As fazendas aquáticas evitam a escassez de pescados.
Agora, é preciso amenizar o dano ambiental que causam
Marcio Orsolini
Daisuke Oka/Getty Images |
Fazenda aquática em Wakayama, no Japão: a criação em cativeiro permite abater os peixes no momento certo |
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A criação de peixes e frutos do mar em cativeiro, nas chamadas fazendas aquáticas, salvou o mundo da escassez de pescados nos últimos dez anos. Nesse período, a pesca predatória nos oceanos atingiu níveis alarmantes, reduzindo o cardume de 76% das espécies de peixes – segundo cálculos da ONU – e diminuindo em 13% o volume da pesca feita em mar aberto. No Mar do Norte, o bacalhau praticamente desapareceu. Em setembro, a Comissão Européia proibiu a pesca do atum-azul em todo o Mar Mediterrâneo e na costa da Europa banhada pelo Atlântico, numa tentativa de renovar os estoques de uma das espécies favoritas dos gourmets. Nesses mesmos dez anos, as fazendas aquáticas conheceram uma expansão sem precedentes. Com elas é possível controlar o crescimento dos peixes, abatendo-os no momento adequado e mantendo os cardumes sempre no tamanho ideal. As fazendas aquáticas já respondem por 40% de todos os peixes, camarões, ostras e moluscos consumidos no mundo, e a tendência é que essa porcentagem se eleve ainda mais. O desafio agora é lutar contra os efeitos colaterais indesejáveis das fazendas aquáticas – os danos ambientais que elas provocam.
As fazendas aquáticas mais comuns são grandes redes em forma de tanque, com cerca de 100 metros quadrados de superfície e 10 metros de profundidade. Essas redes são instaladas próximo à costa, para facilitar a alimentação dos cardumes. Como numa fazenda de animais, os criadores usam produtos veterinários para evitar a disseminação de doenças entre os peixes, e aí começam os problemas. As substâncias químicas provocam a concentração na água de substâncias como nitrogênio e fósforo. O resultado é a proliferação de algas tóxicas na região em que a fazenda está instalada. As algas retiram o oxigênio da água e provocam a morte de espécies no entorno da fazenda. Apesar do uso de produtos veterinários, o convívio de grande quantidade de peixes de uma só espécie propicia o surgimento de doenças inesperadas. O vírus da síndrome da mancha branca causou a perda de milhões de dólares nas fazendas de camarão asiáticas no início dos anos 90 e foi encontrado também na América Latina e nos Estados Unidos. Em 1998, o uso indiscriminado de antibióticos levou ao desenvolvimento de uma bactéria resistente que causou o colapso das fazendas de camarão da Tailândia.
Às vezes a própria instalação da fazenda aquática já provoca deterioração ambiental. Muitas fazendas de camarão, em lugar de usar redes, são escavadas em regiões de mangue, onde há grande concentração de nutrientes. Só nas Filipinas, 75% da vegetação de mangue foi destruída desde os anos 50. Nos últimos trinta anos, metade das áreas de mangue foi destruída na Tailândia e 25% na Malásia. É comum também que em grandes fazendas haja fuga de parte dos peixes, como ocorreu na Escócia há nove meses, quando 100 000 salmões escapuliram do tanque em que viviam. Peixes cultivados em fazendas, quando escapam, competem com espécies nativas por alimentos, desequilibram o habitat dessas espécies, podem se tornar predadores e transmitir doenças.
Embora representem uma alternativa à pesca predatória, as fazendas aquáticas sacrificam espécies como sardinha, arenque e manjuba, empregadas na produção de rações para alimentar os peixes cultivados. Essas espécies são utilizadas porque têm menor valor no mercado. A diminuição drástica de seus cardumes pode afetar a cadeia alimentar marinha, caso nenhuma alternativa à produção de ração seja encontrada. Hoje, 37% da captura dessas espécies é direcionada à alimentação de animais criados nas fazendas aquáticas. "Até hoje não foi possível desenvolver uma ração que substitua os nutrientes obtidos com esses peixes", disse a VEJA Rashid Sumaila, do centro de pesca da Universidade de British Columbia, no Canadá. "Outros animais, como focas e leões-marinhos, também podem ser prejudicados em sua alimentação", alerta Jose Vilalon, diretor do departamento de aqüicultura do Fundo Mundial para a Natureza (WWF). Espera-se que, num futuro próximo, se encontrem formas de amenizar os danos ambientais causados pelas fazendas marinhas. Afinal, elas já possuem um papel fundamental na produção de alimentos no planeta.