FOLHA DE SP - 09/12
Um homem ao lado da mulher que ama é outra pessoa, alguém que nem sua própria mãe reconhece
O amor é maravilhoso, não é? É, responde o mundo em coro. Mas por que será que as pessoas mudam tanto quando apaixonadas? Os mais boêmios, que passavam as madrugadas contando histórias idiotas, mas muito divertidas, que tinham sempre uma opinião diferente e original sobre os assuntos do dia, tornam-se austeros -e a bem da verdade, bem menos interessantes.
O "affair" do diretor do FMI, por exemplo: qualquer homem, em companhia de seus íntimos, dirá que, se a camareira fosse gostosa, faria a mesma coisa. Única ressalva: negaria até o fim, mesmo diante da Suprema Corte. Mas, se estiver ao lado da namorada, vai dizer que esse tipo de procedimento é indigno e que um homem que se respeita não pode, jamais, fazer nada de parecido. Quanto a elas -bem, se eles são assim, por que elas seriam diferentes?
Num almoço só de mulheres, depois da segunda caipirinha, algumas serão suficientemente francas para dizer que adoram homens atrevidos e ousados. Mas ponha essas mesmas mulheres ao lado dos maridos e pasme diante do que elas vão dizer, dele e da pobre camareira.
Um homem ao lado da mulher que ama é outra pessoa, alguém que nem mesmo sua própria mãe é capaz de reconhecer; ele é capaz de dizer que não acha a menor graça em mulher alguma, que quem ama é fiel e que para ele só existem duas coisas que realmente importam: ela -em primeiro lugar- e o time pelo qual torce. Se você encontrar esse mesmo homem almoçando com três amigos no centro da cidade, traçando uma linguicinha com um chope, vai descobrir que se trata de outra pessoa, só pelo som das gargalhadas. E, se passar uma bela morena com as pernas de fora, será um belo festival de baixarias.
Se você tiver uma única e grande amiga e ela se apaixonar, fique sabendo que ficou sozinha no mundo. Fazer uma refeição com um casal apaixonado está acima das forças de qualquer ser humano não apaixonado, pois o mundo deles é diferente, e nele não há lugar para pessoas normais.
Quem ama se transforma em outra pessoa, com outros gostos e outras opiniões, capaz de roubar a aliança da própria mãe para passar um fim de semana no Caribe com o ser amado, isto é: torna-se uma pessoa indigna de nossa confiança.
Aquela mulher que, quando entrava na discoteca, começava a mexer o corpo, hoje em dia fica paralisada, surda e muda, talvez pelas lembranças que a música traz -ah, como são coerentes, as mulheres. Só que ele se apaixonou por ela exatamente quando ela mexia não só o corpo, como o gelo do copo de uísque com o dedo, e agora, quando olha para aquela mulher austera, não entende por que a vida era tão melhor.
Você já foi a um show de striptease com seu amado? Bem, quando o romance começou, ele brincava e atiçava seu ciúme com elogios às gostosas no palco; agora, quando vê uma mulher pelada numa revista, olha sério, sem uma só expressão no rosto, como se estivesse vendo um quadro num museu. Ele virou um marido, tudo que você sempre quis, e por nada no mundo você faria um strip particular só para ele, como já fez; certas coisas não são para serem feitas com o marido.
Tente ir com ele a uma praia da Europa, daquelas em que as mulheres tiram muito naturalmente o sutiã para tomar sol. Nervoso ele vai ficar -ah, isso vai. Faça então uma experiência e diga que vai tirar o seu: um homem das cavernas vai surgir de dentro daquele que passava a mão nas suas pernas no carro, no meio do trânsito, com o ar mais sério do mundo.
Onde foi parar esse homem? Onde foi parar aquela mulher que vivia feliz e risonha, que não queria nada da vida a não ser ficar junto com ele, agarrada, apaixonada? Quem ama não mata? Mata, sim; ou mata o outro, ou mata a si próprio -e o fim dessa história a gente conhece.