O embaixador Marcos Azambuja, que foi nosso representante, entre outros países, na França e na Argentina, conhecido pela inteligência rápida e humor crítico, caiu em desgraça no governo Itamar Franco quando disse que, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência, era como se o país tivesse um upgrade da classe econômica para a primeira classe.
Hoje, como representante do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), tem participado de reuniões com diversos centros de estudos dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e tem uma nova sensação: a de que o país que representa “chegou lá”. Ele classifica os Brics de “o primeiro caminho de admissão do Brasil no diretório central do poder mundial”.
Na próxima terça-feira, dia 16, acontecerá o primeiro encontro de chefes de Estado dos Brics em Yekaterinburgo, na Rússia. Essa é a primeira revisão de poder da era pós-Segunda Guerra Mundial, o retrato, confuso ainda, de uma nova realidade que a crise econômica internacional valorizou.
Uma reunião dos quatro grandes que não são os quatro grandes da Segunda Guerra.
O Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, deu a deixa ao dizer que o G-8, que se reúne nos próximos dias, já não representa mais nada. Para o ministro do Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, há grande interesse pelo adensamento do movimento dos Brics, que aparece como mais promissor do que o G-20 ou o G-8 + 5.
O presidente Medvedev, da Rússia, ressalta que os quatro países detêm 40% da população e do PIB mundiais, além de representarem 28% da massa terrestre do planeta.
“Estamos muito longe do terceiromundismo, estamos tratando praticamente da metade da humanidade, e o que surgir a título de convergência entre esses países exercerá influência muito grande sobre o futuro”, ressalta o ministro Mangabeira Unger.
A recente reunião em Moscou, preparatória para o encontro de chefes de Estado, mostrou os dois megapaíses do grupo, Índia e China, muito mais cautelosos do que Rússia e Brasil, mas é natural que assim seja.
Embora Índia e Brasil tenham participado da Segunda Guerra Mundial, nenhum dos dois foi reconhecido nos acertos subsequentes da Guerra como uma potência vitoriosa, ao contrário da Rússia e da China, que fazem parte permanente do Conselho de Segurança da ONU. A Índia ainda lutou sob o domínio inglês, e o Brasil não tinha cacife político para reivindicar um lugar entre os vencedores.
Até agora, as discussões entre os Brics têm sido dominadas por dois temas: a representação mais ampla dos países emergentes nas organizações estabelecidas depois da Segunda Guerra Mundial, e a questão do protecionismo, especialmente na agricultura.
São temas divisionistas, lembra Mangabeira Unger, inclusive dividem os próprios Brics, pois dois deles, China e Rússia, estão entrincheirados entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
E no tema econômico do protecionismo a divisão ocorre em outras linhas por que o Brasil busca apoio aos seus produtos agrícolas, e China e Índia têm o interesse previsível e legítimo de resguardar sua agricultura familiar. Aí, há clara divisão entre os Brics.
Mas Mangabeira Unger acha que “estamos fadados a propor rearranjos nessa estrutura, e é natural que ao ouvir nossas propostas, a Rússia e a China exibam relutância”.
O e m b a i x a d o r M a rc o s Azambuja lembra que, além do Conselho de Segurança da ONU, já não fôramos antes chamados para formar a Liga das Nações, e os Brics é “o primeiro grande navio que nos embarca”. Para ele, os quatro vão se juntar ao México e à África do Sul, talvez Indonésia, para complementar o G-8.
Para Mangabeira Unger, está claríssimo de que “estamos muito longe de termos um programa comum, mas já fomos muito além de termos apenas uma lista de preocupações compartilhadas”.
Para o embaixador Marcos Azambuja, “o que une os Brics são grandes volumes, territoriais, de produto, de população.
Os Brics são a expressão da massa crítica de cada um.
Eles têm uma relevância entre eles de porte, todos são grandes países territoriais, grandes produtores”.
Mas, segundo o embaixador, “como naquela peça do Pirandello ‘Seis personagens à procura de um autor’, os Brics são quatro países à procura de uma agenda. Não temos uma agenda de cooperação montada”.
Ao contrário do G-7, que nasce de uma guerra, de uma oposição ao comunismo, afinidades culturais e a defesa de um ideário liberal progressista, industrial, os quatro dos Brics existem, primeiro, porque foram excluídos pelos outros.
Para Azambuja, se o G-7 tivesse absorvido os quatro, o mundo estaria hoje em ordem.
Só a Rússia entrou, e de maneira desconfortável, pois não se sente parte daquele time, antigos adversários da União Soviética.
“Os quatro estão num processo de começar a encontrar afinidades. Não tiveram o que costuma ser o cimento de uma união, uma guerra lutada lado a lado, e não temos um adversário ideológico. O que temos é uma percepção de que os nossos números são tão avassaladores que os quatro se identificam na sua grandeza.
É uma emergência de gigantes, que não têm nenhum ideário de convergência real”, ressalta Azambuja.
Do desarmamento nuclear ao papel do dólar como moeda de reserva internacional; da reorganização dos organismos internacionais ao papel do G-20, todos esses assuntos estão na mesa de discussões dos novos jogadores no xadrez internacional.
Uma coisa parece certa: os chefes de Estado na cúpula de Yekaterinburgo vão escolher um caminho mais focado, e sentiremos os efeitos da reunião, que por si só é um fato histórico. Os Brics passarão a ser mais do que um simples acrônimo criado por um banco de investimentos internacional.
(Continua amanhã)
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