O GLOBO - 08/11
No que depender do relator Joaquim Barbosa, o publicitário Marcos Valério não terá penas reduzidas por ser, na definição de seu advogado, Marcelo Leonardo, um "réu colaborador" no processo do mensalão. De volta da Alemanha tão assertivo quanto anteriormente, Barbosa bateu-se ontem no plenário contra os ministros que queriam reduzir a pena de Valério, que já soma cerca de 40 anos.
O advogado do publicitário havia mandado um memorial para os ministros pedindo que os cinco crimes contra o patrimônio público fossem considerados como "continuidade delitiva" e não crimes separados. O ministro Marco Aurélio Mello chegou a ter uma discussão das mais acaloradas com o relator quando defendia o uso do critério de "continuidade delitiva" para algumas penas, em lugar do "concurso formal".
Marco Aurélio chegou a dizer que o Supremo Tribunal Federal não pode estabelecer "critérios de plantão" para fixar a pena dos condenados no processo do mensalão, por mais graves que sejam seus crimes. A diferença de critérios é básica para a fixação das penas dos réus.
Pelo "concurso material", quando o mesmo crime é cometido várias vezes em ações distintas, há uma pena separada para cada crime. Na "continuidade delitiva", o juiz considera que o mesmo crime foi praticado diversas vezes de forma continuada. Nesses casos, aplica-se a pena mais grave, acrescida de um sexto a dois terços.
O relator Joaquim Barbosa considera inaceitável a interpretação que resulta em penas mais leves nos casos em julgamento do mensalão, pelas suas gravidades. Por isso, quando Marco Aurélio começou a defender a tese da "continuidade delitiva" para Marcos Valério, o relator fez um ar que o colega considerou debochado. Marco Aurélio reagiu: "Cuide das palavras que venha a utilizar quando eu estiver votando. Não sorria, porque a coisa é muito séria. Nós estamos no Supremo. O deboche não cabe", disse. E acrescentou: "Não admito que Vossa Excelência suponha que só haja salafrários neste plenário, e apenas Vossa Excelência é vestal."
Na defesa de sua tese, Joaquim Barbosa voltou a se confrontar com o revisor Ricardo Lewandowski, que tentava reduzir a pena de Ramon Hollerbach lendo declarações sobre a seriedade e probidade do publicitário sócio de Valério. Barbosa não se conteve e ironizou, dizendo que Lewandowski estava transformando "criminosos em anjos", para concluir que a postura do ministro revisor era "inadmissível".
Para se defender de críticas de estar sendo leniente, Lewandowski lembrou que, pelas suas condenações, o réu Ramon Hollerbach pegaria "mais de 12 anos, uma pena não muito comum na Justiça brasileira". Outra discussão entre os juízes, em torno do mesmo tema de rigor excessivo das penas, foi sobre a definição da "pena-base" que vai determinar o tamanho final da punição.
Joaquim Barbosa chamou a atenção para estudos que indicam uma tendência dos juízes brasileiros de confundir "pena-base" com "pena mínima", o que reduz a condenação final. O penalista de São Paulo Guilherme Nuth, citado pelo relator, considera que, como essa conduta é dominante, a maioria dos juízes despreza "os riquíssimos elementos para escolher entre o mínimo e o máximo para cada ação penal, e a pena ideal para cada réu".
A posição mais rigorosa do relator continua sendo majoritária no plenário do Supremo Tribunal Federal, embora esteja difícil a definição de critérios consensuais que possam apressar a definição das penas. Na retomada do julgamento ontem, os mesmos problemas surgiram, com um desencontro entre o relator e o revisor, o que tem obrigado a diversas interrupções para debates de conteúdo das decisões.
A preocupação com a prescrição de algumas penas, como a de lavagem de dinheiro, era um dos objetivos da aplicação de pena maior por parte do relator Joaquim Barbosa. A marcha da decisão do STF em relação às penas dos réus do mensalão indica que este julgamento não terminará tão cedo, e na falta de critérios objetivos que norteiem as decisões, é previsível que os advogados de defesa terão muitas razões para apresentar embargos ao seu final, retardando a execução das penas.
Entrevista:O Estado inteligente
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