Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 18, 2009

Sobre a Fapesp Celso Lafer


"Conhecimento é poder", afirmou Francis Bacon (1561-1626). Esta afirmação tem um realce próprio no século 21, dada a velocidade com que a cultura científica e tecnológica amplia os horizontes do conhecimento, transpõe barreiras antes tidas como naturais e inalteráveis (como é o caso da clonagem e da pesquisa espacial) e altera as condições de vida de todos. Uma indicação da aceleração do conhecimento no plano mundial é o crescimento da produção científica indexada. Este crescimento foi da ordem de 22,7% entre 2002 e 2006 (832.048 publicações em 2002, 1.020.533 em 2006). O impacto do processo de aceleração do conhecimento tem alcance planetário no mundo globalizado em que estamos inseridos.

Por isso a capacitação científica e tecnológica é uma variável crítica para uma sociedade poder ter um papel de controle do seu próprio destino e encaminhar problemas que desafiam a vida nacional - da saúde à agricultura, da sustentabilidade ambiental à competitividade das empresas. Daí ser a capacitação ingrediente fundamental na definição de um país no mundo e do seu potencial de presença no sistema internacional.

Um dos elementos explicativos da primazia dos EUA no mundo é a sua participação na produção do conhecimento científico-tecnológico. De 2002 a 2006 ela ficou muito acima dos demais países, tendo sido de cerca de 31,3%, seguida do Reino Unido (8,7%), Japão (8,1%), Alemanha (7,8%), China (6,3%) e França (5,6%).

No período 2002-2006 a contribuição do Brasil para as publicações científicas foi de 1,72%, das quais 0,88% teve origem no Estado de São Paulo. A relevante presença paulista na produção do conhecimento no País deve-se à infraestrutura da geração e transmissão do conhecimento em nosso Estado - em especial às universidades públicas e aos institutos de pesquisa, o que, por sua vez, é o resultado do pioneirismo paulista. A Politécnica foi criada em 1893; a Luiz de Queiroz, em 1901; a Faculdade de Medicina data de 1913; a USP, de 1934.

O papel do Estado de São Paulo na produção do conhecimento no Brasil vem sendo, no correr dos anos, alavancado de maneira pioneira e decisiva pela Fapesp, que tem a sua origem em documento de 1947 elaborado por pesquisadores da USP e das instituições de pesquisa paulistas. O documento, respaldado pelos deputados estaduais constituintes Caio Prado Jr. e Lincoln Feliciano, levou, na Constituição do Estado de São Paulo de 1947, ao artigo 123, que previu a criação de uma fundação de amparo à pesquisa, que teria como renda de sua privativa administração quantia não inferior a 0,5% do total da sua receita ordinária. A implementação do dispositivo da Constituição paulista se deu com a Lei 5.918, de 1960, e o Decreto 40.132, de 1962, que instituiu a Fapesp na clarividente gestão do governador Carvalho Pinto.

A Constituição paulista de 1989 (artigo 271) ampliou para 1% da receita tributária do Estado a renda de privativa administração da Fapesp, incluindo, no escopo de sua aplicação, não apenas o desenvolvimento científico, mas também o tecnológico. O dispositivo da Constituição paulista está em consonância com a Constituição federal de 1988, que trata, no artigo 218, da Ciência e Tecnologia, e faculta (§ 5º) aos Estados "vincular parcela da sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica". Para a aprovação deste parágrafo 5º muito contribuiu o então constituinte José Serra, que se valeu dos subsídios da Fapesp encaminhados pelo professor Alberto Carvalho da Silva.

Não há pesquisa, em qualquer campo do conhecimento, sem pesquisadores qualificados. É por este motivo que a Fapesp tem um empenho todo especial na formação de recursos humanos em nosso país. Isto se traduz na concessão de bolsas de formação acadêmica, da iniciação científica ao pós-doutorado, a pesquisadores ligados a instituições de ensino superior e pesquisa no Estado de São Paulo - públicas e privadas, federais, estaduais e municipais. O desembolso com bolsas em 2008 foi da ordem de R$ 224 milhões e corresponde a 35,11% dos recursos investidos pela Fapesp.

É missão da Fapesp criar, com os recursos do contribuinte paulista que lhe cabem, as oportunidades para que a boa pesquisa, em todas as suas formas, encontre apoio no Estado de São Paulo. O desembolso total da Fapesp com pesquisa, em 2008, foi da ordem de R$ 638 milhões. Isto inclui apoio, em todas as áreas do conhecimento, a projetos de pesquisa básica, fundamentais para o avanço da fronteira do conhecimento, e pesquisa com vista à aplicação.

Destaco, entre os muitos projetos apoiados pela Fapesp, os vinculados aos estudos do genoma humano (tão relevantes para lidar com as bases moleculares dos distúrbios genéticos humanos); o Programa Biota, que, voltado para o estudo da biodiversidade paulista, levou, no ano passado, ao mapa para o zoneamento ambiental do Estado e ao mapa para o zoneamento da cana-de-açúcar em São Paulo. São importantes iniciativas da Fapesp de 2008 os Programas de Pesquisa em Bioenergia (BioEn) e em Mudanças Climáticas Globais.

A capacitação científico-tecnológica que singulariza São Paulo no contexto brasileiro muito deve à atuação da Fapesp. A produção do conhecimento em nosso Estado é a maior da América Latina. Supera a do Chile, da Argentina e do México. A chave do sucesso da Fapesp - que como seu presidente me cabe realçar ao término do primeiro ano completo da minha gestão - está alicerçada nos seguintes fatores: a autonomia; o repasse regular e pontual de recursos pelo Executivo paulista; a interação constante e em rede da Fundação com a comunidade acadêmica, que garante a qualidade do processo decisório desde a origem da instituição; e, por fim, a limitação legal e estatutária das despesas com a administração, inclusive salários, em 5% do orçamento.

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