Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 01, 2011

Miriam Leitão Cenário mutante

O Globo
Para as pessoas e as empresas, este é um ano ao mesmo tempo bom para o
Brasil, mas difícil. Há riscos, se as decisões não forem tomadas com
cautela. O cenário internacional está incerto: a explosão dos
conflitos no Norte da África e Oriente Médio, o desastre nuclear no
Japão, a disparada do petróleo não estavam no horizonte das previsões
econômicas feitas para o ano.

O país está reduzindo o crescimento, mas ainda crescendo e mantendo
nível de emprego, o que é bom, mas as famílias estão com um nível alto
de comprometimento da renda com dívidas assumidas nos últimos anos. A
inflação em alta vai tirar mais renda, principalmente dos mais pobres,
não só porque são sempre eles as primeiras vítimas das altas de
preços, mas porque elas batem mais em alimentos.

Boas e más notícias ocorrerão no front da inflação nos próximos meses.
As boas virão da queda do índice mensal. Os números de abril serão
ainda altos, mas os de maio devem cair, e os de junho, também. As más
notícias virão da inflação em doze meses, que continuará aumentando
porque em junho, julho e agosto do ano passado as taxas ficaram em
torno de zero e este ano não devem ficar, pelo menos não nos três
meses. Isso elevará o índice anual para mais de 7%. Se o governo olhar
só para o índice mensal, vai achar que a inflação era momentânea e
pode concluir que tudo está resolvido. Há quem no governo esteja
trabalhando para evitar a impressão de que já se venceu o problema
antes da hora. O risco para o qual o governo tem que estar alerta é o
de ampliação da indexação, por causa da inflação alta em 12 meses e do
mercado ainda aquecido.

As empresas terão que tomar cuidado em seus planos. O país está
crescendo, mas está desacelerando e os custos estão subindo. Olhar
custos cuidadosamente e evitar perder bons funcionários para a
concorrência de olho em trabalhadores capacitados serão alguns dos
desafios. Não sancionar qualquer aumento de seus fornecedores será
outro desafio. A empresa pode se ver na contingência de ter que
aceitar um aumento de preço do seu fornecedor, para manter o ritmo de
produção, e mais adiante enfrentar um mercado em ritmo menor.

As pessoas têm que tomar extremo cuidado com endividamento. Apesar do
aumento acelerado do crédito nos últimos anos, e da elevação do
percentual da renda que está comprometida com o pagamento de dívidas,
não está havendo aumento da inadimplência. Mas o Banco Central está
subindo os juros e tomando medidas para reduzir o dinheiro que as
instituições podem emprestar. Os brasileiros estão acostumados a olhar
se a prestação cabe no bolso, em vez de olhar o custo do dinheiro. Se
a situação virar por algum motivo — e o mundo provou este ano que
quadros inesperados se formam da noite para o dia — muita gente pode
se ver presa na armadilha do crédito.

O país recebeu um fluxo gigantesco de capital externo no primeiro
trimestre do ano, isso favoreceu as empresas e aumentou a liquidez na
economia, a despeito do esforço feito pelo Banco Central de reduzir a
oferta de crédito com medidas como exigências de capital e aumento do
recolhimento compulsório. Grande parte dos US$ 35 bilhões de capital
externo que entrou no país apenas no primeiro trimestre veio porque há
um excesso de liquidez no exterior e as empresas pegaram empréstimo lá
para se financiarem aqui. Isso eleva o risco cambial das empresas. Em
2008, muito analista dizia que aquela onda de liquidez farta e dólar
baixo nunca acabaria, até que acabou subitamente em 15 de setembro,
com o estouro da crise bancária dos países ricos.

Ano de crise, as famílias e as empresas até sabem como enfrentar:
apertar os cintos e postergar decisões de consumo ou de investimento.
Em ano com uma conjuntura fluida e mutante, é mais difícil a tomada de
decisão. Não se pode perder oportunidades, mas não se deve correr
riscos além da conta. O ponto ideal entre esses dois pólos é difícil
encontrar.

Quem poderia dizer que um ato solitário de protesto de um vendedor de
frutas na Tunísia seria o estopim da mais longa, prolongada, e ainda
imprevisível onda de mudanças políticas no Norte da África e no
Oriente Médio? Isso nos afeta pelo preço do petróleo que subiu
drástica e rapidamente. Hoje, o Brasil vive uma situação estranha: a
Petrobras está importando gasolina mais cara do que vende no mercado
nacional. O consumidor está pagando cada vez mais caro pela gasolina,
mas a estatal não reajustou o preço do produto que entrega nas
refinarias. Está na prática subsidiando um produto que não consegue
produzir no mesmo ritmo do aumento da demanda, tanto que está
importando. Mais detalhes desse nó, você pode ver no programa que fiz
esta semana na Globonews. Está disponível no blog:
www.miriamleitao.com.br.

Tudo está mais complexo este ano, dificultando a vida de todos, até de
quem vive de escrever sobre assuntos econômicos. No começo do ano, o
Japão estava retomando o crescimento; a crise na Europa, acalmando; e
os Estados Unidos com perspectivas de retomada mais forte do
crescimento. Agora, o Japão está numa situação imprevisível, já que
seu desastre nuclear e os efeitos sobre as cadeias produtivas e a
economia ainda não estão inteiramente dimensionados. A recuperação
americana perdeu força, em parte pelo forte impacto do aumento do
preço do petróleo na renda disponível do consumidor. Na Europa, fica
difícil imaginar um cenário sem a reestruturação da dívida soberana de
alguns países. Aumentou muito a incerteza externa, enquanto o Brasil
faz uma transição para mais juros, para conter a inflação, e redução
do ritmo de crescimento.

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