VALOR ECONÔMICO
Entramos no quinto mês com a presidente Dilma. Qual avaliação podemos fazer de seu governo? A impressão geral superou as expectativas, por ser um governo menos estridende que o antecessor, mais racional e técnico e demonstrar um esforço de gestão sem demagogia. As primeiras decisões devem ser aplaudidas. Primeiro, a decisão de corte de R$ 50 bilhões nos gastos previstos no orçamento deste ano. Todos concordam também que foi acertada a decisão de estabelecer, como uma das prioridades do governo, a erradicação da pobreza. Na sua relação com o Congresso Nacional, a aprovação do salário mínimo, de acordo com a regra pré-estabelecida, sem convertê-lo num balcão de negócios, foi também muito positiva e poderá trazer importante avanço no relacionamento do executivo com o legislativo, como poderes autônomos. Entretanto, o momento é de grandes incertezas e está requerendo novas definições, reformas e mudanças. Nesse quadro, é preciso dar um rumo claros às políticas e ações que o governo vai desencadear para enfrentar as grandes questões colocadas, para que o setor produtivo possa vislumbrar o futuro do país. Neste sentido, faltou ousadia e coragem.
O primeiro grande problema econômico que está colocado e gera grande incerteza é como vamos, simultaneamente, enfrentar a inflação e um crescimento econômico de 5%? Com um único instrumento, a taxa de juros, para controlar a inflação, cuja aceleração tem múltiplas causas (choque externo de preços de commodities, excesso de demanda, expectativas e reindexação) será pouco eficaz. A não ser que se eleve a taxa de juros para a estratosfera, particularmente, quando o seu principal mecanismo de transmissão, a taxa de câmbio, anda obstruído.
Se levarmos a taxa de juros nessa magnitude, teremos recessão, mas não derrubará os preços das commodities, que são formados no mercado internacional e, com o canal do câmbio obstruído, a taxa de inflação cairá aos poucos, mas essa medida conflita, frontalmente, com o objetivo de crescimento do governo. Mas, para contrair a demanda agregada, é muito mais lógico reduzir o consumo do governo que, além de contrair a inflação, poderá resolver o nosso maior problema de longo prazo de elevar a taxa de investimento.
Isso nos leva ao segundo grande desafio do governo. Como vamos ampliar a taxa de investimento para atender às demandas da Copa do Mundo e da Olimpíada, desobstruir, minimamente, o estrangulamento imposto pela infraestrutura física e agora para ampliar a oferta de gasolina e etanol? O governo precisa explicitar quanto devemos investir para atendermos esses requisitos mínimos necessários, quanto cabe ao setor público, quanto cabe ao setor privado e como financiá-los. Mais do que isso é preciso urgentemente desenvolver um mínimo de capacidade de planejamento e de execução de projetos.
Pelas informações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pode-se inferir que até 2014 será preciso aumentar os investimentos em mais de R$ 1 trilhão, elevando a taxa de investimento de 18,4% do PIB, em 2010, para 23% do PIB. Isso significa ampliar em 5 pontos percentuais do PIB a taxa de investimento, o que implica em realocar nesse percentual recursos que hoje vão para consumo, para investimento até o final do mandato. Com a atual política fiscal transferindo recursos na direção inversa - para o consume - só resta recorrermos ao financiamento externo, mas isso significa que o déficit em transações correntes aumentará para mais do que 7% do PIB, o que com certeza não será sustentável por muito tempo e terminará em crise de balanço de pagamentos, como repetidas vezes aconteceu na nossa história, a mais recente em 1999.
Com a atual política de taxa real de juros elevada e taxa de câmbio apreciada, estamos destruindo a nossa indústria de transformação, inflacionando o setor de "non tradables", particularmente de serviços. Com o boom nos preços, o setor de commodities vai bem. Com essa política macroeconômica e sem planejamento estratégico de longo prazo, entramos num processo de especialização regressiva da nossa estrutura produtiva, e nos tornamos, de fato, um país periférico e totalmente dependente da China, o novo centro dinâmico da economia mundial. Basta verificar que a indústria de transformação passou a ter um enorme déficit na balança comercial, enquanto todo superávit vem do setor de commodities. Estamos exportando produtos primários, com valor agregado cada vez menor como a China exige, e importando cada vez mais manufaturados, desde têxteis, eletrônicos, máquinas e equipamentos. Será que o Brasil vai ser uma grande exceção no mundo, quando hoje até os Estados Unidos estão desenvolvendo um projeto de reindustrialização e de substituição de importações, depois da onda de transplante de fábricas para a China? Será que o aproveitamento dos elevados preços de commodities, que será transitório, maximizando o consumo de importados no curto prazo, com destruição da indústria de transformação, é a escolha do governo e do povo brasileiro?
Essa última questão de ausência total de um planejamento estratégico de longo prazo, de uma definição básica de onde queremos chegar e como, na verdade nos remete a um problema maior. Perdemos nos últimos anos a capacidade de pensarmos com a nossa cabeça o nosso país. Perdemos a capacidade de pensar o nosso futuro. Não sabemos quais são os interesses nacionais, o que realmente traz benefício permanente para o povo brasileiro. Cabe ao governo comandar e coordenar ações para recompor a ideia de nação, de um povo brasileiro com identidade nacional, com valores culturais e éticos que cimentem a ideia de destino comum, pois sem isso não vamos a lugar nenhum. Entretanto, o mais importante, o pré-requisito para compor a nação - os conflitos sociais foram reduzidos com o desenvolvimento. A coesão social já foi alcançada nos últimos vinte anos, com a democratizacão e o surgimento da chamada classe C. É só o governo construir um projeto voltado para as prioridades dessa classe, a dos trabalhadores brasileiros, que constitui a maioria da população, que estará construindo um projeto para a nação.
Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP,