"Na educação, apesar dos resmungos de
alguns, muito pode ser feito sem que sejam
necessários recursos extravagantes"
A Mona Lisa resplandece no Museu do Louvre. Sua xará, Mona Mourshed, assina pesquisas na famosa empresa de consultoria McKinsey. Com seu sorriso enigmático, a primeira Mona é suave, é lisa. Já a segunda é áspera, pelo impacto dos seus estudos. Seu ensaio sobre educação ("Como os sistemas escolares de melhor desempenho chegaram lá") é um admirável sumário dos resultados de centenas de trabalhos que se acumulam nos últimos anos. Embora seja voltado para países desenvolvidos, suas apresentações no Brasil tiveram grande repercussão.
Ilustração Atômica Studio |
Vejam que situação curiosa. Lendo o ensaio, não discordo de nada. Mas temo que tenha causado mais mal do que bem nas terras tupiniquins. Como assim? Um remédio potente precisa ser receitado com muito cuidado e para o paciente certo. A poção de Mona não serve para o Brasil. Isso porque o tema do primeiro capítulo polariza toda a mensagem: "A qualidade de um sistema de educação não pode exceder a qualidade de seus professores". Nas discussões das quais tive notícia, o debate não foi além desse capítulo. Considerando que a educação da maioria dos estados americanos não está à altura da sua extraordinária riqueza, Mona lembra que seus futuros professores provêm do terço mais fraco dos graduados de suas high schools. Em contraste, Coreia e Finlândia recrutam os melhores graduados e têm ótimos resultados. Para quem já tentou quase tudo, falta atrair excelentes professores.
Quando esse resultado aterrissa no Brasil, registramos que a grande maioria dos nossos professores é também recrutada entre os mais fracos do ensino médio – além de receber péssima formação. Porém, não há dinheiro para pagar salários muito mais elevados. Mesmo que o fizéssemos, seriam trinta anos para renovar o quadro, já que eles são estáveis. Tal diagnóstico é uma bomba atômica de pessimismo. Estamos condenados, pois o ensaio começa com o epitáfio: bom ensino só com excelentes professores. Mas vejam o segundo capítulo: "A única maneira de melhorar os resultados é melhorar a instrução". Contradiz o primeiro! Ou seja, com os mesmos professores é possível obter muito mais. De fato, traz conselhos para tornar mais produtivos os professores existentes. O problema é que essa mensagem ficou obliterada pelo impacto derrotista do início.
Lemos no segundo capítulo: "O papel da escola é assegurar que quando o professor entra na sala de aula tenha todos os materiais disponíveis, junto com o conhecimento e a vontade de melhorar o ensino". É preciso ajudar o professor a empregar as práticas apropriadas, motivá-lo e fazer com que conheça suas deficiências. Igualmente proveitoso é selecionar para a direção da escola os professores mais entusiasmados, criativos e com capacidade de liderar. É necessário ter programas explícitos e livros excelentes. A formação dos novatos se completa dentro da sala de aula, sob a supervisão de mestres experientes que sabem manejar a classe e usar os materiais de ensino.
De fato, é possível fazer bastante em pouco tempo. Em alguns municípios de Minas Gerais, entre 2007 e 2008, os testes de alfabetização (na 2ª série) mostraram uma queda substancial na proporção de alunos com desempenho baixo ou intermediário (ou seja, que não aprenderam a ler). Há casos espetaculares. Em Ouro Branco, por exemplo, uma escola baixou de 42% para 10%. Em Maravilhas, de 43% para 1%, e em Itabirito, de 23% para 0%. Isso aconteceu em municípios participantes do sistema de gestão da Fundação Pitágoras – sem trocar professores! Colocando todos a remar na mesma direção, definindo e dando foco às prioridades, todos colaboram para identificar os problemas, resolvê-los e valorizar os sucessos. Gestão é isso.
Essa é a leitura correta do ensaio de Mona. Não adianta sonhar com professores finlandeses e ser engolfado pelo pessimismo. Na educação, apesar dos resmungos de alguns, muito pode ser feito sem que sejam necessários recursos extravagantes. De fato, como mostra o artigo, gastar muito não assegura boa educação. Se houver a "Grande Reforma da Educação Brasileira", será o somatório dos ínfimos gestos que corrigem erros do passado e introduzem práticas eficazes. Será fruto da insistência obsessiva em melhorar o "feijão com arroz" da sala de aula, ano após ano. Na tradução zen, "todo dia melhorar um pouco, todo dia fazer um pouquinho melhor".