Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 02, 2011

O Brasil dos fatos e das versões - Sandra Cavalcanti

O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

Tem sido assim desde o começo da nossa História. É incrível como nossa
trajetória é contada! Quem se debruça sobre os fatos fica
escandalizado com a diferença entre eles e as suas "consagradas
versões".

Esse comportamento fraudulento faz com que, em nosso país, todo
historiador seja levado a trabalhar como um arqueólogo, que tem de
cavar, raspar poeiras, decifrar hieróglifos e tentar entender os
obscuros textos dos pergaminhos. Sempre na busca da verdade dos fatos.

Para alegria nossa, o Brasil tem sido presenteado com obras
estupendas, realizadas por excelentes pesquisadores. Eles têm
conseguido divulgar um conhecimento cada vez mais correto dos fatos da
nossa História. E essa tarefa saneadora de desmitificação das versões
tem alcançado enorme sucesso de vendas para as editoras.

Está claro que obras desse padrão não constarão jamais da lista dos
livros adotados pelos técnicos ideológicos do Ministério da Educação
(MEC). Para eles, quanto mais os brasileiros forem enganados pelas
versões oficiais, melhor para a turma que comanda o atraso de nossa
formação cultural.

Mas não é apenas nos livros "oficiais" que a nossa História é
deturpada. Fazem parte dessa lavagem cerebral os demais instrumentos
de comunicação dependentes do governo. Rádios e TVs, oficiais ou
agregados. Todos subvencionados generosamente, à custa dos nossos
impostos. No nosso dia a dia somos bombardeados pelas versões que o
Planalto divulga sem cessar. Informações erradas, dados falsificados,
episódios distorcidos, explicações mentirosas, enfim, um povo tratado
como se todos fossem idiotas e sem nenhum espírito crítico.

Veja-se agora o que está acontecendo com o famoso episódio do mensalão
do PT. Já está quase esquecido! Foi, no entanto, o mais vergonhoso
episódio ocorrido em nossa História recente. Um plano frio, cínico,
típico de um grupo que só tinha um objetivo em suas supostas lutas
pela ética e pela moralidade: chegar ao poder e se vingar. Vingar de
quê? Os autores desse plano eram, e ainda são, indivíduos ressentidos,
cheios de raiva contra as "elites" - letradas, bem alimentadas,
patrões e chefes. Para eles, chegar ao poder era a suprema desforra.

Esse tem sido sempre o sentimento da esquerda sem estudos, valores e
visão do mundo. Entre uma esquerda raivosa e uma direita sem
escrúpulos, o entendimento sempre se dá muito bem.

A chegada de Lula ao poder mostrou que essa é a mentalidade deles.
Para ganhar a eleição tinha de mudar o discurso? Era preciso mudar a
rota? O PT não teve dúvidas: mudou.

Mudou, mas chegou ao Planalto com as mesmas disposições de antes. E
mesmo usando as receitas do governo anterior, tratou de vender ao País
a ideia de ter recebido uma "herança maldita". Sempre o mesmo processo
de criar versões, apagar os fatos e vender uma "nova História" ao
Brasil.

Quando foram apanhados roubando recursos públicos, espalharam que
aquilo teria sido um simples "caixa 2". Não foi! A Justiça definiu-o
como crime de formação de quadrilha. São 38 réus no processo. Nestes
seis anos, a versão vai vencendo. A quadrilha do mensalão está de
volta ao poder, inocentada pelos seus eleitores. A última cartada da
versão já está na mesa: em agosto prescreve o crime. Se a denúncia
criminal não for feita até lá, teremos uma nova derrota dos fatos.

A desenvoltura dos integrantes da quadrilha do mensalão e da quadrilha
do dossiê contra José Serra já vem despertando muitas suspeitas. Os
réus andam muito à vontade nos palácios. Muitas declarações, muitas
aparições públicas, muitas articulações, enfim, muita recuperação de
terreno. Tudo isso leva a crer que está em marcha uma grande manobra
para tornar vitoriosa a versão criada pelo então presidente Lula: "O
mensalão não existiu. Foi tudo armação da oposição"!

Colocar o mensaleiro João Paulo Cunha na presidência da Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados é mais do que um
acinte, é uma ameaça para constranger o Supremo Tribunal Federal. A
presença desenvolta de José Dirceu nos acontecimentos recentes e o seu
evidente prestígio junto à ocupante da Presidência da República, tudo
isso é uma sinalização mais do que evidente. Das tentativas feitas
para apagar fatos e divulgar versões, essa de Lula é a mais ousada de
quantas têm marcado o comportamento dos líderes petistas.

Há dias a Polícia Federal conseguiu terminar o seu relatório a esse
respeito. Entregou o penoso e bem feito trabalho ao procurador-geral
da República. Está, pois, nas mãos dele ajudar na luta entre os fatos
e as versões.

Tenho medo. O mês de agosto não me traz boas recordações. A tentativa
de assassinar Carlos Lacerda. A morte do major Rubens Vaz. O suicídio
de Getúlio Vargas. Anos depois, também em agosto, a renúncia jamais
explicada, e jamais entendida, de Jânio Quadros. Renúncia que abriu
para Brizola e Jango a tentação de, por golpe e com o apoio de pequeno
grupo militar, implantar aqui uma República sindicalista, com a ajuda
de Cuba e da Rússia. Se não fosse o patriotismo da maior parte das
nossas Forças Armadas, em 31 de março de 1964 o Brasil teria dado um
dos passos mais tristes de sua História.

Mas a tradição de criar versões e negar os fatos não muda. A mídia tem
passado os últimos tempos divulgando exatamente o contrário da
realidade. Na maioria das reportagens, os fatos cederam às versões. Os
golpistas Jango e Brizola são saudados como legalistas. Os legalistas,
que seguiram Castelo Branco e impediram o golpe, são apontados como
golpistas. As Forças Armadas nem podem mais comemorar o 31 de Março!

Que agosto não nos traga desgosto. Vamos ver o que acontece com os
"heróis" do mensalão...

Arquivo do blog