Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Histórias da história - CORA RÓNAI


O GLOBO - 06/12
Era uma vez uma princesinha triste que morava numa cidade mais triste ainda, um porto báltico chamado Stettin, no que era então conhecido por Pomerânia.

Não precisava de madrasta: tinha uma mãe que cumpria com brilho este papel. Apaixonada pelo filho mais novo, ela nunca deu qualquer afeto ou atenção à menina, que cresceu retraída e solitária, observando as pessoas e aprendendo a conquistá-las a duras penas, já que pela beleza - dizia a mãe - jamais iria a lugar algum.

Em 1744, quando estava com 14 anos, foi convocada por Elizabeth, da Rússia, para se casar com o primo Pedro, sobrinho da imperatriz solteira e herdeiro do trono. Gostou da ideia. Via ali a chance de escapar de Stettin, da mãe e da vida medíocre que levava. Inteligente, com um jeito inato para agradar, logo caiu nas graças da imperatriz. Atirou-se com afinco aos estudos da língua e da cultura do país e, logo, fez-se querida também do povo.

Ao se converter da igreja luterana para a igreja ortodoxa, Sophia Augusta Fredericka von Anhalt-Zerbst foi batizada de Catarina - e com esse nome entrou para a História.

O casamento foi um desastre. Pedro era imaturo, grosseiro, pouco educado e, aos 17 anos, já alcoólatra. Ao contrário da esposa, insistia em falar alemão e em usar uniformes prussianos, coisa que, compreensivelmente, em nada agradava aos russos. A imperatriz Elizabeth sabia o desastre que tinha em mãos, e queria que o jovem casal produzisse logo um herdeiro para garantir o trono. O que poderia ser simples em outras circunstâncias revelava-se, porém, uma impossibilidade.

Pedro, que já não era nenhuma maravilha física, ficou desfigurado depois de ter varíola. Isso o abalou tanto quanto à futura mulher, e o casamento não foi consumado.

Anos depois, o herdeiro tão ansiosamente esperado por Elizabeth acabou nascendo - mas filho do primeiro dos 12 amantes de Catarina.

Esse pequeno detalhe não chegou a atrapalhar ninguém. O menino foi prontamente capturado pela tia-avó, que fez questão de supervisionar sua educação pessoalmente. Os outros dois filhos de Catarina (cada qual de um outro pai) tiveram sorte semelhante.

Pedro reinou por apenas seis desastrosos meses, durante os quais quis mudar a religião e o exército russos. Foi deposto pela própria mulher, que tinha juízo e bons aliados e que, com o tempo, fez por merecer o epíteto que lhe deram: Catarina, a grande.

Eu sabia pouco a respeito dessa figura fascinante.

Sabia que havia sido imperatriz da Rússia, que trocara correspondência com grandes iluministas como Diderot e Voltaire e que tinha tido uma quantidade absurda de amantes. Sabia também que foi a responsável pela criação do Hermitage, um dos grandes museus de arte do mundo. Mas não tinha ideia da sua dimensão de estadista, da sua visão do mundo, das questões políticas que a cercaram.

Fui salva da minha ignorância por "Catarina, a grande: retrato de uma mulher", de Robert Massie (Editora Rocco, tradução de Ângela Lobo de Andrade). O livro chegou às minhas mãos no sábado. Atravessei o fim de semana lendo compulsivamente, sem conseguir me afastar da história.

Dormi o mínimo possível, quase não saí de casa; cheguei ao fim das 640 páginas absolutamente encantada, tanto com a biografada quanto com o biógrafo.

A história de Catarina é daquelas que só podem mesmo acontecer na vida real; em ficção, seria exagero demais, impossibilidade demais. Por causa disso, aliás, não é fácil convertê-la em biografia. Sorte nossa que o historiador Robert Massie tenha, aos 80 anos, se dedicado a esse trabalho, para o qual está mais bem preparado do que ninguém.

Ele recebeu o Prêmio Pulitzer de 1981 por sua biografia de Pedro, o Grande, mas escreveu outros livros sobre a Rússia tzarista: "Nicolau e Alexandra", que serviu de base ao filme "Nicholas e Alexandra", e "Os Romanovs".

"Catarina, a grande" é muito sólido historicamente.

Em nenhum momento, porém, o autor cai na armadilha de deixar a pesquisa se sobrepor à qualidade da narrativa. O livro se lê com paixão, como um delicioso romance, do qual nos despedimos com pesar.

Outro ótimo livro histórico é "Inferno, o mundo em guerra: 1939-1945", de Max Hastings (Editora Intrínseca, tradução de Berilo Vargas). Este me chamou a atenção pelo tamanho - 766 páginas - e pelo comentário do "Washington Post" reproduzido na capa: "A melhor história sobre a guerra escrita em apenas um volume". Ahn? Isso lá é elogio?! Apesar dessa qualificação bizarra, descobri que o livro é mesmo extraordinário. Todos nós conhecemos bem ou mal os fatos, mas Hastings nos traz algo mais tocante: as pessoas que os viveram. O trabalho que realizou é assombroso.

Para praticamente cada episódio da guerra, ele encontrou relatos em primeira pessoa de gente que estava lá. Sua descrição das batalhas é antológica, mas sua empatia com as vítimas do conflito é insuperável.

Arquivo do blog