Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 21, 2007

Roberto Pompeu de Toledo

De Fidel Castro
a Marilyn

E ainda: Thatcher, Woody Allen,
John Huston, Mailer: personagens
do diário de um historiador americano

Todo mundo devia escrever um diário. Ou melhor: todo mundo que, como Arthur Schlesinger Jr., conheceu gente interessante, viveu acontecimentos decisivos e tem sensibilidade para avaliar as pessoas, gosto pelas boas frases e firme compromisso com a fofoca. Schlesinger é um historiador americano que morreu em fevereiro deste ano, aos 89 anos. Ele escreveu livros sobre Franklin Roosevelt e John Kennedy, militou na ala intelectual do Partido Democrata desde o pós-guerra e, sobretudo, marcou presença como integrante de primeira fila do Camelot, como era chamada a corte kennediana. Seus filhos agora publicaram, nos Estados Unidos, o diário que manteve entre 1952 e 2000.

Em junho de 1985, ei-lo em Havana, onde o esperava um daqueles caudalosos encontros com Fidel Castro. O líder cubano lembrou-o Lyndon Johnson pelo gosto do "contato físico", o impulso de tocar o interlocutor. "É um homem de alta inteligência, ilimitada energia e um ardoroso showman", lançou no diário. "É um líder muito grande para um país pequeno, e gostaria de governar o mundo, ou pelo menos a América Latina." Em 1994, ei-lo em Londres com Margaret Thatcher. "É a mais articulada e opiniática das mulheres, desfiando sentenças claras e definitivas sem parar. Ao contrário dos meus pressentimentos, surpreendi-me gostando dela." Thatcher lembrava-o... Quem? Quem mesmo? Depois de um tempo de cisma, de repente lhe ocorre a resposta: Fidel Castro! "Ambos são especialistas em performances caracterizadas pela alta inteligência e considerável charme; ambos são grandes conversadores; (...) ambos são imperiosos, dogmáticos e inflexíveis."

Festeiro incorrigível, Schlesinger compareceu a todos os jantares e eventos do circuito Nova York–Washington. Além dos políticos, conviveu com escritores como Norman Mailer, Lillian Hellman e William Styron, gente do cinema como John Huston, Elizabeth Taylor e Jack Nicholson, e até um roqueiro, Mick Jagger. Ele nos dá conta de que Woody Allen se apaixonou por Mariel Hemingway quando filmavam Manhattan, e de que Norris Church, mulher de Norman Mailer, foi namorada de Bill Clinton. Há histórias pungentes e outras patéticas. Quando soube da morte de Marilyn Monroe, diz que não se surpreendeu. Lembrou-se daquela noite de aniversário de John Kennedy, aquela em que ela cantou Happy Birthday, Mr. President. O que reteve foi a imagem de uma garota "deslumbrante, afiada nos truques de sedução e desesperada". Ele e Bob Kennedy brincaram de cortejá-la, mas ela tinha atenções mesmo era para o ex-sogro, o pai de Arthur Miller, um homem "taciturno", a quem lançava "olhares maternais". No ramo do patético, Bill Clinton contou a Schlesinger a história do ex-candidato presidencial Jesse Jackson, filho ilegítimo de um homem que morava na casa vizinha com a família legítima. O homem tinha um filho da mesma idade de Jackson, e todo dia Jackson o via chegar em casa e brincar com esse outro filho como nunca fizera nem iria fazer com ele.

John Huston disse a Schlesinger que os três homens mais elegantes que encontrou na vida eram todos escritores e alcoólatras: Dashiell Hammett, Eugene O’Neill e William Faulkner. Quando Schlesinger perguntou ao grande crítico literário Edmund Wilson como estava, num almoço entre ambos, em 1970, Wilson respondeu: "Fiquei velho". Tinha 75 anos, e acrescentou: "Trotsky costumava dizer que as pessoas sempre se surpreendem ao se descobrirem velhas. Elas acham que isso é coisa que só acontece com os outros. Acho difícil acreditar que tenha acontecido comigo". Em 1996, Schlesinger estava na Espanha e o embaixador americano em Madri lhe propôs assistir à Semana Santa em Sevilha. Quando Schlesinger recusou, argumentando que não suportava cerimônias religiosas, o mexicano Carlos Fuentes, também presente, interveio: "Não seja tolo. A Semana Santa em Sevilha é um grande festival pagão".

O romancista James Baldwin, negro e homossexual, foi convidado, com outros escritores americanos, para a cerimônia de posse de François Mitterrand na Presidência da França, em 1981. Os escritores perguntaram se era para levar as mulheres e a resposta foi não. Baldwin insistiu que só viajava acompanhado, e os franceses lhe abriram uma exceção. Embarcou então com seu amante do momento para Paris, no Concorde, de lá seguiu para a Côte d’Azur, passou o fim de semana na praia e voltou a Nova York, sem ter ido à posse de Mitterrand. Já Ronald Reagan, "um chato sem remédio", segundo John Huston, que o conheceu nos tempos de Hollywood, causaria estranheza num almoço com altos funcionários da ONU pelo tique de a toda hora se voltar para um vaso de flores à sua frente. Estaria com algum problema no pescoço? O então secretário-geral da organização, Perez de Cuellar, explicou: "Vocês não perceberam? Ele tinha um cartão com a agenda do encontro disfarçado no vaso de flores". Todos com a experiência e as antenas de Arthur Schlesinger deveriam escrever diários. A vida pulsa, neles, como só a vida de mentira dos livros de ficção.

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