Valor Econômico - 21/11
Coincidência ou não, no dia 11 de setembro o governo brasileiro iniciou o desmonte do setor elétrico brasileiro. Apesar das boas intenções da Medida Provisória (MP) 579 - reduzir o custo de energia no país e impor maior eficiência à Eletrobras - os meios destruíram os fins. Uma medida que deveria receber apoio da sociedade como um todo, já que reduz as tarifas de energia, acabou na prática só tendo recebido aprovação do próprio governo. Empresas, acionistas, governadores, consumidores do mercado livre e congressistas estão todos, por diferentes motivos, insatisfeitos. Além disso, o esforço exigido das empresas é muito maior do que a contribuição do governo federal, que não reduziu impostos e apenas retirou das tarifas encargos que ele mesmo elevou nos anos recentes. Não há também nenhuma proposta que ataque as ineficiências do setor, como o alto custo do gás natural, resultante do monopólio de fato da Petrobras. Nada foi dito tampouco sobre os erros no planejamento dos leilões de energia que fazem com que consumidores paguem por energia que não foi sequer gerada, como a do grupo Bertin, ou que não pode ser consumida porque não há linhas de transmissão disponíveis, como a gerada pelas eólicas.
Membros do governo argumentam que estão oferecendo um novo negócio às empresas concessionárias e não a prorrogação dos contratos a vencer. Por isso, podem mudar completamente a forma de remuneração, ressuscitando a tarifação pelo custo. Podem também intervir em contratos de venda de energia, forçar a cessão "compulsória" dos mesmos e, pior, obrigar as empresas a assumir os prejuízos dessa cessão. E o pior é que a intervenção afeta negativamente os preços no mercado livre onde se abastece o setor industrial gerando efeito inverso ao desejado. O novo negócio permite ao governo ignorar o conceito básico de "reversão" de ativos, oferecendo às empresas valores residuais por seus ativos infinitamente menores dos que teriam direito. Desconsideram-se assim investimentos prudentes e manutenção feitos além do projeto básico da usina e com aprovação do órgão regulador. A consequência é óbvia: as empresas pensarão duas vezes antes de investir novamente.
O governo oferece um novo negócio e não uma prorrogação. Trata-se de um novo contrato com bases totalmente diferentes dos contratos atuais. Com exigências draconianas, é natural que esse "novo negócio" seja recusado. É impossível para empresas, inclusive Eletrobras, explicarem a seus acionistas porque devem abrir mão de contratos válidos e melhores do que os propostos pela MP. Pior ainda, como justificar aos seus acionistas a liberalidade de entregar ativos ainda não amortizados sem indenização? Ao colocar em risco a sobrevivência das concessionárias, a MP não atende ao interesse público porque coloca em risco a própria sobrevivência das concessionárias. Se o governo está tão seguro que as tarifas propostas são suficientes para garantir tanto a operação das usinas quanto investimentos futuros, que tal se comprometer em lei a não colocar recursos do Tesouro na Eletrobras pelos próximos dez anos?
Em 2013 estaremos de volta a 1993, com controle tarifário, insegurança jurídica e intervencionismo
O encaminhamento recente das discussões com empresas e o Congresso agrava as preocupações dos analistas. Recentes declarações oficiais têm indicado que as bases dessa "proposta"- devem se tornar regra geral, atingindo inclusive empresas que não assinarem esse novo contrato. Não surpreende a queda das ações das empresas do setor, uma perda de valor jamais vista para um único setor.
A queda foi também decorrente do tratamento desigual imposto pelo governo entre ativos pertencentes ao governo federal e aqueles pertencentes às empresas estaduais. A presidente Dilma diz que a precificação feita pelo governo FHC gerou ganhos extraordinários para as empresas, daí a necessidade da mudança. Mas desde 2004 até hoje 29 usinas tiveram o direito a sua primeira prorrogação respeitado. E essa renovação se deu de forma não onerosa, mantendo a "precificação" anterior e remunerando ativos já amortizados. Entre essas usinas, destaca-se a Serra da Mesa, que pertence a Furnas, cujo contrato foi prorrogado em abril deste ano, quando as mudanças anunciadas pela MP 579 já estavam em discussão dentro do governo. Por outro lado, a usina Três Irmãos que pertence à Cesp ficou com seu pedido de prorrogação dormindo nas gavetas da Aneel por anos, e usinas da Cemig, como São Simão, que têm sua prorrogação garantida por contrato de concessão, tiveram seu direito ignorado.
Além do radicalismo do conteúdo, a forma também foi inadequada. Depois de anos de discussão do assunto na agenda do setor elétrico, a decisão oficial é comunicada via Medida Provisória. Além disso, a MP foi imediatamente regulamentada por decreto que obriga a adesão das concessionárias antes dos trabalhos da Comissão se encerrarem. Caso modificações importantes ocorram na conversão da MP em lei, como ficarão as concessões prorrogadas antes da lei ser conhecida? Uma insegurança jurídica criada desnecessariamente...
Não perdem só as empresas. Perde o país com a fuga de investidores estrangeiros que há anos colocam recursos na infraestrutura brasileira. O resultado final pode ser exatamente o oposto do desejado: menor investimento decorrente do maior risco de perdas regulatórias, provocando aumento no custo da energia ou até mesmo restrições de oferta. O que está em risco é a segurança energética do país. No momento em que assistimos à combinação de uma sequência de apagões e as usinas térmicas já estão produzindo no seu limite, esse é um risco real e imediato.
Também grave é o retrocesso regulatório que acompanha a medida. Em 1993, em função do uso de controle tarifário para o combate à inflação, as empresas do setor elétrico estavam endividadas e incapacitadas de realizar investimentos. A Lei 8.631/93 eliminou a remuneração pelo custo, introduziu a regulação por incentivos e realizou, na ocasião, um encontro de contas que custou mais de US$ 20 bilhões aos cofres públicos. Desde então o país passou por grandes reformas no setor, mas sempre respeitando os princípios básicos da boa regulação. A MP 579 é uma guinada de 360º - em 2013 corremos o risco de estar de volta a 1993, a um mundo de excessivo intervencionismo estatal, insegurança jurídica e controle tarifário.
Coincidência ou não, no dia 11 de setembro o governo brasileiro iniciou o desmonte do setor elétrico brasileiro. Apesar das boas intenções da Medida Provisória (MP) 579 - reduzir o custo de energia no país e impor maior eficiência à Eletrobras - os meios destruíram os fins. Uma medida que deveria receber apoio da sociedade como um todo, já que reduz as tarifas de energia, acabou na prática só tendo recebido aprovação do próprio governo. Empresas, acionistas, governadores, consumidores do mercado livre e congressistas estão todos, por diferentes motivos, insatisfeitos. Além disso, o esforço exigido das empresas é muito maior do que a contribuição do governo federal, que não reduziu impostos e apenas retirou das tarifas encargos que ele mesmo elevou nos anos recentes. Não há também nenhuma proposta que ataque as ineficiências do setor, como o alto custo do gás natural, resultante do monopólio de fato da Petrobras. Nada foi dito tampouco sobre os erros no planejamento dos leilões de energia que fazem com que consumidores paguem por energia que não foi sequer gerada, como a do grupo Bertin, ou que não pode ser consumida porque não há linhas de transmissão disponíveis, como a gerada pelas eólicas.
Membros do governo argumentam que estão oferecendo um novo negócio às empresas concessionárias e não a prorrogação dos contratos a vencer. Por isso, podem mudar completamente a forma de remuneração, ressuscitando a tarifação pelo custo. Podem também intervir em contratos de venda de energia, forçar a cessão "compulsória" dos mesmos e, pior, obrigar as empresas a assumir os prejuízos dessa cessão. E o pior é que a intervenção afeta negativamente os preços no mercado livre onde se abastece o setor industrial gerando efeito inverso ao desejado. O novo negócio permite ao governo ignorar o conceito básico de "reversão" de ativos, oferecendo às empresas valores residuais por seus ativos infinitamente menores dos que teriam direito. Desconsideram-se assim investimentos prudentes e manutenção feitos além do projeto básico da usina e com aprovação do órgão regulador. A consequência é óbvia: as empresas pensarão duas vezes antes de investir novamente.
O governo oferece um novo negócio e não uma prorrogação. Trata-se de um novo contrato com bases totalmente diferentes dos contratos atuais. Com exigências draconianas, é natural que esse "novo negócio" seja recusado. É impossível para empresas, inclusive Eletrobras, explicarem a seus acionistas porque devem abrir mão de contratos válidos e melhores do que os propostos pela MP. Pior ainda, como justificar aos seus acionistas a liberalidade de entregar ativos ainda não amortizados sem indenização? Ao colocar em risco a sobrevivência das concessionárias, a MP não atende ao interesse público porque coloca em risco a própria sobrevivência das concessionárias. Se o governo está tão seguro que as tarifas propostas são suficientes para garantir tanto a operação das usinas quanto investimentos futuros, que tal se comprometer em lei a não colocar recursos do Tesouro na Eletrobras pelos próximos dez anos?
Em 2013 estaremos de volta a 1993, com controle tarifário, insegurança jurídica e intervencionismo
O encaminhamento recente das discussões com empresas e o Congresso agrava as preocupações dos analistas. Recentes declarações oficiais têm indicado que as bases dessa "proposta"- devem se tornar regra geral, atingindo inclusive empresas que não assinarem esse novo contrato. Não surpreende a queda das ações das empresas do setor, uma perda de valor jamais vista para um único setor.
A queda foi também decorrente do tratamento desigual imposto pelo governo entre ativos pertencentes ao governo federal e aqueles pertencentes às empresas estaduais. A presidente Dilma diz que a precificação feita pelo governo FHC gerou ganhos extraordinários para as empresas, daí a necessidade da mudança. Mas desde 2004 até hoje 29 usinas tiveram o direito a sua primeira prorrogação respeitado. E essa renovação se deu de forma não onerosa, mantendo a "precificação" anterior e remunerando ativos já amortizados. Entre essas usinas, destaca-se a Serra da Mesa, que pertence a Furnas, cujo contrato foi prorrogado em abril deste ano, quando as mudanças anunciadas pela MP 579 já estavam em discussão dentro do governo. Por outro lado, a usina Três Irmãos que pertence à Cesp ficou com seu pedido de prorrogação dormindo nas gavetas da Aneel por anos, e usinas da Cemig, como São Simão, que têm sua prorrogação garantida por contrato de concessão, tiveram seu direito ignorado.
Além do radicalismo do conteúdo, a forma também foi inadequada. Depois de anos de discussão do assunto na agenda do setor elétrico, a decisão oficial é comunicada via Medida Provisória. Além disso, a MP foi imediatamente regulamentada por decreto que obriga a adesão das concessionárias antes dos trabalhos da Comissão se encerrarem. Caso modificações importantes ocorram na conversão da MP em lei, como ficarão as concessões prorrogadas antes da lei ser conhecida? Uma insegurança jurídica criada desnecessariamente...
Não perdem só as empresas. Perde o país com a fuga de investidores estrangeiros que há anos colocam recursos na infraestrutura brasileira. O resultado final pode ser exatamente o oposto do desejado: menor investimento decorrente do maior risco de perdas regulatórias, provocando aumento no custo da energia ou até mesmo restrições de oferta. O que está em risco é a segurança energética do país. No momento em que assistimos à combinação de uma sequência de apagões e as usinas térmicas já estão produzindo no seu limite, esse é um risco real e imediato.
Também grave é o retrocesso regulatório que acompanha a medida. Em 1993, em função do uso de controle tarifário para o combate à inflação, as empresas do setor elétrico estavam endividadas e incapacitadas de realizar investimentos. A Lei 8.631/93 eliminou a remuneração pelo custo, introduziu a regulação por incentivos e realizou, na ocasião, um encontro de contas que custou mais de US$ 20 bilhões aos cofres públicos. Desde então o país passou por grandes reformas no setor, mas sempre respeitando os princípios básicos da boa regulação. A MP 579 é uma guinada de 360º - em 2013 corremos o risco de estar de volta a 1993, a um mundo de excessivo intervencionismo estatal, insegurança jurídica e controle tarifário.
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