Em artigo intitulado O papel da oposição, o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso faz algo fora de moda na política brasileira:
reflete. Essa reflexão abrangente, com diversas vertentes, penso poder
dividir em três aspectos: fragilidade da oposição, seja na defesa de
suas realizações, seja no ataque ao PT relativamente a fatos graves
característicos do reinado de Lula desde 2003; estratégias a serem
seguidas; e pontos a constituírem compromissos básicos da oposição.
Quanto à fragilidade na defesa de suas realizações, lembra-se a
tibieza em explicar o processo de privatização, alcunhado pelo PT,
para fins eleitorais, como "privataria" e maliciosamente difundido
como venda irrisória das riquezas nacionais. Em campanhas
presidenciais o PSDB limitou-se a negar que iria privatizar o Banco do
Brasil ou a Caixa Econômica, como se ao vestir a camisa do BB se
espantasse o receio de um mal, em vez de mostrar o bem que se fizera
na privatização da Vale do Rio Doce ou da Embraer. Assim, essas duas
estatais, afundadas na mão do Estado em déficits imensos, jamais
poderiam assumir o papel de relevo que ora têm no cenário econômico
mundial se não fosse a imensa inversão de capital privado e o espírito
empreendedor que a gestão empresarial imprimiu.
O mesmo se diga do Proer, apodado de protecionismo aos bancos, quando,
na verdade, estabeleceu um regime de austeridade com a imposição de
responsabilidade solidária dos controladores de instituições
financeiras, criando efetivo controle por via do qual o Banco Central
poderia agir preventivamente com eficiência para proteger os
depositantes, preservar o sistema e a economia. O pequeno
comprometimento de nossas instituições financeiras na crise de fins de
2008 mostra a importância do Proer, que foi debilmente defendido pela
oposição.
Mas à fragilidade da defesa correspondeu igual fraqueza no ataque. O
"mensalão" não foi atacado com firmeza pela oposição, apesar dos
resultados da CPI que redundou na denúncia do Ministério Público. Fui
um dos coordenadores do movimento de mobilização da sociedade civil
denominado "Da Indignação à Ação", que reuniu representantes de
entidades como OAB, OAB-SP, ABI, PNBE, Fiesp, Instituto Ethos, Força
Sindical, Transparência Brasil, Associação dos Advogados, Instituto
dos Advogados de São Paulo, a rede Conectas de Direitos Humanos, o
Movimento Democrático do Ministério Público e a Associação do
Ministério Público de São Paulo.
Em manifesto, o movimento expressava que as instituições políticas do
País estavam duramente atingidas, sendo imprescindível, além de
investigação séria, com punições firmes e proporcionais às faltas
praticadas, mudanças profundas no sistema político, pois nunca
aparecera tão claramente a necessidade de uma reconstrução
republicana. O movimento arregimentou líderes das entidades, mas a
população estava, como diz Fernando Henrique no seu artigo,
anestesiada e os partidos de oposição, salvo alguns poucos
parlamentares, não se mobilizaram para envolver os brasileiros contra
a maior artimanha de corrupção engendrada em detrimento do sistema
democrático: a compra de mais de centena de deputados às vésperas de
votações importantes com dinheiro saído do Banco do Brasil, aí, sim,
privatizado. A oposição temeu enfrentar diretamente o núcleo do poder
e nem sequer propôs mudanças moralizadoras, intimidada, talvez, por
erros graves, mesmo que menores, em seus quadros.
A denúncia da apropriação do Estado também foi tímida. Não se acusou
com vigor, ao longo do tempo, o crescimento vertiginoso dos cargos em
comissão no governo Lula, mais de 17%, mas com um gravame importante:
aumentaram em 50% os cargos DAS 5 e em 30% os DAS 6, os mais bem
remunerados, com grande elevação do gasto público, que ora dificulta o
combate à inflação.
Quanto à estratégia, Fernando Henrique mostra que o discurso deve
voltar-se para a nova classe média, fruto do dinamismo econômico do
mundo e daqui, para atingir novos protagonistas do cenário social, a
serem sensibilizados na medida em que se saiba entender seus anseios
no cotidiano, a serem debatidos principalmente nas redes sociais, como
Facebook, YouTube, Twitter, etc.
Além desse novo foco e do novo meio de ação, é necessário ampliar, diz
Fernando Henrique, as discussões junto às "inúmeras organizações de
bairros, a um sem-número de grupos musicais e culturais nas periferias
das grandes cidades, às organizações voluntárias de solidariedade e de
protesto, a defensores do meio ambiente", que revelam espírito
público, mas se afastam da política, vista como jogo sujo de
interesseiros. Só assim se encontram forças ativas, mas discretas, da
sociedade, que para a salvação das instituições precisam participar
diretamente do processo político.
A estratégia proposta de se voltar para novos focos está correta, sem
que a luta contra a miséria deixe de ser um objetivo básico. Tanto é
que se sugere ter por fim último da democracia o comprometimento com
os valores insertos na defesa dos direitos humanos, na proteção e
promoção do meio ambiente e no combate à miséria, em luta a ser
empreendida com a participação ativa de toda a sociedade.
No campo da ação governamental, defende-se que cumpre à oposição lutar
em prol da formação de quadros e da construção da infraestrutura, hoje
bloqueada, mas a se alcançar com a colaboração do setor privado, a ser
devidamente fiscalizado por agências reguladoras dotadas de
independência, sem liames partidários e clientelísticos que ora
existem.
Outras questões são trazidas à baila, mas esses aspectos são
suficientes para provocar forte reflexão. Pontos do trabalho merecem
críticas, mas é preciso antes compreendê-lo no seu conjunto. Ao
suscitar o debate, o artigo vale por si, pois já é um grande bem
recomeçar a pensar.
Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da
Academia Paulista de Letras, foi Ministro da Justiça
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Entrevista:O Estado inteligente
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