Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, maio 20, 2011

Força bruta contra a oposição Editorial O Estado de S. Paulo

20/05/2011

Nunca se viu em algum país civilizado, na vigência do regime
democrático, o que o governo fez na manhã da quarta-feira para impedir
que o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, fosse chamado a
explicar ao Congresso como conseguiu multiplicar o seu patrimônio por
20 enquanto exercia mandato de deputado federal, entre 2006 e 2010.
Cumprindo a sua parte na operação decidida na véspera no Palácio do
Planalto, o líder do governo na Câmara, o petista Cândido Vaccarezza,
acionou os serviços da Casa, com a provável cumplicidade da presidente
em exercício, Rose de Freitas, do PMDB, para bloquear - pela força - o
acesso dos membros de duas comissões legislativas permanentes às
respectivas salas.


Representantes da oposição na Comissão de Finanças e Tributação e na
de Fiscalização e Controle pretendiam aprovar requerimentos convocando
Palocci a depor sobre as atividades que mantivera em segredo até a
divulgação das vultosas transações imobiliárias feitas em nome de uma
empresa de consultoria que também se ignorava que ele houvesse criado
depois de perder o Ministério da Fazenda. Numa iniciativa equivalente,
no plano simbólico, ao fechamento do Poder Legislativo, políticos
transformados em cães de guarda do principal quadro do governo Dilma
Rousseff mandaram trancar os plenários das citadas comissões - e
chamaram a Polícia Legislativa para, no papel de leão de chácara,
barrar a passagem dos parlamentares.

A truculência chegou a ponto de impedir um deputado do PPS, Rubens
Bueno, de colar cartazes nos corredores da Câmara com a inscrição
"Blindagem do Palocci". Quando os oposicionistas se deslocaram para a
Comissão de Agricultura, chefiada pelo DEM, para apresentar ali o
requerimento que não puderam votar nos locais bloqueados, mais do que
depressa Vaccarezza recorreu ao rolo compressor do poder, a modalidade
mais costumeira de violência política no Congresso: fez a presidente
Rose convocar uma insólita sessão deliberativa matinal da Câmara.
Nessas circunstâncias, conforme o seu regimento, nenhuma das 16
comissões da Casa pode se reunir. Em plenário, os pedidos de
convocação de Palocci foram rejeitados por ampla maioria.

Na votação mais importante, que o Planalto venceu por 266 a 72, apenas
6 integrantes da base governista não quiseram blindar o ministro. Do
lado da oposição, foram 66 votos pela convocação e 6 contrários. O
resultado foi atribuído a um acordo fechado com o próprio Palocci, em
seu gabinete. Em troca de ele ser poupado da inquirição parlamentar, o
governo não apenas permitiria que enfim fosse votado o polêmico
projeto de reforma do Código Florestal - o que a presidente se
recusava a fazer diante da perspectiva líquida e certa de derrota -,
como ainda cederia em um ponto crítico do texto, duramente combatido
pelos ambientalistas: a autorização para que continue o plantio em
Áreas de Preservação Permanente (APP), iniciado até 22 de julho de
2008. O projeto deverá ser votado na próxima terça-feira.

A conduta dos operadores do Planalto no episódio das comissões da
Câmara foi de uma gravidade inconcebível. O trato, uma desmoralização
para a presidente da República. "O governo dizia que não aceitaria
proposta que ampliasse o desmatamento", lembrou a ex-ministra Marina
Silva. O afã que levou o governo a extremos para proteger o titular da
Casa Civil é desconcertante. O fato de ser ele, reconhecidamente, o
homem forte da atual administração - e sem ninguém a lhe fazer sombra
- não é uma explicação satisfatória. Afinal, depois que a sua
benevolente Comissão de Ética concluiu que Palocci estava limpo, não
vive o governo alardeando que o assunto está encerrado?

Se não há nada que o desabone, se ele não transgrediu nem a legislação
nem as normas que regem a conduta dos agentes públicos federais, não
se entende por que o governo apelou para a brutalidade e ainda fez um
acordo pusilânime para preservar uma figura política que, de mais a
mais, raros deputados terão interesse em destruir. Nesse quadro, a
política de aversão ao risco adotada pelo Planalto só faz adensar as
suspeitas sobre o seu "primeiro-ministro" tão excepcionalmente
bem-sucedido nos negócios.

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