O GLOBO
Hoje os negociadores vão escrever o documento oficial. O Brasil participa diretamente. Ontem foi mais um dia de briga: emergentes e pobres se desentenderam; países ricos recuaram de promessas feitas, uma pequena ilha virou o centro do mundo. De Brasília, a ministra Dilma Rousseff tenta entender a confusão trocando e-mails com a mulher mais poderosa da conferência, Connie Hedegaard.
O Brasil é o vice-presidente do grupo que vai redigir o documento que será o oficial da reunião. O embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado estará diretamente envolvido, junto com o presidente, representante de Malta, na preparação desse texto.
O documento é a chance de enterrar a guerra de papéis que dominou esse começo da Conferência do Clima das Nações Unidas (COP15), aqui em Copenhague.
A ministra Dilma chega no domingo mas do Brasil tem trocado figurinhas com a presidente da conferência.
Para Dilma, Copenhague é um teste e um palanque. Para Connie, também. Ambas têm ambições.
Ontem foi mais um dia de conflito em Copenhague. Tuvalu, o quarto menor país do mundo, ilha da Polinésia, fez cair as máscaras na reunião plenária. Sugeriu que se criasse um grupo para examinar sua proposta de um acordo com força legal, que o país apresentou seis meses atrás. Produziu a maior confusão. As ilhas náufragas, os países mais pobres da África, como Serra Leoa e Senegal, e os países do Caribe apoiaram. China, Índia, Arábia Saudita, Venezuela e todos os outros petrolíferos ficaram contra. O Brasil não abriu a boca. Os Estados Unidos, também. E a reunião da manhã foi suspensa por causa do impasse. O temor dos países que ficaram contra é que, se fosse aceita a proposta de Tuvalu, poderiam ser reabilitados, automaticamente, textos dos Estados Unidos e Austrália, ruins e superados.
Um pouco antes de os diplomatas se dividirem nessa briga, houve um momento emocionante na reunião plenária.
Uma menina falou em nome da juventude para todos os países: “Não é mais hora de dizer: sim nós podemos.
Temos de dizer, sim, nós devemos e nós vamos fazer um acordo.” Parece que o mundo nem pode nem quer superar divisões. Nesse momento da conferência, prefere aprofundá-las para depois negociar. Enquanto isso, em outra reunião, a do Protocolo de Kioto (MOP5), que corre em paralelo, Japão e Rússia disseram que as propostas que haviam feito de aumento de metas não valem mais no atual protocolo, apenas num próximo acordo.
Aqui se discute o futuro, mas a ideia de fazer um novo acordo produz calafrios no trio ChinaIacute;ndia-Brasil. Eles terão mais a perder se a arquitetura de Kioto cair, porque pelo protocolo eles não têm que cumprir metas.
Podem se dar ao luxo de oferecer apenas o que querem, apesar de serem grandes poluidores. São emergentes, mas gostam de passar a impressão de que são parte dos pobres e seus portavozes. Só que os mais pobres começam a falar, cada vez mais, com suas próprias vozes e às vezes entram em conflito com o trio emergente.
Aliás, ontem, China e Índia ficaram com os petrolíferos, os mais pobres ficaram sozinhos, enquanto o Brasil ficava mudo.
Tanta tensão logo no começo da reunião faz parte do jogo diplomático. Todos radicalizaram suas posições para ficar em melhor situação de negociação.
A Europa se reúne hoje e amanhã em Bruxelas e essa reunião é decisiva. Há duas expectativas em relação a ela. Uma boa e uma péssima.
A boa, que circula entre as grandes ONGs presentes aqui, é que a Europa pode elevar o sarrafo. Em vez de 20% a 30% de corte na emissão, ela estaria disposta a oferecer 30% a 40%.
Como região que tem liderado a redução das emissões, os europeus avançariam mais um pouco, desde que resolvido o problema da Polônia, que quer ser financiada para isso. A expectativa pessimista de Brasília é que a Europa esteja à beira de recuar, na verdade, e ficar nos 20%.
Recuaria para permitir a inclusão dos Estados Unidos num novo acordo.
Aqui, cada um tem sua verdade. Os europeus, o Japão e a Rússia querem os Estados Unidos dentro de um compromisso obrigatório.
Os EUA não ratificaram Kioto. Europeus e americanos querem que os grandes emergentes também tenham metas obrigatórias e por isso defendem um novo acordo.
Os emergentes, os petrolíferos, os países médios não querem mexer em Kioto, querem negociar compromissos para além de 2012 dentro daquele marco legal.
As pequenas ilhas náufragas querem que o mundo tenha noção da urgência e, portanto, defendem um novo acordo que tenha efeito imediato e força de lei. Os países mais pobres querem mais dinheiro porque eles serão os primeiros afetados. E tudo terá que ser registrado em um só documento.
Ontem, o presidente do G-77, Lumumba Stanislas Dia Ping, em nome dos africanos, disse que dois graus de aumento de temperatura no mundo viram quatro graus na África e que os países ricos estavam condenando o continente ao não fazerem o acordo. O represente europeu respondeu que há muitos acordos entre Europa e África e que Dia Ping não sabe disso porque vive em Nova York.
Conflitos, alfinetadas, bodes na sala consumiram o terceiro dia de negociação.
Hoje, começa o trabalho no texto comum
Entrevista:O Estado inteligente
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