O Estado de S Paulo
Como sempre acontece, o desastre econômico da vez busca seus culpados. E, entre eles, vai sendo insistentemente citado o ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) Alan Greenspan.
Alguns entendem que seu erro maior foi ter deixado o mercado muito à vontade para perpetrar as barbaridades hoje conhecidas, sem que tivesse acionado nenhum mecanismo de regulação. Outros o acusam de não ter enxergado a formação da bolha. E outros, ainda, garantem que tudo começou no final de 2002 até a metade de 2004, quando o Fed manteve os juros em 1% ao ano ou próximos disso e deixou que dinheiro demais aprontasse o que se viu.
Hoje, este espaço examina alguma coisa desta terceira crítica. Se é verdade que juros muito tempo em torno de 1% ao ano tendem a produzir o caldo de cultura para proliferação de bactérias tão mortíferas, então a situação atual, de juros próximos de zero por cento, se for prolongada poderá produzir efeito parecido.
O próprio Greenspan refuta a crítica. Seu argumento central é o de que, no período em consideração, não havia inflação a combater. Enfim, se não havia inflação - fundamentação do principal mandato de todo banco central - também não havia razão para puxar pelos juros.
Esta coluna já tratou do assunto em outras ocasiões, sob ângulos diferentes. Esta é, também, uma revistada preocupação do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), que é uma espécie de banco central dos bancos centrais.
No início da década, Greenspan já havia diagnosticado as causas da queda da inflação americana. Ela estava associada, segundo ele, a um enorme ganho de produtividade que se assentava sobre dois fatores: a derrubada dos preços dos produtos industrializados, graças à enorme produção asiática (chinesa), feita com mão-de-obra de baixo custo; e o uso intensivo de Tecnologia da Informação, que deixou os sistemas de produção e distribuição mais previsíveis e mais baratos, porque dispensaram estocagem, máquinas, pessoal, capital de giro e tantas coisas mais.
Em artigo de 2007, o economista William White, do BIS, questionou a inexistência de inflação. Para ele, a inflação está sendo mal medida. Para calibrar os juros às proporções da inflação, os bancos centrais adotam o melhor aferidor de preços no varejo (custo de vida ou preços ao consumidor), um cestão de preços de mercadorias e serviços que, em geral, fazem parte do orçamento do consumidor médio. Desse cestão - adverte White - estão de fora itens importantes de "consumo", que são os ativos financeiros: ações, moedas, títulos, cotas de fundos de investimento, etc.
A partir do momento em que bancos centrais incorporassem os preços desses ativos no índice de inflação, toda bolha financeira seria detectada e poderia ser logo combatida com alta dos juros.
O problema é que esse novo conceito de inflação uniria consumo (mercadorias e serviços) e poupança (ativos financeiros), elementos hoje considerados imisturáveis, como água e azeite.
A lição da crise é maior do que a força da densidade dos líquidos. De um jeito ou de outro, os bancos centrais não podem mais deixar de ver os preços inflados dos ativos para definir a política monetária (política de juros).
Confira
Despencou - O rombo comercial da economia americana ficou surpreendentemente baixo em novembro. A expectativa era de que a diferença entre exportações e importações passaria dos US$ 51 bilhões negativos. Mas foi 21% mais baixo, de US$ 40,4 bilhões, como informou ontem o Departamento do Comércio dos Estados Unidos.
Isso significa que, em consequência da recessão, o país mais rico do mundo está importando menos. Isso acabará prejudicando também o Brasil.
Os Estados Unidos compraram 14% das mercadorias exportadas pelo Brasil ao longo de 2008
Entrevista:O Estado inteligente
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