Povo dos mercados nos EUA mais e mais fala sobre o risco da alta excessiva do preço dos títulos do governo americano
QUANDO OS estilhaços da bolha de ações ainda faziam estragos, em 2002, já havia alertas sobre uma nova bolha que se formava nos EUA: a imobiliária. Havia diagnósticos inteligentes e experts mercadejando profecias. Para citar apenas um nome ilustre, Paul Krugman, ora Nobel de Economia, escrevia assim: "Se tivermos, de fato, uma bolha imobiliária, e, se ela estourar, vamos [os EUA] ficar incomodamente parecidos com o Japão".
Não se tratava de discussão arcana, mas um rumorejo ao alcance de quem lesse jornais financeiros ou "papers" de seminários econômicos.
Escrevendo em setembro de 2002, um articulista da Folha observava: "Parênteses sobre a nova bolha: começa a se discutir nos Estados Unidos o perigo da bolha imobiliária. Isto é, uma valorização desmedida de propriedades imobiliárias, as quais serviriam de base para financiar gastos. Se desinflada, a bolha imobiliária criaria uma onda de calotes", com o que o valor de parte dos ativos escorados no preço de imóveis desapareceria.
O mercado de ideias e palpites econômicos sempre oferece adivinhações catastrofistas e otimismos abilolados para quem quiser comprá-los. Em geral, profecias erradas desfazem-se e são esquecidas como o papel barato em que foram escritas. Mas alguns palpites, ainda que se revelem errados, podem ser equívocos úteis. Pode ser o caso do rumor sobre a "bolha" do mercado de títulos do governo americano.
Comparada à inflação dos ativos "pontocom" e imobiliários, a alta dos preços dos títulos do Tesouro dos EUA é um problema muito menos "estrutural", digamos, e de dimensão menor. Mas o rumor sobre o risco da alta excessiva desses papéis fica cada vez mais intenso.
Os títulos americanos tornaram-se uma espécie de colchão universal. O temor do risco, entre outros fatores, levou investidores a comprarem tais papéis, que assim se valorizaram. Assim, o rendimento dos títulos que vencem em três meses flutua, desde setembro, pouco acima de zero, quando não é zero mesmo. No vácuo dessa fuga do risco, o valor de outros ativos despencou (embora por vários motivos), encarecendo o custo do crédito para o setor privado e barateando o financiamento da enorme e crescente dívida americana.
Se os investidores se cansarem do rendimento zero e/ou a economia mundial começar a se recuperar ("quando e se"), o valor de tais títulos cairá, os juros "básicos" americanos aumentarão e o valor de algum outro ativo vai inflar.
O governo dos EUA poderia, então, comprar seus papéis, baixando o seu custo de financiamento, mas despejando mais dinheiro na praça, em tese aumentando o risco de inflação e de o dólar perder valor (o que em tese poderia provocar alguma fuga de ativos dos EUA) etc. Como disse o economista Kenneth Rogoff, na atual crise, temer um pouco mais de inflação é como se preocupar com sarampo quando o risco é de peste. E o rápido e monumental aumento da dívida americana, e o movimento de placas tectônicas que tal fenômeno provoca, talvez nem seja uma "bolha".
Mas que isso parece com um rinoceronte bravo preso dentro de uma loja de cristais, ah, isso parece.