FOLHA DE SP - 04/01/12
O projeto anticrack lançado pela presidente Dilma Rousseff foi feito para ser descumprido, até porque as obras e serviços estão em desacordo com os recursos e prazos anunciados pelo governo.
A tradição do governo é não investir sequer as migalhas propagadas. O ex-presidente Lula garantiu R$ 124 milhões ao setor em 2010. Pagou R$ 5,3 milhões. Para este ano, Dilma reservou R$ 33,6 milhões e, até tentar tirar Fernando Pimentel das manchetes com os holofotes contra as drogas, havia investido pouco mais de R$ 4 milhões.
O montante prometido é mil vezes maior, R$ 4 bilhões, valor que reacende a vigilância dos atentos e aguça a ganância dos aliados.
Em um aspecto, no entanto, o plano é plausível, ao tratar da internação sem consentimento do doente. Mas essa foi exatamente a parte criticada pelo colunista Hélio Schwartsman na edição de 13 de dezembro da Folha.
No artigo "Tratamento na Marra", ele discute, já a partir do título, como essa internação representaria um retrocesso de décadas, "perigoso" e inconstitucional.
Na verdade, é o contrário. O dominado pelo vício tem uma única vontade: fumar pedras dia e noite. Para conseguir isso, ele gasta tudo, vende os bens que tem em casa, passa ao furto e ao tráfico. Enquanto definha, família e autoridades nada podem fazer, pois não há pena prevista na Lei de Drogas nem na da reforma psiquiátrica, a 10.216/01, que foi citada por Schwartsman na sua coluna.
Para quem defende a decisão da vítima, o Estado não deve se intrometer se ela vai do tratamento diretamente para a boca de fumo encher o cachimbo. É a política do "se quiser morrer, que morra" ou do "resolveu entrar, resolva parar".
Claro que quanto menor a interferência do Estado no dia a dia das pessoas, melhor. Mas a cracolândia é o oposto de qualquer símbolo de iniciativa própria. O poder público falha ao controlar a entrada das drogas e a sua circulação. Depois, em vez de sanar o erro, usufrui dele dizendo que se omite para assegurar ao craqueiro o direito de se matar.
A existência da cracolândia é uma negação das liberdades, conviver com ela é afirmar a vitória do banditismo, aceitá-la é sinônimo de covardia e incompetência.
Em nome dessa liberdade sociológica, o paciente só fica na clínica se quiser. Mas ele não quer, pois a dependência é avassaladora.
Uma solução está no projeto de lei 111/10, que apresentei por sugestão de debatedores no Twitter. Ele determina detenção de seis meses a um ano para o usuário e manda o juiz "substituí-la" pelos cuidados com a saúde.
Essa redação afasta o temor manifestado por Schwartsman de o médico prender ou abandonar quem não tem parentes. O controle será do Judiciário, depois de ouvir especialistas. O que se deve evitar é a saída mostrada no artigo de Schwartsman: levar o dependente ao hospital apenas na iminência da sua morte (para ele ficar apenas "dois ou três dias") e, depois disso, devolvê-lo à sarjeta.
Tratar exige acompanhamento por tempo indefinido. Deixar o dependente se exaurir nas calçadas ou desistir dele em 72 horas é, sobretudo, desumano.
A vida é o maior bem jurídico tutelado e a única coisa que viciados têm além da ânsia pelo crack -esta, cada vez maior e estimulada pela ausência do Estado; aquela, um fiapo envolto em molambos esquecidos para os quais o mesmo Estado diz "dane-se".
O projeto anticrack lançado pela presidente Dilma Rousseff foi feito para ser descumprido, até porque as obras e serviços estão em desacordo com os recursos e prazos anunciados pelo governo.
A tradição do governo é não investir sequer as migalhas propagadas. O ex-presidente Lula garantiu R$ 124 milhões ao setor em 2010. Pagou R$ 5,3 milhões. Para este ano, Dilma reservou R$ 33,6 milhões e, até tentar tirar Fernando Pimentel das manchetes com os holofotes contra as drogas, havia investido pouco mais de R$ 4 milhões.
O montante prometido é mil vezes maior, R$ 4 bilhões, valor que reacende a vigilância dos atentos e aguça a ganância dos aliados.
Em um aspecto, no entanto, o plano é plausível, ao tratar da internação sem consentimento do doente. Mas essa foi exatamente a parte criticada pelo colunista Hélio Schwartsman na edição de 13 de dezembro da Folha.
No artigo "Tratamento na Marra", ele discute, já a partir do título, como essa internação representaria um retrocesso de décadas, "perigoso" e inconstitucional.
Na verdade, é o contrário. O dominado pelo vício tem uma única vontade: fumar pedras dia e noite. Para conseguir isso, ele gasta tudo, vende os bens que tem em casa, passa ao furto e ao tráfico. Enquanto definha, família e autoridades nada podem fazer, pois não há pena prevista na Lei de Drogas nem na da reforma psiquiátrica, a 10.216/01, que foi citada por Schwartsman na sua coluna.
Para quem defende a decisão da vítima, o Estado não deve se intrometer se ela vai do tratamento diretamente para a boca de fumo encher o cachimbo. É a política do "se quiser morrer, que morra" ou do "resolveu entrar, resolva parar".
Claro que quanto menor a interferência do Estado no dia a dia das pessoas, melhor. Mas a cracolândia é o oposto de qualquer símbolo de iniciativa própria. O poder público falha ao controlar a entrada das drogas e a sua circulação. Depois, em vez de sanar o erro, usufrui dele dizendo que se omite para assegurar ao craqueiro o direito de se matar.
A existência da cracolândia é uma negação das liberdades, conviver com ela é afirmar a vitória do banditismo, aceitá-la é sinônimo de covardia e incompetência.
Em nome dessa liberdade sociológica, o paciente só fica na clínica se quiser. Mas ele não quer, pois a dependência é avassaladora.
Uma solução está no projeto de lei 111/10, que apresentei por sugestão de debatedores no Twitter. Ele determina detenção de seis meses a um ano para o usuário e manda o juiz "substituí-la" pelos cuidados com a saúde.
Essa redação afasta o temor manifestado por Schwartsman de o médico prender ou abandonar quem não tem parentes. O controle será do Judiciário, depois de ouvir especialistas. O que se deve evitar é a saída mostrada no artigo de Schwartsman: levar o dependente ao hospital apenas na iminência da sua morte (para ele ficar apenas "dois ou três dias") e, depois disso, devolvê-lo à sarjeta.
Tratar exige acompanhamento por tempo indefinido. Deixar o dependente se exaurir nas calçadas ou desistir dele em 72 horas é, sobretudo, desumano.
A vida é o maior bem jurídico tutelado e a única coisa que viciados têm além da ânsia pelo crack -esta, cada vez maior e estimulada pela ausência do Estado; aquela, um fiapo envolto em molambos esquecidos para os quais o mesmo Estado diz "dane-se".