O Estado de S.Paulo - 02/12
Nessa semana, o Brasil levou dois duros golpes nas reuniões da OMC, em Genebra. Na realidade, foram dois sérios alertas que a diplomacia nacional terá de levar em conta em sua política comercial, mesmo que não reconheça isso de forma pública. Nesse fim de semana, analistas e negociadores em Genebra mostravam desânimo e afirmavam ao correspondente do Estado Jamil Chade que a política comercial brasileira segue por caminhos errados. Não adianta, dizem eles, culpar as barreiras internacionais contra os produtos brasileiros. Agora, o problema é o cenário internacional de volta numa semi recessão. Nos últimos anos, o governo brasileiro tem buscado diferentes motivos para explicar a falta de competitividade das exportações nacionais no setor de manufaturados. Só tem omitido a real explicação: a incapacidade da indústria nacional de investir, reduzir custos, inovar e pelo menos diminuir a diferença de preços com seus competidores.
Duros golpes. A mais recente estratégia do governo brasileiro consiste, de um lado, em culpar a valorização do real e, de outro, elevar barreiras para proteger a indústria nacional, com medidas iniciais e que seriam provisórias, mas temem seus parceiros, podem se generalizar e tornar efetivas. Mais, informa o correspondente do Estado, nessa semana, o Brasil levou dois duros golpes na OMC. Na realidade, a diplomacia nacional recebeu dois sérios alertas que terá de levar em conta, mesmo que não reconheça isso de forma pública, observam os analistas em conversas com o correspondente do Estado.
A derrota do cambio. O primeiro se refere ao esforço do ministro Guido Mantega em insistir numa solução internacional para a situação do real. É o que ele chamou no Financial Times de "guerra das moedas". O argumento chega a fazer sentido. A ação de EUA, Europa e Japão injetando trilhões de dólares para resgatar suas economias acabaram inundando mercados emergentes de liquidez, pressionando as moedas locais, entre elas o real. Até aí, o Brasil tem amplo apoio, mas não a solução que propõe.
O problema é que, na prática, o que o governo sugeriu foi a criação de uma barreira comercial, todas as vezes que sua moeda sofra uma valorização que represente um dano para a economia nacional. E isso não foi aceito por ninguém. Nessa semana, em Genebra, uma reunião da OMC deixou claro que o Brasil não conseguiu convencer nenhum outro país a declarar explicitamente seu apoio à ideia.
Na realidade, informa Jamil Chade, as delegações deixavam a reunião ironizando a insistência do Brasil em lidar com um assunto já está enterrado. Não é nos fóruns da OMC que se vai resolver esse problema, como não se resolveu em outros como os G-20.
Chineses muito duros. Os recados fortes para Brasil vieram abertamente da China, para a qual, se vingasse, o projeto do governo brasileiro poderia "afundar o sistema multilateral do comércio".
Os chineses não disfarçavam a irritação com a insistência do Brasil em levar esse tema aos palcos internacionais e, nos corredores da OMC, confessavam que entendiam a medida do País como um "teatro" para mostrar para a opinião pública interna que algo estava sendo feito. Não era para ser levado a serio, diziam eles.
Para os europeus, não se pode apenas comparar o valor entre duas moedas, já que a produção hoje é globalizada e um só produto tem peças vindas de várias partes do mundo, cada qual com sua moeda. Para Washington, o FMI - e não a OMC - é o local principal para lidar com esse tema e alertou que seu mandato deve ser respeitado.
Outro país que adotou um tom forte de críticas ao Brasil foi a Suíça. Ela insistiu que o debate aberto na OMC somente deveria ser de "natureza acadêmica".
A lista de críticos do projeto ainda inclui Japão, Austrália, Cingapura e Hong Kong. Mas foi do Canadá que o Brasil ouviu um dos principais puxões de orelha: a culpa pelo real valorizado era do próprio Brasil. Segundo Ottawa, ao manter taxas de juros elevadas, o governo brasileiro criava incentivos para que o capital internacional migrasse para a economia nacional, pressionando o real.
Mais um. Ao mesmo tempo, em outra sala da OMC, a pressão aumentava sobre o Brasil. Numa reunião sobre bens industriais, China, Europa, Estados Unidos e Japão abandonavam suas diferenças pessoais para atacar a política brasileira de redução do IPI para promover a indústria nacional. A delegação europeia foi a mais contundente: a medida é ilegal e o temor é de que vantagens fiscais hoje dado ao setor automotivo serão ampliadas para outros setores da economia nacional. No total, 34 países protestaram.
A sorte do Brasil é que, pelo menos diplomaticamente, o ano praticamente terminou. Mas as delegações deixaram Genebra alertando que se o Brasil mantiver a mesma posição de elevar barreiras, criar distorções e tentar desviar a atenção para o cambio, terá de responder nos tribunais da OMC em 2013. "Ou revê e refina sua estratégia comercial, ou vai ter um ano ainda mais difícil e improdutivo," disse um negociador ao correspondente do Estado em Genebra. /COLABOROU JAMIL CHADE