Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, maio 02, 2011

Falta o Plano Real dos juros - Carlos Alberto Sardenberg

O Estado de S. Paulo - 02/05/2011

Em 2003, ao receber da Ordem dos Economistas o prêmio de Economista do
Ano, Pérsio Arida observou: "Nossa economia já teve uma característica
singular - a indexação legal e generalizada de contratos -, e para ela
encontramos uma solução igualmente original - a Unidade Real de Valor
(URV) e a reforma monetária. Temos, agora, uma outra característica
singular a enfrentar. A singularidade do nosso desafio no passado
esteve no combate à inflação crônica; agora é a busca de alternativas
que possam reduzir a taxa estrutural de juros".

De lá para cá, o mundo mudou muito. Tivemos o período de forte
crescimento global, que beneficiou amplamente o Brasil, e depois o
colapso financeiro de 2008-2009, seguido da crise das dívidas públicas
na zona do euro. Teorias e práticas de política econômica sofreram
forte impacto no mundo e aqui, entre nós.

A realidade econômica também mudou muito. Por exemplo: em vez de
crises externas por falta de dólares, os países emergentes
exportadores - Brasil incluído - lidam com o problema inverso, o
excesso de dólares e moedas locais valorizadas.

Mas continuamos com a taxa estrutural de juros muito alta e muito
maior do que a de países parecidos. Ou seja, o desafio sugerido por
Pérsio Arida continua aí.

É verdade que a situação melhorou um pouco. Em 2003, a taxa real de
juros estava na casa dos 8% ao ano. De uns tempos para cá, roda entre
5% e 6%, e parece empacada aí. Além disso, as taxas caíram no mundo
todo, estando hoje entre zero e 2%, de maneira que a posição
comparativa do Brasil não se alterou.

De outro lado, nos últimos dois anos, a inflação brasileira mais alta,
em torno dos 6% anuais, tem feito parte do trabalho de derrubar os
juros reais. E não é o que queremos.

Tudo considerado, ficamos com inflação e juros mais altos, um desafio
até mais complicado.

Com inflação alta por vários meses seguidos, reaparece o problema da
indexação (a última medida legal de restrição à indexação é de 1995!).
Acrescentem ao quadro o real muito valorizado e se percebe o tamanho
da questão.

Em 2003, Pérsio Arida apelava aos colegas. "No momento, cabe a nós,
economistas, propor à sociedade, através de uma reflexão crítica sobre
nossa singularidade, um conjunto de políticas que consiga reduzir a
taxa estrutural de juros".

Houve muitos estudos de lá para cá. E há, no momento, muita gente
quebrando a cabeça de novo, tentando entender como lidar com o
pós-crise. Continuariam os juros sendo o principal desafio brasileiro?

Parece que sim. Pela comparação: moeda valorizada e inflação mais alta
é uma combinação comum em vários países emergentes, incluindo os
latino-americanos. Mas os juros brasileiros são imbatíveis, assim como
a nossa carga tributária (e parece que são pontos correlacionados).

Estariam no centro da agenda nacional?

Para retomar a comparação de Arida, falta, atualmente, algo que havia
em 1993, no lançamento da URV/reforma monetária: a disposição política
de fazer uma mudança estrutural. Os talentosos economistas da época
não teriam ido longe sem a mobilização e a liderança de Fernando
Henrique Cardoso.

De sua parte, Fernando Henrique trazia uma visão mais ampla de
modernizar o País, o que foi feito em grande escala.

Lula não se empenhou em nenhuma mudança estrutural. No início do
primeiro mandato, na gestão de Antonio Palocci no Ministério da
Fazenda, ainda foram feitas algumas reformas microeconômicas. Depois,
quando a economia entrou no embalo do crescimento global, Lula surfou
a onda e não quis saber de mais nada complicado ou politicamente
difícil, como uma reforma tributária. Aproveitou a boa arrecadação
para aumentar gastos, boa parte de eficácia duvidosa, e foi buscar
votos.

E Dilma Rousseff? Começou no quebra-galho, administrando heranças
difíceis, especialmente a inflação. Mas também teve de tentar deter a
queda do dólar e segurar o gasto público. E tirar o atraso de obras da
Copa do Mundo de 2014.

Como faz isso? Numa mistura de instrumentos ortodoxos - regime de
metas, Banco Central, superávit primário - e antigos, como restrições
ao crédito e impostos sobre a entrada de capitais.

Mas não se vislumbra uma doutrina, um plano de mudanças estruturais. A
presidente diz que será rigorosa contra a inflação, mas que não aceita
derrubar o crescimento econômico. Assim, na teoria, fica bem. Mas
quanto de crescimento se exige e quanto de inflação se tolera para
isso?

E, sobretudo, não se vê nada em relação ao desafio dos juros elevados.
A presidente já disse, até mesmo na campanha eleitoral, que tinha o
objetivo de reduzi-los. Mas não disse qual caminho pretende seguir
para isso.

Parece improvisado. Um dia é o dólar; no outro, o crediário; depois, a inflação.

De uns dias para cá, depois do anúncio da privatização dos aeroportos,
membros do governo têm vazado algumas informações sobre planos de
combate à indexação, simplificações tributárias e outras
modernizações.

Mas, de novo, falta o Plano Real dos juros - uma concepção teórica, um
mapa do caminho prático, a liderança política e a disposição de
aplicá-lo.

A oposição nem passa perto disso.

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