Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Reação conservadora Merval Pereira


O GLOBO

NOVA YORK. Nem mesmo tomou posse, e o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, já se vê às voltas com dificuldades com um Congresso que é dominado amplamente por seu partido, mas que não pretende ter um papel anódino na condução das grandes questões nacionais. Ele ontem já ameaçou usar o poder de veto presidencial, caso o Congresso não autorize imediatamente a liberação da segunda parcela do fundo que foi aprovado logo no início da crise, em setembro passado. São US$350 bilhões que ele pretende usar a partir do primeiro dia de seu governo, e o Congresso quer, antes de liberar, montar um forte sistema de acompanhamento dos gastos, o que pode atrasar a liberação.

Embora a maioria dos indicados para seu primeiro escalão tenha passado sem problemas pelas sabatinas no Congresso, ele teve também de sair em defesa do futuro secretário do Tesouro, Timothy Gheitner, acusado de não ter pagado certos impostos e de ter usado uma empregada em situação ilegal em sua casa. Mas problemas políticos sérios ele poderá ter quando o futuro ministro da Justiça, Eric Holder, for sabatinado.

A campanha dos conservadores contra uma suposta postura leniente no combate ao terrorismo da futura administração está crescendo, e explica parte das concessões que Obama vem fazendo, na maioria retóricas, no tratamento do assunto.

As declarações de Dawn Johnsen, nomeada para chefiar o escritório de aconselhamento legal do Ministério da Justiça, considerando "chocantemente errada, fraudulenta, bizarra" a base legal para a autorização de "interrogatórios duros" de terroristas, está irritando os republicanos.

É desse departamento que saem as interpretações legais dos atos do governo, e uma visão mais "flexível" do que seja tortura foi que permitiu que os presos acusados de terrorismo fossem interrogados com a utilização de técnicas de tortura que o presidente eleito promete banir.

O chefe imediato de Dawn Johnsen é o futuro ministro da Justiça, Eric Holder, ele próprio às voltas com críticas dos conservadores americanos desde que foi indicado.

Ele era uma das vozes mais críticas à maneira como o governo Bush combatia o terrorismo, depois de ter tido palavras de apoio logo em seguida aos ataques de 11 de setembro de 2001, quando considerou que os presos podiam ser tratados como combatentes, dando a entender que os excessos do Ato Patriótico editado pelo governo Bush poderiam ser justificados.

Sua posição mudou radicalmente diante dos excessos, e ele classifica a política antiterrorista de Bush de "exorbitante e ilegal", passando a defender o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, onde os prisioneiros da Guerra do Iraque eram confinados sem um julgamento pelas regras do sistema judiciário americano e sem prazo definido de detenção.

Antigo servidor do governo Clinton, Holder é acusado de ter ajudado Hillary Clinton na sua disputa pelo Senado em Nova York ao ter apoiado o perdão a um grupo de terroristas de Porto Rico que colocou bombas em vários locais de Nova York, matando quatro pessoas em um restaurante.

O grupo Forças Armadas de Liberação Nacional (Faln) lutava pela independência de Porto Rico, que tem uma grande comunidade de residentes em Nova York. Na verdade, quando o presidente Clinton os perdoou, os terroristas estavam presos há 19 anos e uma comissão de prêmios Nobel da Paz, entre eles o ex-presidente Jimmy Carter, pediu a clemência, alegando que as penas eram muito maiores do que as normalmente atribuídas ao tipo de crime que haviam cometido.

Os conservadores atribuem, porém, esse tratamento dado aos terroristas porto-riquenhos a uma atitude recorrente do grupo que agora chega ao poder, e acusam a futura administração de colocar em risco a segurança do país com as mudanças de visão da política antiterrorista que pretendem implantar.

O marqueteiro conservador Dick Morris, um dos maiores críticos de Barack Obama, diz que ele está trazendo para o combate ao terrorismo o mesmo espírito que dominou a Suprema Corte durante o período em que foi presidida pelo juiz Earl Warren, conhecido como "The Warren Court", de 1953 a 1969, quando os direitos civis foram ampliados e as liberdades individuais fortalecidas por decisões que tiveram impacto profundo na sociedade americana.

Segundo Dick Morris, foi essa liberalização que levou à vitória dos conservadores com a eleição de Richard Nixon. Ele diz que, embora as decisões daquele período tenham permitido que muitos bandidos ficassem fora das prisões, por terem sido interrogados de maneira abusiva, terem sido presos sem o devido processo legal e sofrido torturas, pode-se aceitar esses perigos colaterais pelo reforço da democracia, embora seja indiscutível, segundo ele, que essas decisões levaram ao aumento da criminalidade nos Estados Unidos.

Mas, com relação aos terroristas, a mesma postura pode colocar em perigo a sociedade americana, tornando-a mais vulnerável a outro ataque terrorista semelhante ao de 11 de setembro de 2001. Segundo ele, o futuro presidente está colocando sua visão sobre os requerimentos constitucionais acima da segurança do país.

Essas mesmas acusações certamente serão vocalizadas por setores do Partido Republicano durante a próxima sabatina de Eric Holder no Congresso.

Nada que possa evitar sua nomeação para o Ministério da Justiça, mas uma sinalização de como será agressiva a atuação da oposição em relação ao combate ao terrorismo, e como é delicado o momento, quando ao mesmo tempo é preciso fazer voltar a valer a letra da lei, mas também impedir um ambiente propício a novos atentados.

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