Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 14, 2009

Míriam Leitão Risco da imperícia

Publicado em 13/01/2009 | O Globo 

O Brasil está em recessão técnica. Os números vão confirmar isso quando saírem nos próximos meses. O PIB encolheu no quarto trimestre de 2008, como será divulgado, e nós estamos vivendo, nestes primeiros meses de 2009, outro encolhimento da produção. Tecnicamente, dois períodos de contração formam uma recessão. Mas, na verdade, a palavra carrega mais significado do que isso.

Não é apenas uma questão estatística. Os Estados Unidos estão numa recessão de fato, da qual não se sabe quando sairão, e o Brasil está num período de dois trimestres de queda, da qual pode se recuperar logo depois, ainda que num nível de crescimento bem mais baixo.

Há muito a fazer para mitigar esse efeito da crise externa, e muito que não se deve fazer. O problema é que o governo tem frequentado mais o segundo grupo de ações. O Ministério da Fazenda tem ideias demais e rumo de menos. Algumas das suas ideias são simplesmente ruins, como a do fundo soberano formado por emissão de dívida. E agora se diz que ele pode vir a ser usado para capitalizar bancos federais. O cofrinho do ministro Guido Mantega tem papagaios a serem pagos pelos brasileiros, e não dinheiro poupado, e o novo risco é que o dinheiro desse endividamento vá para bancos federais, que estão por aí comprando outros bancos. A lista de maluquices que têm sido feitas ou sugeridas para livrar o país do prolongamento do período recessivo é imensa e cobrará sua conta no futuro. Isso é definitivo em economia: a conta sempre chega.

O presidente Lula disse que não lê jornais, e se fosse só isso seria natural, uma questão de gosto. Mas o pior foi ele dizer que prefere ouvir seus assessores. Fórmula perfeita para a alienação. Assessores dirão o que é agradável ao ouvido presidencial. Assim, o presidente fica mais feliz e com menos azia. O que todos sabem, e poucos dizem, é que o presidente Lula não lê. Ponto. Nunca teve o hábito, sempre preferiu a informação oral. Esse é um dos nossos riscos. O Brasil é governado por um presidente que não lê e um ministro da Fazenda que não faz contas. Se fizesse, estaria se dando conta que as suas concessões para setores que vão ao governo fazer lobby, quando somadas, produzirão um estrago permanente nas contas públicas.

Essa é a hora de ter muita perícia na condução da política econômica. A imperícia aumenta os riscos que estão se formando na economia internacional. A crise é temporária, os erros que forem cometidos em nome de combatê-la podem ser permanentes.

Dois remédios clássicos neste momento são a redução da taxa de juros e o aumento do investimento público. Os juros vão cair, mas a queda será mais efetiva em derrubar os juros de mercado quanto maior for a convicção dos agentes econômicos de que as decisões de política monetária são técnicas. O governo Lula, que pagou um grande preço ao decidir acertadamente pela manutenção da autonomia do Banco Central, não deve, agora, por desespero, atropelar o Copom. Quem nunca se irritou com o Copom que jogue a primeira pedra. Mas ter um colegiado decidindo a taxa de juros é bem melhor do que o absurdo que havia antes dele. Uma vez, no governo Sarney, um diretor chegou cedo ao BC e mandou dobrar os juros para 50% ao ano. Assim, sem mais nem menos. Quem soube da notícia antes ganhou rios de dinheiro.

Uma boa ideia é a do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, de reduzir o espaçamento entre as reuniões do Copom. Como o espaço entre elas passou de 30 para 45 dias sob o argumento de que o período (2006) era de estabilidade, agora, em plena instabilidade, é hora de voltar ao intervalo anterior. Isso daria mais agilidade ao BC, neste momento em que a economia mergulhou e a inflação está cedendo, abrindo espaço para a queda dos juros. Eles não podem ser reduzidos porque tantos estão pedindo, mas porque existe um óbvio espaço de queda. O pedido de redução de juros por parte de um banqueiro não devia ser um fato surpreendente. Dependendo das posições assumidas pela instituição financeira, ela ganha muito com a queda da Selic.

Os investimentos públicos podem e devem crescer, mas de novo é preciso olhar os números. O que eles estão dizendo, como contou em O Globo a jornalista Regina Alvarez, é que não foi desta vez que o governo conseguiu gastar o que estava no Orçamento. Tem sido assim sistematicamente: o governo Lula, com PAC ou sem PAC, não consegue investir o que está autorizado a fazê-lo. Investir é mais difícil que gastar. Para que um investimento se realize é preciso eficiência de gestão, cumprimento de prazos, editais, projetos, agilidade administrativa. Para aumentar gastos de custeio é só ser displicente ou demagógico. Isso é bem mais fácil.

Abrir balcão de favores no Ministério da Fazenda, onde cada lobby irá contar sua triste história e apresentar o seu pedido, não é a forma de lutar contra a recessão. É necessário ter uma visão atualizada da economia e uma estratégia de política fiscal e econômica. Se a política econômica tiver rumo, ela tomará decisões coerentes, que vão formando círculos virtuosos que impedirão que uma recessão técnica se transforme numa recessão real.

Com Leonardo Zanelli

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