O Globo |
14/12/2007 |
A primeira reação oficial depois da ressaca da derrota na prorrogação da CPMF foi muito positiva. Ao confirmar que manterá o superávit primário inalterado, o governo sinalizou que, na essência, nada muda na sua política econômica, e que a tendência de aumento de gastos registrada nos últimos tempos, em especial nesse primeiro ano do segundo mandato, era, digamos assim, uma irresponsabilidade consentida, permitida pelos bons ventos que sopravam na economia internacional e pelo excesso de arrecadação. Diante da primeira dificuldade concreta, e dos sinais de aquecimento da demanda que pode pressionar a inflação, soou mais alto na equipe econômica a necessidade de manter o rumo do equilíbrio fiscal, e todos caíram na real. No final das contas, a não prorrogação da CPMF demonstra não ser o fim do mundo como o governo apregoava, no afã de forçar a oposição a se curvar diante da sua maioria. O governo reafirmou que tem a maioria do Senado, mas não tem os votos necessários para mudar a Constituição, o que é um limite democrático muito saudável, que incentiva uma negociação política no Senado em outros termos que não os meramente fisiológicos, ou no estilo do "rolo compressor", onde a maioria impõe sua vontade e leva de roldão os demais. O perigo de uma eventual vitória do governo na sessão de quarta-feira seria prevalecer a tosca tese do senador Wellington Salgado, do PMDB de Minas, não apenas pela origem da autoria, mas pelo raciocínio distorcido que, não por acaso, saiu da sua oratória vulgar. Baseando-se na pesquisa de opinião do Ibope divulgada naquele dia, que mostrou que a popularidade do presidente Lula nunca esteve tão alta, o senador sem votos exclamou na tribuna do Senado: "O homem só faz subir, e ainda querem dizer que ele está errado". Se a medida do certo ou do errado dependesse de pesquisas de opinião pública, teríamos o império do marketing, em detrimento do debate político qualificado. E teríamos a democracia em perigo, dependente de um homem miraculoso, sem que prevalecesse o sistema de pesos e contrapesos entre os poderes, que caracteriza a democracia. Uma conseqüência perigosa desse tipo de raciocínio é que, se tivessem conseguido o quórum qualificado para mudar a Constituição no que se refere à CPMF, e embalados pelos índices de popularidade crescentes do presidente Lula, os setores petistas que acalentam o sonho do continuísmo certamente se sentiriam encorajados a levantar novamente a tese do terceiro mandato consecutivo para o presidente Lula. Teria sido superada a última barreira política que separa a nossa hiperpresidência da ditadura. Para tanto, foram importantes dois fatos: a existência de dissidentes na base de apoio do governo, e a persistência dos Democratas na tese irremovível do combate à alta carga tributária. Enquanto o PSDB, inquestionavelmente de maior peso político na oposição, demonstrou uma divisão interna com os governadores, que teve que ser superada pela ousadia do seu líder Arthur Virgílio, sem dúvida o maior responsável pela derrota do governo, os votos do DEM foram gerados por uma tese política, a da redução da carga tributária. Para um governo que está acostumado a negociar em termos fisiológicos qualquer coisa no Congresso com qualquer parlamentar, por mais desimportante que seja, enfrentar uma tese sem ter o que oferecer em troca, sejam argumentos sérios ou novas propostas, é uma tarefa política inviável. A tese da redução da carga tributária não está tão entranhada no PSDB quanto está no DEM, tanto que os governadores do partido gostariam de manter a arrecadação da CPMF nos seus orçamentos, mesmo que o motivo fosse mais que justo. Os tucanos trabalham mais com a gestão eficiente, na qual os tributos, mesmo altos, têm contrapartida em serviços para a população. É uma visão social-democrata que se distingue da dos Democratas, ligados aos movimentos liberais que atribuem à iniciativa privada papel de maior relevância que o do Estado. Para eles, os R$40 bilhões da CPMF em mãos privadas serão gastos com mais sapiência do que se fossem para os cofres do governo. São vertentes de oposição que devem se distanciar no tempo, à medida em que os Democratas aplainarem seu caminho particular. Pode ser que ainda não existam condições políticas para que lancem um candidato próprio viável nas próximas eleições presidenciais, mas esta é uma tendência irreversível se quiserem se reinventar como legenda liberal moderna de peso. O senador Marcelo Crivella, ao criticar da tribuna do Senado minha coluna de terça-feira, quando revelei um estudo da professora Maria Helena Zockun, da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe), que mostra que quem ganha até dois salários mínimos paga mais CPMF do que quem ganha mais de 30 salários, disse que não citei que, em números absolutos, os que ganham mais pagam mais. Na ânsia de apoiar o governo na prorrogação da CPMF, o pastor Crivella, por má-fé ou ligeireza, esqueceu de ler o trecho em que está escrito: "O erro do presidente Lula decorre, em boa medida, de cálculo político para jogar os pobres contra a oposição. Mas, em termos absolutos, os números do governo estão corretos, diz o estudo: o volume de recursos arrecadados pela CPMF vem, em sua maior parte, das grandes movimentações feitas pelas classes mais favorecidas". "Mas, alerta o estudo, como em economia toda a análise em termos relativos é mais correta, em proporção à renda a CPMF se mostra, na verdade, uma contribuição para o aumento da estrutura regressiva da carga tributária nacional". A mesma coluna foi elogiada da mesma tribuna por senadores do quilate de Arthur Virgílio e Tasso Jereissati, do PSDB, e Jarbas Vasconcellos, do PMDB. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, dezembro 14, 2007
Merval Pereira - A derrota da CPMF
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