Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Míriam Leitão - O dia seguinte


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
14/12/2007

O governo pediu para o Congresso devolver o Orçamento, e ele resiste. Bem sabe o Congresso onde é que a tesoura pode começar a funcionar: nas emendas dos parlamentares. Segundo o site "Contas Abertas", as emendas individuais são de R$4 bilhões para 2008; as coletivas chegam a R$15 bilhões. O governo também pensa em cortar em investimentos, que, na verdade, não estão sendo feitos mesmo.

Para se ter uma idéia, os investimentos do PAC autorizados para este ano eram de R$16 bilhões. Em pleno dezembro, tudo o que o governo gastou foram R$9 bilhões. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, admite que há problemas:

- O PAC não está andando como o planejado, mas estamos aumentando a execução nos últimos anos.

É verdade, mas do total de investimento previsto para este ano de R$38 bilhões, o governo até novembro gastou apenas R$14 bilhões (incluindo os restos a pagar), ou seja, 37%.

O governo Lula gasta demais em gastos incomprimíveis, e não consegue realizar investimentos autorizados. Em 2007, segundo o economista Alexandre Marinis, o governo teve um aumento de despesas, por causa dos reajustes salariais do ano anterior, de R$10 bilhões. Mas o que mais impressiona é a contratação de pessoal.

- Nos últimos cinco anos, o governo contratou 316 mil pessoas para o serviço público federal civil e militar. Um dado, particularmente, me deixou pasmo: só em outubro, contratou 86.237 servidores, sendo 78.686 civis - diz Alexandre Marinis.

O ministro Paulo Bernardo admitiu, mesmo sem contestar ou confirmar os números, que este é o projeto:

- O governo está executando o nosso programa. Estamos fazendo concurso para substituir terceirizados que, muitas vezes, trabalhavam em situação irregular. E está contratando em áreas que estão crescendo, como as novas universidades.

Ele conta que tudo o que o governo substituiu foi um terço dos terceirizados, calculados em 50 mil pessoas.

No dia seguinte à pior derrota do governo Lula, o ministro da Fazenda começou a procurar, com seus técnicos, formas de aumentar a receita; e o ministro do Planejamento, formas de cortar despesas. Os dois juntos trabalham para preparar a resposta do governo. Se ela for técnica, melhor. Se for política, com declarações de que é o caos sem a CPMF e acusações à oposição, pior.

A derrota foi mais política que fiscal, afirmam vários economistas que acompanham essas contas. Primeiro, porque o país está arrecadando muito mais que calculava, e esse aumento continuará em 2008, pelo crescimento da economia. O lucro das empresas está crescendo, e isso elevará o Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Diversas medidas podem ser tomadas agora que não seja aumento de impostos, mas a Fazenda está olhando lá o cardápio de sempre: aumentar o IPI, porque as alíquotas são maiores que as praticadas atualmente e podem ser elevadas apenas com uma instrução da Receita. Elevar o IOF, que já está mesmo arrecadando mais pelo aumento dos créditos e dos investimentos. Para o imposto de importação, basta uma decisão da Camex. E a CSLL pode aumentar apenas com 90 dias de antecedência.

Essas são as taxas que ontem a Fazenda falava em aumentar. Mas talvez nada disso seja necessário. Bastaria um bom programa de corte de gastos para transformar essa derrota numa alavanca para uma atitude fiscal mais responsável.

Oficialmente o governo diz que não cortará superávit primário e que permanecem as mesmas metas fiscais. A declaração tem um motivo: segundo as agências de risco, se ficar mantido esse superávit primário e o compromisso fiscal, não haverá atraso extra na concessão do tão sonhado grau de investimento.

No entanto, na verdade, o governo pode reduzir o superávit primário sem reduzir. Bastaria aumentar o PPI, Projeto Piloto de Investimento. Inventado na época dos acordos com o FMI, denomina projetos que, teoricamente, trazem mais retornos a médio prazo que gastos a curto prazo. Por isso são gastos que podem ser incluídos, para efeitos contábeis, no número do superávit primário. O governo diz que o PPI continuará sendo de 0,5 ponto percentual do PIB. Há quem acredite que ele pode elevar para 1 ponto percentual do PIB. O problema é a incapacidade gerencial do governo para gastos bons; ele pode não conseguir fazer esses investimentos.

Técnicos da oposição lembram que, este ano, o governo está arrecadando R$17 bilhões a mais do que esperava. Isso reduz o rombo da CPMF de R$38 bilhões para R$21 bilhões. Dizem também que a proposta orçamentária tem uma clara subestimação de receitas da Previdência.

Não é o fim do mundo do ponto de vista fiscal, mas é a maior derrota política de Lula - e ocorrida num dia em que sua popularidade e o PIB estavam com números excelentes. Se aprender com a derrota, o governo pode fazer desse limão uma limonada, e negociar um novo projeto de imposto sobre transação financeira dentro de uma reforma tributária.

O presidente Lula tem dito a vários interlocutores do governo e da base que não quer tratar da CPMF por mais um ano após uma derrota no Congresso. O tempo dirá. O pior de todo este processo é que o governo foi esfolado por sua própria base: a ela entregou cargos e emendas, e por ela foi derrotado.

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