Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 09, 2009

MILLÔR


NONSENSE
(NÃO SEM SENTIDO — SEM DIREÇÃO)

LEVANTO-ME às três horas da manhã, arranco, o carro enguiça, tiro o revólver da cintura e, sem comer nem dormir, chego lá onde ninguém jamais poderia pensar que eu chegasse só com duas pernas. Sou uma centopeia, peia, amar rara e se meu nono não deixar de ser sovina também me atiro aí no rio, de Janeiro, aliás, onde morrerei de inanição. Mas venha de lá um abraço e passe-me a carteira. Rara é a honra sem um sanduíche comido e um padre ouvido. Raro é o momento raro. Prefiro sempre ver as coisas com meus próprios olhos!

Não, Pablo, amigo, I don’t drinque. Se atirando do alto da torre Eiffel o pobre coração inglês hecho en pedazos, e, como sempre, a noite dividida em duas metades pra quem parte e reparte e retém a maior parte. Falar em Juscelino, ontem vi um avião caindo do fundo do mar e pensei na mãe do pobre militar que não tinha nem um trem de verdade com que brincar no quarto. O boi, sim, esse não faz boicote. Mate-o e você verá dentro dele a constelação de aquário, o lago das efemérides inconstantes no centro mais impossível de obter licença, numa festa cheia de licenciosidades. Arre! Arree! À meia rota, a meia rota, o pé diminuto e caindo, para sempre, a cotação da balsa. Eu disse balsa, amiga, e você me joga a bolsa, como se eu fosse um outro, dois outros, três outros, manada de outros sem razão nem cheiro. Cáspite, disse o demiurgo perpetrando o décimo milagre. Cuspiu na santa e amanheceu remoto. Tornou a cuspir e anoiteceu mais perto. Que faço então? Ali, ali, um choro ensandecido diante da primeira luz que o acendedor de lampiões acende antigamente. Olha a laranja- seleta, ooolha a boa tangerina! Oh, pardo de Deus, céu sem nuvens, fumaça de navio sem navio, com trem-bala. Pois, estando sobre o monte das oliveiras, quem me surge senão o Aloísio de Oliveira? Rastro, a faca de gume santo, o tipo à toa descarado sem-vergonha e, no mesmo instante, o relógio de cuco que cuca. Imito a minha avó que é uma perfeição mas ninguém reconhece pela idade. Tiro o quê, do maço de cigarros? Apenas um charuto, morou? Não?, então me dá um beijo aqui no alto de minha prima-irmã. Diante do Juiz, ele pediu marmelada com queijo? Beijo! Então manteiga pra você cotidianamente. A dona chegou pé ante pé, mão ante mão, e revelou-se a macaca de outrora. O pai, morto, levantou pela última vez e pediu um copo d’água. Trouxeram o guaraná mas mesmo assim ele tornou a morrer – em paz. Paz, que paismaceira! O que eu digo não se escreve. Se se escrevesse eu mesmo escrevia e não ia doer mais do que em mim. Meu filho, corre senão você vira galinha-d’angola. O pior de tudo são as manchas na consciência de todos. Dá-me a faca e toma o lenço. Dá-me o lenço e toma o berimbau. Dá-me o berimbau e toma o Cadilaque. Truco! O resto é silêncio, é barulho, bebop e é cemitério sepulcral. Disse ele que um dia desses larga tudo e cai na farra, no que eu não acreditei – devia ser uma alucinação precoce como a calvície dos recém-nascidos. Nada quem? Quem nada? Diga à sua mãe que pode vir – a reunião será exatamente à hora em que ela não chegar. Depois será servido um padre-nosso avec pommes de terre. Então, eivados de preconceitos como padres carmelitas, iriam caminhando muitos dias ou quilômetros até esbarrarem nas piores condi-ções de nossa economia. Os pobres não entendem nada da riqueza.

Não quero choro nem vê-la.

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