O Estado de S.Paulo
A zona do euro voltou à sua ocupação habitual: o afogamento. Nesse exercício ela é escolada após dois anos de repetição. Todos os atores estão na linha de partida. Cada qual conhece seu papel. A Grécia ameaça entrar em default desde março. A Itália e a Espanha cambaleiam. A União Europeia, o Fundo Monetário Internacional, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) preparam-se para sustentar Grécia, Irlanda, Portugal. O espetáculo pode continuar. Ocorre que surgiu um novo ator que subverteu o jogo e começa a virar a mesa. Trata-se da agência de classificação de crédito Standard & Poor's.
Nenhuma surpresa. A lâmina da Standard & Poor's estava armada há duas semanas. E caiu. Ela não agiu com absoluta violência. Quatro países, entre os quais a Alemanha, foram poupados e felicitados pela agência.
Todos os demais foram mais o menos pesadamente punidos. A França perdeu seu "triplo A". É uma bofetada no presidente francês Nicolas Sarkozy que havia feito, muito irrefletidamente aliás, do "triplo A" das agências o princípio e o fim de sua ação econômica. Após a perda do "triplo A", Sarkozy se encontra um pouco nu. E isso não lhe agrada.
Mas a verdadeira vítima da Standard & Poor's não foi a França, foi a Europa inteira e, sobretudo, a moeda comum. Ao colocar nove países da zona do euro de castigo, a S&P faz soprar um vendaval sobre o patético castelo de cartas que se tornou essa zona após dois anos de tormentas.
Dois líderes haviam se autodeclarado salvadores do euro, a chanceler alemã Angela Merkel, e o francês Sarkozy. Agora, porém, a S&P diz que os esforços feitos pela dupla franco-alemã não serviram para nada. A despeito das gesticulações Merkel-Sarkozy, a "queda da casa do euro" continua.
E o que é mais grave: a Alemanha recebeu felicitações. A França, uma reprimenda. Assim o casal se desmembra. Ele não poderá falar mais com uma única voz porque agora será formado por uma pessoa poderosa, Angela Merkel, e um homem depreciado, Nicolas Sarkozy. É verdade que muito antes do drama da S&P, a dupla já estava desequilibrada. Por suas inconsequências e vaidades, Sarkozy havia se colocado em situação de inferioridade em face da sólida Merkel. Mas ele fingia ser seu igual.
Hoje, essa inferioridade está ruidosamente, planetariamente, oficializada. Assim, a dupla franco-alemã se tornou uma dupla capenga, o que não é bom quando ela se apresenta como "Senhor e Senhora Músculo".
Muitos franceses (mas também espanhóis, gregos, italianos) se enfureceram contra essa agência que se convida para o debate sobre o euro com a delicadeza de um elefante numa loja de porcelana. Eles têm razão. Entretanto, não é preciso mobilizar quilômetros de estatísticas e relatórios contábeis para se chegar à mesma conclusão que a S&P, e dizer que, doravante, não há uma única zona do euro, mas duas, ou mesmo três.
Há uma Europa do norte, virtuosa, rica, trabalhadora e fascinada pelo exemplo alemão. Há uma Europa do sul, que perde o fôlego, com um país semiafogado, a Grécia, e outros ameaçados (25% de desempregados na Espanha e dívidas soberanas monstruosas na Itália). No meio do caminho, tanto geográfico como econômico, entre esses dois blocos, a França procede das duas outras zonas: ela é um pouco robusta como a Alemanha e um pouco frívola e arruinada como a Itália.
A esses dois grupos, é preciso acrescentar outros dois: o dos países mais ao leste, por vezes brilhantes como a Polônia, por vezes desastrosos como a Hungria. Resta um outro país: a Grã-Bretanha, que não está em situação muito brilhante, mas que não é atingida pelos sobressaltos atuais do continente já que ela não quis destruir sua libra esterlina para aderir ao euro.
E é com esse bando que vocês querem fazer uma bela moeda única? / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK