O GLOBO
A Grécia não vai conseguir honrar seus compromissos no acordo de ajuda que a Europa deu. Ontem, sua dívida foi rebaixada e já começou o trabalho de reforma do pacote de resgate: mais dinheiro e mais prazo. A Irlanda quer mais facilidades. Portugal entrou na lista dos socorridos pela Europa, mas já se sabe que terá que amargar dois anos de recessão antes de atravessar esse mar.
O que a Europa não quer ver é o inevitável. Em algum momento os países mais fragilizados financeiramente do continente terão que renegociar suas dívidas, dando calote parcial nos bancos. Esses pacotes de ajuda repetem um roteiro que para nós da América Latina tem sabor de filme antigo.
A ajuda à Grécia foi de US$158 bilhões para uma economia de pouco mais de US$300 bilhões, no meio de uma recessão, com um déficit de mais de 12% do PIB, em grande parte produzido por manobras contábeis que esconderam o rombo até onde fosse possível. A ideia do Fundo de Estabilização Financeira da Europa, de cerca de US$630 bilhões ( 440 bilhões), era que a Grécia recebesse esse socorro de emergência, depois reorganizasse suas finanças, reconquistasse a confiança do mercado, e captasse recursos via mercado para rolar sua dívida. Assim, poderia começar a pagar o dinheiro emprestado pelos vizinhos.
O projeto já fracassou. Numa reunião não prevista, os ministros de finanças dos países europeus admitiram o que já se sabia, mas que dito por eles tem mais força: é preciso reformar o pacote de ajuda porque a Grécia não conseguirá tomar dinheiro no mercado no ano que vem. Foi o que disse o ministro de Luxemburgo Jean Claude Juncker, que está na presidência do conselho de ministros da Zona do Euro. O britânico George Osborne disse que mudanças no plano de resgate são inevitáveis.
Todos já sabiam que isso seria necessário, mas é diferente quando os próprios ministros numa reunião não prevista afirmam isso. O ministro grego George Papaconstantinou disse que o país está revendo todos os itens do pacote de ajuda para saber o que propor, mas autoridades europeias, como Juncker e o presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, disseram que uma reestruturação da dívida pode causar mais problemas do que solução. Por reestruturação, entenda-se dar um calote parcial nos bancos: sentar com eles e renegociar valores e prazos da dívida do país. A S&P calculou que as perdas poderiam ser de 50% a 70% da dívida grega. Isso distribui as perdas com os bancos, que emprestaram irresponsavelmente, mas o que as autoridades temem é o efeito dominó, porque os débitos estão muito interligados. Bancos de países hoje com problemas, mas com crédito na praça, podem ter rombos exatamente se tiverem que pagar uma parte da conta.
O quadro atual mostra que dificilmente alguns desses países poderão arcar com os custos do saneamento financeiro sem que os bancos aceitem uma redução do valor da dívida. A Grécia recebeu uma ajuda de cerca de 50% do PIB e agora está negociando um novo socorro, mais facilidades, e já sabe que ela tem um papagaio vencendo de 30 bilhões no ano que vem que não vai conseguir levantar dinheiro no mercado para renovar os títulos. Esse é o grande entrave da crise europeia. A Irlanda, que foi ajudada em novembro passado com 85 bilhões, já disse que qualquer facilidade dada à Grécia terá que ser dada a ela também. Portugal resistiu a receber qualquer ajuda, até que na semana passada fechou o pacote de 78 bilhões. Isso tudo apenas para ajudar três economias pequenas, que juntas representam apenas 7% do PIB da Zona do Euro. O Fundo de Estabilização foi formado com 440 bilhões. Imagine o que será se um país como a Espanha, que sozinho é 12% do bloco, precisar de ajuda. A Espanha tem seus próprios problemas e seus bancos são os maiores emprestadores para Portugal.
A dívida de longo prazo da Grécia foi rebaixada pela Standard & Poor"s de BB- para B, e a de curto prazo, de B para C. Isso significa que a dívida no nível C já está no nível especulativo. Quando uma dívida é classificada nesse patamar, inúmeros investidores institucionais não podem comprar papéis do emissor. Mesmo merecendo todas as críticas que são feitas a elas, as empresas de classificação de risco tomam decisões que se refletem em reações concretas de aversão aos papéis do devedor rebaixado.
A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, não vê vantagem para a Grécia em sair da Zona do Euro, porque o país teria dívidas em euro e ativos em dracma. Ela acha que o país e o bloco terão que esgotar as possibilidades de rolagem antes de tomar uma solução mais abrupta:
- O caminho é tentar gerar alívio de caixa. Se conseguir fazer isso voluntariamente, para tirar o país do mercado em 2012 e 2013, não há urgência para fazer mais nada até lá e não precisaria anunciar nada mais dramático - disse Monica.
Roberto Padovani, economista do banco WestLB do Brasil, também acha que os gregos receberão novo aporte, para ganhar tempo e evitar tanto a reestruturação quanto uma saída da Zona do Euro.
- É cedo para falar em reestruturação e a ruptura agora seria um fracasso para o euro e aumentaria os riscos para a região como um todo - disse.
A situação na Europa é crítica. Não há saídas fáceis pela frente. Tudo ainda é consequência da crise que atingiu o mundo desenvolvido em 2008 e que representou o estouro da bolha especulativa que havia se formado com o excesso de liquidez que garantiu o crescimento dos anos anteriores. A Europa ainda não sabe como sair da crise. Está indo no caso a caso.
Entrevista:O Estado inteligente
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