Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 15, 2007

O significado do fim da CPMF

À CPMF, eles disseram...Basta!

E, ao fazê-lo, deram nova vida ao Congresso.
A reação do governo, derrotado, também foi positiva.
Será que o Brasil, finalmente, amadureceu?


Diego Escosteguy e Giuliano Guandalini

Ailton de Freitas/Ag. O Globo
SINAIS DE VIDA NO CONGRESSO
Depois de um longo período de hibernação, a oposição derrota o governo, ressuscita o debate e, finalmente, acaba com a CPMF


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O maior sinal de amadurecimento das economias capitalistas atuais não é terem se livrado das crises. Elas continuam aparecendo. O que mudou é a maneira de lidar com elas. Na sábia definição do economista Martin Feldstein, da Universidade Harvard, as cascas de banana continuam sendo atiradas no caminho, mas para levar um escorregão é preciso atravessar a rua e, conscientemente, pisar em uma delas. De certa maneira, ao negar ao governo a recriação da CPMF, o "imposto do cheque", na madrugada de quinta-feira passada, o Senado jogou uma casca de banana no caminho dos condutores da política econômica. Eles não pisaram. O Executivo decidiu tratar com realismo a queda da CPMF e suas conseqüências, a súbita retirada de 40 bilhões de reais das previsões de arrecadação, cerca de 7% da receita fiscal para 2008. O que isso significa? Significa que a frustração de receitas precisa ser compensada em 2008 com cortes nas despesas e com formas de arrecadação menos ruinosas do que a CPMF. Em uma sentença: o Brasil amadureceu.

"Logo na manhã seguinte à derrota, a Casa Civil promoveu reunião de emergência para discutir como lidar com a situação. Primeira providência: acalmar os mercados financeiros. A mudança é enorme", escreve, no artigo exclusivo feito para esta edição de VEJA, o economista Maílson da Nóbrega, da consultoria Tendências. Se a reação do governo tivesse tido o mesmo diapasão da maneira como foi defendida a recriação da CPMF antes da votação, poderia se prever o pior. Para defender o imposto, o governo usou do catastrofismo mais cru, valeu-se de ameaças e de agressões verbais à oposição. "A direita não tem coração. Se fosse para dar dinheiro para os ricos, eles votariam", disse o presidente Lula. Quando se vê o filme de trás para a frente, tendo em primeiro plano a reação sóbria e correta à derrota em plenário, até os exageros anteriores parecem legítimos.


Jorge Silva/AE
NÃO, NÃO E NÃO
O presidente Lula recebeu a notícia da derrota durante visita ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez: ambos ouviram "não", mas Lula reagiu com elegância

O governo perdeu 40 bilhões de reais em arrecadação. O que vai fazer agora? Diversas medidas estão sendo estudadas. Na sexta-feira passada, algumas delas pareciam ter conquistado a preferência dos condutores da política econômica. Como fazem há eras as donas-de-casa e as empresas, o governo vai cortar despesas e tentar aumentar receitas. Como? No capítulo dos cortes, vão ser podadas obras do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento. Vão perder dinheiro alguns projetos na área da educação. Aumentos de salário e benefícios dos funcionários públicos, inclusive os militares, serão congelados. Se conseguir reaver o Orçamento para 2008 já de posse do Congresso Nacional, a idéia é passar a tesoura também nas notórias emendas dos parlamentares. No capítulo das receitas, a medida mais certa é o aumento da alíquota do IOF, o imposto sobre operações financeiras. Quando ficou seis meses sem a CPMF, o governo passado, o de Fernando Henrique Cardoso, aumentou o IOF e com ele conseguiu arrecadar 25% do que perdera. A idéia agora é levantar bem menos com o IOF, apenas cerca de 7 bilhões de reais. E o resto? Bem, pode sobrar para outro segmento radiante da economia, o setor exportador, em especial o de minérios. Ao mesmo tempo, o governo se empenhará em criar uma contribuição social destinada apenas à saúde e com uma alíquota bem mais digerível de 0,20% das transações. Além disso, a nova contribuição virá com garantias sólidas de que o dinheiro vai mesmo para o pagamento dos tratamentos de saúde dos brasileiros que não podem arcar com eles nem adquirir a cobertura de um plano de saúde privado. Portanto, adeus, CPMF. O "imposto do cheque" está para sempre enterrado. Ganham os brasileiros, ganha o governo, que optou pela saída da racionalidade, e ganha a democracia, que viu uma de suas instituições, o Senado, renascer na memorável sessão que começou na tarde de quarta-feira e só foi concluída na madrugada de quinta-feira passada.

Desde que o escândalo do mensalão desferiu um golpe na imagem do Congresso, em 2005, o Parlamento brasileiro mergulhou em profunda crise. Aos mensaleiros, seguiram-se os deputados sanguessugas, que recebiam propina para desviar recursos públicos. Neste ano, quando parecia improvável surgir alguma coisa pior, eis que o Brasil foi apresentado aos malabarismos éticos dos senhores Renan Calheiros e Joaquim Roriz. À sombra da imensa popularidade e do carisma do presidente Lula e capturado pelo magnetismo da corrupção, o Congresso foi encolhendo, encolhendo, a ponto de caber no bolso do governo, que passou a determinar seus rumos de uma forma inédita desde a redemocratização do país, em 1985. A absolvição de Renan Calheiros, há duas semanas, parecia ter confirmado esse estado de animação suspensa de deputados e senadores.

Paulo Vitale
O LÍDER DA OPOSIÇÃO
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: nos bastidores, ele ajudou Arthur Virgílio a enquadrar o PSDB e assegurar a vitória contra o imposto


Na madrugada de quinta-feira da semana passada, contudo, o Senado, pela primeira vez em anos, reagiu à letargia. Viram-se cenas extraordinárias como a reação do senador Almeida Lima, peemedebista de Sergipe, membro da tropa de choque de Renan e partidário da recriação da CPMF. Ele foi o último de 45 oradores a ocupar a tribuna. O que Almeida Lima disse foi uma surpresa para todos. "É hora de falarmos em cortes de despesa. É hora de falarmos em corte na própria carne da classe política", disse ele ao sugerir a imediata supressão de todos os vice-prefeitos do Brasil, o que só em salários geraria enormes economias para o Tesouro. Não foi menos surpreendente a fala do petista do Acre, senador Sibá Machado, ao defender a manutenção da DRU, mecanismo que permite ao executivo realocar verbas orçamentárias de acordo com as necessidades mais urgentes. "O dinheiro que os senhores dizem que é dado aos banqueiros, na verdade, é dinheiro que garante a estabilidade da economia brasileira", disse Sibá. Como explicar a súbita racionalidade de Almeida Lima e Sibá quando ainda ressoa o cantochão petista do passado, segundo o qual rolar a dívida pública, da qual os bancos são apenas intermediários, era impatriótico e vil? A explicação é que essa conversão não é assim tão súbita. Ela faz parte do amadurecimento da sociedade brasileira, com reflexos na argumentação da classe política. Esse mesmo processo explica por que o Senado decidiu negar ao Executivo os votos necessários para aprovar a PEC, proposta de emenda constitucional, que recriaria a CPMF até 2011. Eram precisos 49 votos. Apenas 45 senadores votaram sim.

No terreno político, a rejeição da CPMF anunciou o que pode vir a ser a ressurreição do Parlamento. Fazia muito não se via o Senado funcionando como uma instituição independente, pautada por debates em torno de princípios. A instância mais nobre do Parlamento brasileiro passou meses com as vísceras expostas, engolfado nas traficâncias do senador Renan Calheiros. Desde maio, quando VEJA revelou que o lobista Cláudio Gontijo pagava despesas pessoais de Renan, as atividades do Senado passaram a se resumir às reuniões semanais do Conselho de Ética – semana sim, outra também, para tratar de denúncias contra o senador, que invariavelmente se enquadravam em artigos do Código Penal. A única novidade entre uma reunião e outra era o teor da acusação. Por tudo isso, o Senado, tradicionalmente a âncora moral do Poder Legislativo, e do qual se espera que transcorram os mais urgentes e relevantes debates nacionais, reduziu-se durante meses a um balcão de delegacia de polícia. A discussão de projetos de lei ou acordos internacionais deu lugar a intrigas, chantagens, ameaças, acordos espúrios – num festival de baixaria política que culminou na absolvição melancólica e definitiva de Renan Calheiros.

"O caso Renan levou o Senado ao fundo do poço", afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. "A decisão de derrubar a CPMF é boa porque mostra que o Senado não é uma catástrofe total e que votou em sintonia com a opinião pública." O gesto do Senado, contudo, não é elogiável apenas porque os parlamentares votaram contra o governo e acabaram com um imposto impopular. Ele é elogiável, acima de tudo, porque, depois de anos de submissão ao Executivo, o Senado fez o mínimo que se espera do Parlamento: debateu à exaustão o mérito de um projeto e votou seguindo critérios de pensamento e opinião, deixando de lado as barganhas e os interesses fisiológicos de sempre. Parece elementar, mas o que se viu na semana passada tem sido uma raridade nos últimos tempos. A regra vigente é a aprovação cega das propostas do governo, mediante a liberação de recursos para atender às emendas dos parlamentares ou a troca do voto por um cargo público. Esse comportamento vinha transformando os parlamentares em simples mascates de idéias dos outros. Agora tudo mudou para melhor? Responde o filósofo Roberto Romano, da Universidade Estadual de Campinas: "A decisão dos senadores tem um significado simbólico poderoso. Pelo menos momentaneamente, o Legislativo recuperou sua autonomia e independência".

O cientista político Rubens Figueiredo acredita que a madrugada de quinta-feira passada terá reflexos ainda mais profundos. Diz ele: "Agora, Lula será obrigado a descer do olimpo e dialogar com os mortais, o que é bom para a democracia". Quem também vai ter de descer pelo menos uns degraus de seu olimpo são os governadores de São Paulo, José Serra, e Aécio Neves, de Minas Gerais. Eles fizeram uma leitura parcial e errada da imensa insatisfação dos brasileiros com a carga tributária. A circunstância de ocuparem cargos de comando e com perspectivas reais de serem um dia presidente da República tapou-lhes a visão mais completa do fenômeno. Permitiram assim que emergisse na madrugada de quinta-feira a liderança mercurial do senador Arthur Virgílio, do PSDB do Amazonas, que orquestrou e executou a canção de morte da CPMF. Nos bastidores, o principal articulador da vitória contra a carga tributária foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Era votar contra ou ver o partido acabar de vez", afirma um dos senadores tucanos, secundando o pensamento de FHC. "O governo não quis conversa, e, além disso, procuramos ser coerentes com a opinião pública", diz Virgílio. Para o cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, "finalmente a oposição se comportou como oposição". O Senado na semana passada acordou maior do que foi dormir.

O Brasil também. O fim da CPMF está longe de ser uma catástrofe para os cofres públicos. A economia do país vive o seu período mais saudável e vigoroso de expansão em três décadas. Em 2007, deve crescer acima de 5% e nada indica que sua vitalidade esteja se esgotando. A arrecadação de tributos se expande sem que o Fisco precise aumentar uma alíquota sequer. Entre janeiro e outubro deste ano, a Receita Federal recolheu 490 bilhões de reais em impostos e contribuições, valor 10% superior ao que ingressou nos cofres públicos no mesmo período de 2006. Foram 46 bilhões de reais extras, mais do que os 40 bilhões de reais que deixarão de ser recolhidos com a CPMF. A vitalidade da economia tem fornecido mais dinheiro ao governo do que a voracidade do Leão. O fim do "imposto do cheque" é um presente de Natal de 40 bilhões de reais do Leão para os brasileiros. Mas os brasileiros, ao gastá-lo, vão pagar taxas e impostos ao Leão. No fim, todos ganharam.

A essência do Parlamento

O embate entre governo e oposição como fazia muito não se via


Sergio Lima/
Folha Imagem


NÃO
"O senador Pedro Simon poderia se assumir como uma pessoa parecida com as demais. Vossa excelência se acha acima do bem e do mal, e não é."
Arthur Virgílio (PSDB-AM)


Andre Dusek/AE
NÃO
"Não há momento mais oportuno do que este para acabar com a CPMF, quando há um excesso de arrecadação."
Alvaro Dias (PSDB-PR)


José Cruz/ABR

NÃO

"É uma contribuição que penaliza os pobres. A CPMF é regressiva e insidiosa. Não vejo outro caminho a não ser rejeitar. Depois podemos pensar num verdadeiro ajuste fiscal."
Marco Maciel (DEM-PE)


SIM
"O excesso de arrecadação é numa conjuntura econômica muito favorável internacionalmente e muito especial. Não é sustentável, não é garantido, e, portanto, nós não podemos abrir mão da CPMF como fonte de tributo."
Aloizio Mercadante (PT-SP)
Ed Ferreira/AE


SIM
"A CPMF responde por uma arrecadação de 40 bilhões de reais. Sua eliminação traria enormes dificuldades para a administração financeira do país: cortes drásticos nos investimentos e nos programas sociais do governo e aumento do endividamento."
Francisco Dornelles (PP-RJ)
Valter Campanato/ABR


SIM
"Não é vossa excelência (Arthur Virgílio) que vai ditar o meu comportamento. Vossa excelência era um gurizinho de calça curta. Não é vossa excelência que vai dizer o que é e o que não é."
Pedro Simon (PMDB-RS)
Dida Sampaio/AE


Fabio Pozzebom/ABR

NÃO

"O governo não prioriza investimentos em saúde porque não quer, divulga dados enganosos e banaliza o instrumento da medida provisória. O maior prejudicado com a CPMF é o trabalhador, que paga o tributo ao receber salário ou ao realizar compras."
Heráclito Fortes (DEM-PI)


Celso Junior/AE

NÃO

"O presidente da República entendeu que era uma luta entre governo e oposição. Não é. É uma luta que objetiva dar ao Brasil um vôo de águia."
José Agripino Maia (DEM-RN)


SIM
"Se nós não prorrogarmos a CPMF, este país vai continuar crescendo e distribuindo renda, eu não tenho dúvida. Agora, talvez o ritmo não seja este que tanto está animando a população brasileira."
Ideli Salvatti (PT-SC)
ABR


SIM
"Com a retirada de 40 bilhões de reais, haverá uma redução do tempo da implementação de programas importantes na área de infra-estrutura, como o PAC."
Renato Casagrande (PSB-ES)
José Cruz/ABR

Tesoura na mão, camaradas!

Otimistas e pessimistas concordam: só resta
ao governo controlar os gastos públicos


Sergio Dutti

"A CPMF é imprescindível, pois o espaço para cortar gastos depende de uma série de reformas institucionais difíceis, como a da Previdência. Temos um círculo vicioso: é difícil cortar gastos, embora seja necessário fazê-lo, e não dá para aumentar a carga tributária. A situação torna-se mais drástica porque a rejeição da CMPF dificultará a discussão da reforma tributária."
Fernando Rezende, professor da Fundação Getulio Vargas


Mônica Zarattini/AE

"É muito difícil viver sem a CPMF, principalmente com um setor público como o brasileiro, que está no limite da rigidez orçamentária e da carga tributária. O governo vai se empenhar para recuperá-la no próximo ano. Até lá, haverá aumento de alíquota de outros tributos. Mas isso não resolve. Haverá corte de investimentos. O governo pode ao menos limitar o gasto com pessoal."
Raul Velloso, especialista em finanças públicas


Paulo Giandalia/
Valor/Folha Imagem

"A reforma tributária sempre foi um pretexto para aprovar a CPMF. Agora, não vejo condições políticas para retomar a pauta. Depois da derrota, o próximo passo é tentar aprovar a CPMF no ano que vem. Enquanto isso, o governo vai segurar os investimentos do PAC e ampliar a arrecadação, com o combate à sonegação cada vez mais acirrado."
Clóvis Panzarini, consultor tributário


Dida Sampaio/AE

"Se o objetivo fosse reduzir a carga tributária, teria sido melhor acabar com outros impostos que são muito piores do que a CPMF, como os que incidem sobre a folha de salários. É um tributo simples, que não tem custo para administrar."
Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal





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