A imprensa da França queixa-se da brutalidade da Justiça dos EUA e das imagens de Strauss-Kahn algemado e amedrontado
21 de maio de 2011 | 0h 00
- O Estado de S.Paulo
Um francês vai a Nova York. Hospeda-se no Hotel Sofitel. Toma uma ducha. Uma camareira entra no quarto para fazer a arrumação.
Alguns minutos se passam. O homem e a mulher fazem alguma coisa. Não se sabe o que. Mas parece que o homem comporta-se muito mal. Ele deixa o hotel.
E a economia mundial treme porque esse homem é o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). E toda a política francesa naufraga, pois esse homem tinha todas as chances de tornar-se presidente da França no próximo ano.
Esses poucos minutos desconhecidos também tiveram outros efeitos.
Mostraram com crueldade o abismo que separa a cultura americana da cultura francesa. A leitura feita pela imprensa americana e pela imprensa francesa, há uma semana, dá a medida da profundidade desse abismo - "verdade do lado de cá do Atlântico, erros do lado de lá".
Quais são as queixas da imprensa francesa? Antes de tudo, da brutalidade da Justiça americana. Incansavelmente, repórteres e editorialistas franceses manifestaram seu mal-estar, seu desagrado, diante das imagens divulgadas de Dominique Strauss-Kahn apavorado, algemado, empurrado por policiais de cinema de terceira categoria e jogado à multidão.
Segundo o sociólogo Michel Fize, "essas imagens são indignas de uma nação que se diz uma grande democracia: acabamos até apreciando o sistema judiciário francês que, desde 2000, não autoriza a divulgação de imagens como essas".
Há outras críticas levantadas contra a Justiça americana: o papel do júri popular, a influência do dinheiro quando se chega a uma conciliação... Mas, em essência, as críticas concentram-se no "cerimonial" da Justiça americana, na vontade de humilhar o acusado, sobretudo se é alguém rico ou poderoso, levando a crer que isso tudo constitui um ritual religioso, destinado a aniquilar o orgulho dos poderosos e levá-los ao arrependimento.
Do lado da imprensa americana, a indignação é principalmente com a discrição que os jornais franceses mantêm quanto ao comportamento dos seus dirigentes. É verdade que nos países anglo-saxões os jornais não se acanham em dissertar sobre as "escapadas" dos poderosos, em particular no campo da sexualidade.
Na França, ao contrário, os desvios sexuais dos grandes, as bacanais, os apetites das damas, são objeto de uma "Omertà" . Total silêncio. Ou então são vagas alusões, piadas de mau gosto, nada engraçadas e horrivelmente machistas.
Deste ponto de vista, o drama de Strauss-Kahn é um caso de escola. Todos os jornalistas sabiam que não se pode deixar este homem encantador, sedutor, sozinho com uma mulher (uma jornalista, por exemplo) sem que isso provoque uma "cantada" vulgar, constrangedora".
Mas nenhum jornal na verdade disse isso. E, de repente, os americanos lançam-se furiosamente contra os pudores e "conivências" francesas. "Se o comportamento de Strauss-Kahn já tivesse sido denunciado, a tragédia do Sofitel não teria ocorrido", dizem eles.
A bola volta então para o campo francês. Os jornais da França denunciam com virulência o "voyeurismo" da imprensa anglo-saxã e esse mito da transparência absoluta, que acaba provocando no público curiosidades sórdidas, deleites lânguidos e perversões imundas.
É o caso, então, de concluir e escolher entre a escola de jornalismo americano e a francesa? Provavelmente. Mas neste ponto chego ao fim do espaço concedido para este artigo. /
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É CORRESPONDENTE EM PARIS
É CORRESPONDENTE EM PARIS