CORREIO BRAZILIENSE - 24/05/11
No Código Florestal, é preciso observar para ver se o governo consegue em poucas horas construir uma maioria com a qual não se preocupou " ou não quis se preocupar " ao longo de meses, ou anos.
A polêmica em torno do Código Florestal não termina hoje nem amanhã. Vote o que votar a Câmara dos Deputados, a casa do povo, o rolo se transferirá para o Senado, a casa da Federação.
Isso se a Câmara finalmente votar, como está previsto.
Será grande a tentação dos senadores de transferir para os estados parte significativa dos controles ambientais nas atividades agrícolas e de criação.
O Senado hoje é um palco teoricamente mais controlado pelo governo. Na aritmética, as bases se equivalem. Mas são menos senadores que deputados, menos partidos. Menos entropia.
Só que o Senado é também mais permeável a pressões federativas. Nem todo deputado de estado fortemente agrícola depende dos votos da agricultura. Mas nenhum senador pode ignorar pedaços expressivos do eleitorado.
Voto majoritário não é voto proporcional. Parece redundante, mas não custa enfatizar.
O noticiário sobre o tema anda poluído. Problemas políticos recentes " e de outra natureza " nem aumentaram nem diminuíram as dificuldades do governo na votação do código.
Quando Marco Maia (PT-RS) foi escolhido pelo partido para presidir a Câmara dos Deputados, assumiu com os colegas mais ligados à agricultura o compromisso de colocar o projeto rapidamente em votação.
E o relatório que havia para votar era o aprovado meses antes pela comissão especial, um texto bem mais "ruralista" que o levado agora ao plenário pelo relator, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
E a época era de mel, Dilma Rousseff, segundo as previsões, governaria sem maior oposição e sem maiores dificuldades.
Por que então o PT aceitou assumir lá atrás o compromisso de votar? Em primeiro lugar, por um motivo prático. Agora em junho vence o decreto que suspende as punições previstas na legislação em vigor.
Só isso já é de uma jabuticabice ímpar. Coisas do Brasil. O governo e seus anexos aprovam um lote de medidas ambientais inaplicáveis e depois o mesmo governo precisa editar um decreto garantindo que ninguém será punido em caso de descumprimento.
Alguém pode dizer para que serve uma lei que não estabelece sanção a quem descumprir? Para nada. Ou só para o marketing.
Em segundo lugar, e aí está o impasse maior, a pauta não integra a pequena política, no sentido que a expressão assume quando fica fácil para o governo dizer à base vote assim ou assado. A pauta carrega com ela, em última análise, o direito de propriedade no campo.
Há o risco de o agricultor perder sua propriedade. Perder o meio de vida. Daí a amplitude e a radicalização. E a dificuldade de fazer a base marchar unida.
Até a hora da votação o governo tem meios para pressionar, pois se os deputados dependem de seus eleitores, dependem também do governo, das verbas e dos cargos.
Mas é preciso observar para ver se o governo vai conseguir em poucas horas construir uma maioria com a qual não se preocupou " ou não quis se preocupar " ao longo de meses.
De todo jeito, como disse, a coisa não termina por aqui. Tem o Senado, e depois haverá as pressões pelo veto, se a coisa não sair ao gosto do PT.
E pode ter também um epílogo inédito, com a derrubada do eventual veto por deputados e senadores. Improvável, mas não impossível.
A novela vai longe.
Degradadas
As terras degradadas estão na pauta desde que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu ao mundo que o Brasil poderia se transformar em fornecedor mundial de etanol de cana sem derrubar mais mata.
Na época, expressei uma dúvida. Se o Brasil tem terra barata sobrando, por que o Incra diz que é tão difícil achar terra para a reforma agrária?
A dúvida continua valendo no contexto do debate sobre o Código Florestal.
Se o Brasil tem terras degradadas " e portanto baratas " em grande quantidade, o que o governo está fazendo de prático para recuperá-las e assim oferecer uma alternativa a quem quer plantar sem desmatar?