O Estado de S. Paulo - 12/04/2010
Chegaram a dizer que o governo gasta pouco em obras de prevenção dos desastres naturais porque é obrigado, por lei, a fazer um superávit primário elevado. Isso, o superávit, é a parte do orçamento que vai para o pagamento de juros da dívida pública com o objetivo de reduzir o endividamento.
Ora, fazer esse superávit, regra introduzida pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1998 e mantida no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, é um dos pilares da política econômica de estabilização, que antes se acusava de neoliberal. De maneira que caímos nisso: tem enchente por causa do mercado que exige do governo o pagamento de juros em vez de investimento público em obras de contenção e saneamento.
É por causa desse tipo de raciocínio que estamos onde estamos. Um governo altamente endividado tem dificuldades para se financiar e paga juros cada vez mais altos. Isso reduz sua capacidade de investimento. Ao contrário, um governo que faz o sacrifício de sanear as finanças e equilibrar suas contas adquire maior capacidade de financiamento e investimento.
Ora, por aqui, o governo se endividou largamente no passado, fez inflação para desvalorizar suas dívidas e gastos e depois aumentou brutalmente a carga tributária. Ou seja, fez dinheiro, muito dinheiro. E onde está a infraestrutura que amenizaria as catástrofes naturais?
Em vez disso, tivemos inflação e calotes. Do Real para cá, a situação foi melhorando, o setor público cada vez mais saneado, mais capaz de gastar de maneira saudável.
De novo, onde estão as obras? No superávit primário? Mas quais foram os gastos que mais cresceram nos últimos anos? Pessoal, custeio, previdência. O governo arrecada mais de 36% do PIB e aplica menos de 3% no superávit primário. Descontado isso, portanto, sobram 33% do PIB, uma receita superior à de qualquer outro país emergente.
Vamos reparar, de novo: descontando o primário, o setor público brasileiro dispõe proporcionalmente de mais recursos do que as nações de desenvolvimento parecido. Nessas, a carga tributária, em geral, não passa dos 22% do PIB. Mesmo assim, não consta que os serviços públicos aqui sejam proporcionalmente superiores.
Ocorre que os gastos são mal administrados. Considere Niterói. A prefeitura e o governo estadual tiveram dinheiro para urbanizar bairros levantados em áreas que se sabia serem de risco. E se sabia não de ouvir dizer, mas com base em relatórios técnicos, alguns feitos para a própria prefeitura.
Assim mesmo, acharam melhor levar para esses bairros avenidas asfaltadas, ruas pavimentadas, redes de água e de luz, centros esportivos e até escolas. Por que fizeram isso em vez de, primeiro, impedir que se levantássem os bairros e, segundo, remover as populações dessas áreas perigosas?
É fácil, não é mesmo? Cada urbanização dessas é uma inauguração, uma festa, um palanque.
Depois, quando vem o desastre, autoridades mandam que as pessoas saiam, mas não oferecem locais razoáveis para abrigá-las. E ainda dizem que as pessoas deviam ter consciência de que estavam em uma área de risco.
Mas como poderiam saber? Moradores mais recentes do bairro do Bumba, em Niterói, contaram que compraram suas casas dentro da lei e que pagavam o IPTU para a prefeitura. Não era isso um sinal de que estava tudo bem?
Eis o ponto: o governo é ruim, os políticos são tão desprovidos de espírito público que um ministro acha natural que mande mais verbas para o Estado em que faz política.
A culpa é deles, não é do superávit primário, nem do neoliberalismo e, muito menos, das chuvas.
Planejamento? Pesquisando meus arquivos pessoais, encontro uma entrevista feita para a revista Veja em 23 de maio de 1979, com o então ministro da Aeronáutica Délio Jardim de Mattos. Dizia ele que estava decidido: o principal aeroporto de São Paulo seria o de Viracopos (Campinas) "porque ali os fatores atmosféricos influem menos e há uma serra barrando o crescimento de São Paulo na direção do aeroporto". Informava então que Viracopos seria consolidado e que seria construído "um sistema de transporte moderno", um trem, no canteiro central da Rodovia dos Bandeirantes.
Não saiu nada disso. O principal aeroporto paulista ficou em Guarulhos (Cumbica), inaugurado em 1985, com a promessa de uma linha de trem de São Paulo até lá.
Continua na promessa.
Mais recentemente, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, falou em revitalizar Viracopos (20 anos depois!) e torná-lo um dos principais aeroportos da América Latina.
Anunciou ainda reformas e ampliações em Cumbica e, sobretudo, um terceiro aeroporto na região metropolitana. Aliás, a Infraero e a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) tinham prazo de três meses para apresentar o projeto desse novo aeroporto.
Sabem quando venceu o prazo?
Em outubro de 2007.
Tudo bem, não é mesmo? O que são dois anos e meio de atraso diante dos 21 anos do trem para Viracopos?
Incertezas. Muito ruído na área do Banco Central. Muita gente dentro do governo insatisfeita com a permanência de Henrique Meirelles e de bronca com a iminente alta dos juros.
Entrevista:O Estado inteligente
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