Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 20, 2009

O New Deal e Keynes Antonio Delfim Netto

Valor Econômico
As discussões sobre os problemas macroeconômicos são intermináveis. Até hoje, quase 80 anos depois do evento, os economistas discutem qual a "causa" (ou as "causas") da crise de 1930. E há ainda sérias dúvidas sobre as políticas (ou os acidentes!) que a resolveram. Dúvidas completamente ignoradas por quem procura nelas inspiração para a solução da crise atual. Glamorizou-se posteriormente a solução de 1933 como "keynesiana". O pequeno problema é que Roosevelt sempre teve pavor do "déficit público". Como governador do Estado de Nova York, em plena crise (na presidência de Hoover), ele aumentou os impostos para dar ênfase à necessidade de manter o equilíbrio orçamentário...

 
 
Para se ter uma idéia da magnitude do problema dos anos 30 nos EUA é conveniente observar o gráfico abaixo, onde se registra o nível do PIB real dos EUA a partir de 1929 (suposto = 100) e a taxa anual de inflação.

Roosevelt fez sua campanha eleitoral com duras críticas ao sistema financeiro e produtivo dos EUA apoiado em números dramáticos. No final de 1932 (ano da eleição) a situação era a seguinte:

1) queda acumulada do PIB (1929/32) - 26%; 2) queda acumulada dos preços (1929/32) - 33%; 3) taxa do desemprego (1932) - 25%.

Para a crise atual as mais dramáticas previsões falam de uma queda do PIB entre 2007 (quando começou a crise) e 2009, da ordem de 2% ou 3%. No primeiro ano da grande crise (1930), o PIB americano caiu 9% e no segundo, mais 6,5% (1931), perfazendo uma queda de 16%! O quadriênio de Hoover é conhecido por sua ortodoxia, pelos equívocos da política monetária, pelo seu respeito irracional ao padrão ouro que o obrigou a aumentar a taxa de juros (em plena recessão!) para impedir a fuga do metal e pelo desastre das medidas protecionistas incorporadas à lei Smoot-Hawley. Esta aumentou as tarifas de importação de quase 1.000 produtos. Não há dúvida que ela produziu uma política protecionista mundial e estimulou um pernicioso "nacionalismo" que reduziu, em quase 2/3, o comércio internacional. Isso acabou restringindo as próprias exportações dos EUA agravando ainda mais o seu problema.

Roosevelt entendeu claramente que, diante da quebra de confiança que interrompera o "circuito econômico" e da perspectiva de continuidade da deflação, precisava de medidas dramáticas. Foi isso que o fez decretar um feriado bancário e o controle do movimento de capitais no primeiro dia do governo. Nos seus famosos "100 primeiros dias", entupiu o Congresso com os projetos que constituíram o "New Deal", com duas vertentes: reformar o sistema bancário e introduzir o controle governamental sobre a estrutura produtiva. A primeira ele atendeu com Ato Bancário de 1933 (a lei Glass-Steagall) que separou (vejam só!) os bancos de investimentos dos comerciais, criou o seguro de depósitos, o Fomc (Federal Open Market Commitee) e entregou o controle de todo o sistema ao FED. Foi este, em 1986, que voltou a permitir a confusão entre bancos comerciais e de investimento. E terminou como já sabemos...

A intervenção no sistema produtivo concretizou-se no National Industrial Recovery Act (Nira) de Junho de 1933. Ele criou a National Recovery Administration (NRA) e o Agricultural Adjustment Act (AAA). Numa larga medida estes substituíram o "mercado" por um ensaio de Estado "corporatista" que aliou empresários e trabalhadores na eliminação da concorrência e estimulou o aumento simultâneo de salários e preços (inflação para corrigir expectativa deflacionária como se vê no gráfico). Esse "corporatismo" só foi modificado em meados dos anos 80 do século passado. Suspeito que esta espécie de coordenação pelo Estado tenha mais inspirado Keynes do que resultado de seus conselhos. O ponto importante é que a execução dessas medidas foi acompanhada pela efetiva desvalorização do dólar em abril de 1933. Assim, a quieta ação econômica de Hoover foi radicalmente apagada pela agressiva e mediática política de Roosevelt. E isso mudou a expectativa de deflação e iniciou a volta da confiança que fez trabalhar o "circuito econômico". Até hoje, com sua reconhecida miopia, a direita americana o considera um "traidor de sua classe e introdutor do socialismo nos EUA".

A prova que há muito pouco keynesianismo no "New Deal" é que o desemprego se manteve em torno de 15% até 1939, às vésperas da 2ª Guerra Mundial. Quando em 1937 houve um aumento da receita (derivado da recuperação do PIB), a política fiscal foi contracionista (superávit). No mesmo ano o aumento dos meios de pagamentos levou o Fed a subir a taxa de juro, aumentando o depósito compulsório dos bancos (também contracionista). Os dois fatos produziram a pequena recessão de 1938 que se vê no gráfico.

Com Keynes ou sem Keynes (deixem-no em paz!), a lição que sobrou é clara: 1º ) foi a agressiva política de Roosevelt que destruiu a expectativa deflacionária, restabeleceu a confiança e colocou para rodar o circuito econômico; 2º ) os investimentos públicos foram importantes, mas não suficientes para eliminar o desemprego que, entre 1936 e 1939, continuou no nível de 15%; e 3º ) o "corporatismo" induzido pela aliança de empresários (que defendem seus lucros) e sindicatos (que defendem o salário de quem está empregado) para reduzir a competição, provavelmente diminuiu a velocidade da recuperação.

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