública e, portanto, com o déficit fiscal, o que reduz o crescimento. Por outro lado, o custo de financiar os déficits públicos via emissão de moeda é um aumento da inflação no futuro. Nesse caso, o aumento do gasto público tende a gerar mais crescimento no presente ao custo de maior inflação no futuro.
Um presidente que consiga controlar a política fiscal e a política monetária terá todo o incentivo para financiar os aumentos de gastos via emissão de moeda, principalmente nos períodos imediatamente anteriores às eleições. Por outro lado, no caso em que o banco central toma suas decisões de forma autônoma, pelo menos teoricamente, seus diretores terão o incentivo a fazê-lo levando em consideração suas análises das condições dos mercados de bens e serviços e das expectativas para a inflação.
Incentivos corretos não garantem decisões corretas, mas aumentam a probabilidade de que isso aconteça. Se o presidente do BC é hierarquicamente dependente do presidente da República e suas decisões têm que ser submetidas e aprovadas por ele, a probabilidade de que os interesses políticos se sobreponham às necessidades técnicas de manter a inflação baixa se torna muito elevada. O resultado é mais inflação. Afinal, ninguém é infalível, nem mesmo o presidente da República, apesar de alguns acreditarem no contrário. Aliás, até mesmo a Santa Sé erra, como poderiam testemunhar as vítimas da inquisição.
É professor do Departamento de Economia da PUC/RIO e economista da OPUS gestão de recursos
Decisão é na urna Míriam Leitão
Uma das dúvidas mais instigantes da eleição presidencial este ano é até que ponto um presidente popular como Lula consegue transferir votos para sua candidata. No Chile, uma presidente popular não conseguiu eleger seu candidato. A eleição de amanhã na Colômbia é outro teste. Há especialistas dizendo que o pleito brasileiro já está definido. Respeito demais o eleitor para concordar.
A dinâmica de um processo eleitoral é sempre imprevisível. O presidente Álvaro Uribe tem alta popularidade, mas seu candidato Juan Manuel Santos chega à reta final da campanha empatado nas pesquisas de intenção de voto com Antanas Mockus, do Partido Verde. Por que a popularidade de Uribe não foi suficiente?
O ex-vice-ministro do Planejamento colombiano Alejandro Gaviria, entrevistado no blog, explica que popularidade presidencial é patrimônio pessoal, nem sempre transferível:
- Em um mundo com partidos débeis, a popularidade presidencial é pessoal. Santos representa a continuidade das políticas, mas seu estilo é muito diferente do estilo do presidente Uribe. A opinião pública reconhece as conquistas de Uribe, mas não quer só continuidade, demanda também uma mudança nas políticas sociais e medidas contra a corrupção.
Michelle Bachelet tinha a mais alta popularidade presidencial na América Latina e seu partido perdeu a eleição. Ela agiu como um magistrado no processo eleitoral. Aqui no Brasil, o presidente Lula tem desrespeitado as regras de separação entre o governo e a campanha da sua candidata. Recebe multas e as desdenha. Esse envolvimento está sendo reforçado pela melhora do desempenho da pré-candidata Dilma Rousseff nas pesquisas.
Ao contrário do caso da Colômbia, descrito por Gaviria, aqui o PT não é um partido débil. Porém, ele foi atropelado pelo presidente Lula, que impôs sua escolha no velho estilo mexicano da era do PRI, em que cabia ao presidente escolher o candidato à sua sucessão.
No Brasil, há também uma candidata do Partido Verde que já está com 12% das intenções de voto, mas não se pode fazer um paralelo com o caso colombiano. Segundo Gaviria, Mockus não é exatamente ambientalista, o partido é ambíguo sobre bandeiras que para Marina Silva são consistentes. Lá, ele focou no combate à corrupção e na luta por transparência. Até o fato de admitir publicamente que tem mal de Parkinson o alavancou nas pesquisas. Ele pode perder a eleição, mas Mockus já foi muito além do que se previa que ele iria.
Na Colômbia, a insatisfação com 12% de taxa de desemprego e 60% de informalidade atenuam o efeito da popularidade presidencial, que é baseada no fato de que Uribe enfrentou os narcotraficantes das Farc e reduziu a criminalidade. Nada disso é possível transpor para o Brasil. Aqui, a informalidade é alta, mas caiu; o desemprego está em queda; o país está crescendo forte depois da recessão de 2009. E aqui, felizmente, não há movimento terrorista como há na Colômbia há décadas.
Os países são diferentes, mas em sistemas políticos democráticos é inevitável que haja surpresas e inesperados. Por isso, é tão espantoso que alguns cientistas políticos, ou especialistas em pesquisa de opinião, estejam garantindo mais de quatro meses antes das eleições que o resultado já está definido em decorrência da popularidade presidencial.
O ex-ministro da Fazenda da Colômbia Juan Camilo Restrepo dá os números: a popularidade de Uribe é de 70%, a intenção de votos em seu candidato é de 35%:
- Vai certamente para o segundo turno, mas a eleição não está garantida.
Ele acha que Mockus é um fenômeno ainda mal entendido, porque ele já foi candidato em outras vezes sem ter o mesmo desempenho. Restrepo conta que há um grande desconforto no país com métodos policiais abusivos no governo Uribe. É uma situação ambígua: eles valorizam o resultado alcançado, de maior segurança, mas ao mesmo tempo estão cansados de coisas como paramilitares e escutas ilegais por organismos de segurança. Reforma tributária foi tema de campanha. Santos garantiu que não elevará os impostos, Mockus disse que será inevitável elevá-los.
O jornalista Gerardo Quintero Tello, do "El País" da Colômbia, explicou assim a dissonância entre aprovação de Uribe e a intenção de voto em seu candidato:
- Apesar de ser o ungido pelo presidente, o ex-ministro da Defesa não tem as mesmas origens, nem o mesmo carisma, nem as mesmas ligações que o atual presidente tem com a maioria dos cidadãos. Santos representa a elite de Bogotá, tem pouco contato nas áreas não urbanas.
O jornalista explica que Mockus tem a vantagem de ser um bom administrador como ex-prefeito de Bogotá, fez uma aliança com Sérgio Fajardo, que também teve sucesso como administrador de Medellin e conduziu uma campanha renovadora do cenário político:
- Mockus representa uma reserva moral num país estupefato diante das práticas corruptas da política.
O analista político Camilo González Posso disse que Santos tem o apoio dos uribistas radicais que sempre foram em torno de 33%. Acha também que Mockus atraiu a juventude com a possibilidade de mudança. Ele acredita que há rejeição ao modelo econômico de Uribe construído em cima de muito subsídio para setores econômicos fortes.
Cada país é um país e os fenômenos políticos são distintos, mas há uma questão que não muda: o eleitor é que escolhe em quem votar e ele normalmente surpreende os analistas. Se não fosse isso, nem precisaria de eleição, bastavam as pesquisas. As entrevistas podem ser lidas em meu blog: http://www.miriamleitao.com/.
NELSON MOTTA Mundo animal
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(Como parte dos deveres e prazeres de um avô, levei minhas netas ao Jardim Zoológico, o mesmo que me encantara na infância. Na saída, elas estavam meio decepcionadas, e o avô deprimidíssimo. Os grandes felinos, atração máxima, dormiam prostrados, uns na toca e outros no fundo da jaula. Pareciam dopados, mas me disseram que os tratadores lhes antecipam o almoço para que apaguem e não se perturbem com as multidões de crianças e adultos gritando em frente ao cativeiro. Elas querem ação, e os pobres grandes felinos só querem dormir, talvez sonhar que estão numa savana africana correndo atrás de antílopes. O velho elefante empoeirado balançava a tromba em desalento. O hipopótamo, talvez com vergonha, estava enfiado no seu abrigo e exibia só a traseira descomunal. Dois pinguins tinham sido comidos, na véspera, por enormes e ferozes cães vira-latas, vindos das matas e favelas vizinhas. Mais ferozes e malandros do que as feras enjauladas, cavaram um túnel sob a cerca e devoraram as aves. O que há de educativo em ver bichos tristes e humilhados, expostos à visitação pública? É uma perversão do que se vê nos espetaculares documentários da televisão, onde realmente se aprende sobre os animais - e sobre nós mesmos. Os parques abertos, tipo Kruger ou Simba Safari, são mais humanos para os animais, que vivem livres na natureza e podem ser observados de dentro dos carros pelo público. O cativeiro só se justifica para preservar espécies em extinção, que merecem zoos cinco estrelas para reproduzir, e voltar à vida selvagem É espantoso que, em plena era da ecologia, da sustentabilidade e da correção política, ainda existam jardins zoológicos. São provas vivas de crueldade com os animais, deveriam ser extintos. No Rio de Janeiro, a lei já proíbe exibir animais em circos - e é cumprida. Um vez sugeri aos amigos do "Casseta & Planeta" um quadro em que animais livres e pacíficos passeavam com seus filhos por um zoológico com jaulas cheias de humanos mentirosos, gananciosos, covardes, sádicos e assassinos. O que mais divertia os filhotes dos macacos era a gaiola dos políticos ladrões |
Barbas de molho Dora Kramer
MERVAL PEREIRA Vitória do Pragmatismo
"A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006", um estudo do cientista político Cesar Romero Jacob, diretor da editora da PUC, e uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses, pode ser útil para compor cenários em relação à eleição deste ano, na medida em que, com uma série histórica já de cinco eleições, mostra como os vitoriosos — Collor, Fernando Henrique e Lula — ganharam com estratégias assemelhadas.
Mudanças na chamada "geografia eleitoral" dos partidos mostram que nenhum candidato ganha sem algum grau de compromisso com um Brasil que tem voto e representação política, formando "estruturas de poder" definidas: as oligarquias nos grotões, os pastores pentecostais, os políticos populistas na periferia e a classe média urbana escolarizada.
Este ano, ele prevê uma disputa acirrada, pois os dois candidatos que polarizam a eleição — Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) — são pragmáticos igualmente e buscam alianças políticas sem pruridos ideológicos.
Para Cesar Romero Jacob, o primeiro a entender que existem estruturas de poder no território nacional foi Fernando Collor. Criou-se um mito, até pela falta de uma série histórica, de que a imprensa tinha criado o mito e elegido o Collor.
Não foi a imprensa, no entanto, o fator determinante, afirma Romero Jacob. Segundo ele, Collor, como alguém oriundo da oligarquia, sabia que existiam estruturas de poder no interior do Brasil, que tem cerca de 5.500 municípios, sendo que destes, 5.200 têm menos de 50 mil eleitores, correspondendo a 46% do eleitorado.
Collor contou com as estruturas oligárquicas para vencer, até porque o PFL abandonou o Aureliano Chaves, e o PMDB abandonou Ulysses Guimarães.
Os mapas mostram que ele teve votação no país inteiro, e os percentuais mais altos, na faixa de 64%, numa eleição que teve 21 candidatos a presidente, são sempre em pequenos eleitorados.
Nos grandes centros, o volume de votos é maior, mas o percentual é mais baixo.
Collor entendeu, antes dos outros, que ele precisava usar essas máquinas que existem nos grotões.
Na outra ponta, existem os grandes centros urbanos modernos, onde há um eleitorado mais independente das clientelas políticas, sobretudo uma classe média urbana, escolarizada.
Para esses, diz Romero Jacob, o candidato tem que ter discurso, identificado em pesquisas qualitativas. "Aí você trava uma batalha de opinião pública", ressalta.
Entre o grotão e os centros urbanos modernos, há uma periferia pobre onde quem tem poder são os políticos populistas com seus centros sociais, que criam uma clientela, e os pastores pentecostais, que com suas igrejas acabam criando também uma clientela eleitoral.
Através de políticas de alianças, de articulação dessas estruturas existentes, Collor conseguiu ganhar a eleição. O que fazia Mario Covas, então candidato do PSDB à Presidência? Os mapas mostram que ele teve voto em São Paulo e no Ceará — porque Ciro Gomes e Tasso Jereissati aderiram ao PSDB logo que ele foi fundado — e em capitais.
Também Brizola teve sua votação restrita, naquela eleição, ao Rio de Janeiro e ao Rio Grande do Sul. "E você não pode querer ser presidente da República sem voto em São Paulo, com 22% do eleitorado, e em Minas, com 11%", lembra Romero Jacob.
A campanha de Covas não foi pragmática, foi "ideológica".
O tal "choque de capitalismo" que ele propôs, embora estivesse absolutamente certo, não quer dizer nada para o eleitor lá do grotão, comenta o sociólogo.
Cinco anos depois, Fernando Henrique Cardoso pragmaticamente fez a mesma coisa que Collor, só que no sentido contrário: foi dos grandes centros para os grotões.
Aí o choque de capitalismo já não era teórico, era o Plano Real, que catalizou essas estruturas de poder. Mas Fernando Henrique fez alianças com as oligarquias, e por isso foi muito criticado.
O professor Cesar Romero Jacob usa os mapas eleitorais para rejeitar a tese de que, com o Plano Real, Fernando Henrique poderia ter vencido as eleições sem o PFL.
"Quando você tem uma série histórica com cinco eleições, e começa a ver o mesmo fenômeno se repetir, chega à conclusão de que o eleitorado não é tonto, o voto não é errático. Mesmo que as conjunturas sejam diferentes, você tem as mesmas estruturas de poder sobre o território que têm que ser articuladas".
Fernando Henrique foi o segundo a abandonar as ilusões de que se pode ganhar uma eleição presidencial apenas com uma tese.
O mapa eleitoral do Fernando Henrique é muito parecido com o do Collor, destaca Romero Jacob, e em nada tem a ver com o do Mario Covas.
É claro que o eleitorado do Fernando Henrique nos grandes centros é sempre maior que o do Collor, porque ele reúne o eleitorado tucano dos grandes centros urbanos, com as máquinas oligárquicas nos grotões, explica o professor.
Ele também fez aliança com os políticos populistas da periferia e com os pastores pentecostais. Em 1998, a estrutura da votação foi assemelhada, com algumas diferenças.
Mas, pragmaticamente, ele se aliou em São Paulo a Paulo Maluf e teve uma vot ação no estado muito maior do que tivera em 1994 — venceu por diferença de 5 milhões de votos.
Até aqui, diz Romero Jacob, temos a vitória do pragmatismo sobre uma posição "ideológica" de Lula, que tinha uma votação, sobretudo, nas capitais, onde há um eleitorado de esquerda, e nos municípios industriais: ABCD mais Osasco e Guarulhos, em São Paulo; em Minas, no Vale do Aço; e, no Rio de Janeiro, tinha voto em Volta Redonda.
(Continua amanhã: a mudança em 2002)
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