O Globo
A solução da crise europeia passa sem dúvida por questões delicadas como a soberania nacional de cada país que compõe a União Europeia, e é por isso que a assinatura do acordo fiscal abrangente está sendo considerada passo essencial para, mais adiante, a criação de um sistema fiscal unificado.
A autonomia dos estados-membros da União Europeia está em jogo quando a Alemanha pretende obrigar a Grécia a aceitar a supervisão de uma comissão de ministros da área econômica, que nomearia um “comissário do orçamento” para acompanhar os gastos do governo grego, com poderes de veto sobre qualquer decisão que coloque em risco o equilíbrio fiscal.
Se a aceitação dessa ingerência já é difícil em um país pequeno e fraco politicamente, como a Grécia, o que dizer dos demais?
É por isso que o comissário europeu para Assuntos Econômicos e Monetários, Olli Rehn, comparou o acordo fiscal em vias de ser concretizado com a decisão do Secretário do Tesouro Alexander Hamilton nos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso em 1790, de cobrar impostos sobre alguns produtos dos estados que formavam a recém-criada nação americana.
Problemas financeiros afetavam o governo, que havia se endividado durante a guerra da independência e não tinha dinheiro para as obras de infraestrutura necessárias.
Hamilton propôs que o governo federal criasse impostos sobre alguns produtos, como bebidas alcoólicas, e com o dinheiro arrecadado pagasse as dívidas tanto do governo central quanto as dos estados, além de poder fazer os investimentos nas obras necessárias. Também era a favor da criação de um banco central, para balancear as finanças do governo.
O secretário de Estado Thomas Jefferson era contra o governo se intrometer em questões econômicas, mas chegou a um acordo com Hamilton: apoiou suas propostas financeiras, e recebeu em troca o apoio de Hamilton para a criação de uma nova capital em um estado do Sul.
A autonomia dos estados-membros da União Europeia está em jogo quando a Alemanha pretende obrigar a Grécia a aceitar a supervisão de uma comissão de ministros da área econômica, que nomearia um “comissário do orçamento” para acompanhar os gastos do governo grego, com poderes de veto sobre qualquer decisão que coloque em risco o equilíbrio fiscal.
Se a aceitação dessa ingerência já é difícil em um país pequeno e fraco politicamente, como a Grécia, o que dizer dos demais?
É por isso que o comissário europeu para Assuntos Econômicos e Monetários, Olli Rehn, comparou o acordo fiscal em vias de ser concretizado com a decisão do Secretário do Tesouro Alexander Hamilton nos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso em 1790, de cobrar impostos sobre alguns produtos dos estados que formavam a recém-criada nação americana.
Problemas financeiros afetavam o governo, que havia se endividado durante a guerra da independência e não tinha dinheiro para as obras de infraestrutura necessárias.
Hamilton propôs que o governo federal criasse impostos sobre alguns produtos, como bebidas alcoólicas, e com o dinheiro arrecadado pagasse as dívidas tanto do governo central quanto as dos estados, além de poder fazer os investimentos nas obras necessárias. Também era a favor da criação de um banco central, para balancear as finanças do governo.
O secretário de Estado Thomas Jefferson era contra o governo se intrometer em questões econômicas, mas chegou a um acordo com Hamilton: apoiou suas propostas financeiras, e recebeu em troca o apoio de Hamilton para a criação de uma nova capital em um estado do Sul.
O Congresso americano aprovou ambas as propostas. Em 1790, a capital do país mudou-se para Washington, distrito de Columbia, e leis que cobravam impostos em bebidas alcoólicas e em outros produtos foram criadas, assim como o Banco dos Estados Unidos da América. É claro que a taxa teve de ser revogada mais adiante, devido a uma rebelião dos estados produtores, que ficou conhecida como a Revolta do Whisky. Mas o conceito permaneceu.
Pois a Europa caminha para essa fase de unificação de procedimentos, com a tendência de longo prazo já sinalizada para a menor autonomia dos seus membros diante da necessidade de haver uma política comum que esteja acima das questões locais.
Mas, enquanto esse tempo não chega, questões locais são justamente as que mais pesam no momento. Em um dos painéis em que se discutiu o futuro da zona do euro, ressaltou-se o fato de que as questões estruturais que precisam ser resolvidas na maioria dos países, como as referentes à imigração e às reformas dos sistemas trabalhista e previdenciário, dificilmente o serão, devido às pressões eleitorais de curto prazo.
Uma das soluções apresentadas foi a de sincronizar o calendário eleitoral nos países membros, para evitar que reivindicações regionais estejam sempre em disputa em qualquer parte do ano, impedindo acordos consensuais.
Mas há quem queira que questões referentes à União Europeia sejam decididas no parlamento europeu, retirando o poder dos políticos locais.
Mesmo os desentendimentos entre países, como os que ocorrem agora entre França e Inglaterra, ou com a Alemanha, acabam sendo afetados pelos interesses eleitorais locais.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, ficou irritado com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, a quem chamou de “criança obstinada”, depois que ele vetou uma medida de reforço fiscal da União Europeia no mês passado em Bruxelas.
O inglês voltou a fazer críticas à condução da crise europeia esta semana em Davos, no Fórum Econômico Mundial, a ponto de irritar o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble.
Acusado de estar tentando impor aos outros países uma austeridade fiscal que poderia inviabilizar o crescimento, o alemão disse que a questão deveria ser enviada ao primeiro-ministro David Cameron, e prometeu dar o celular dele.
Mas as críticas de Cameron também irritam Sarkozy, que não se nega a explicitar seu estado de espírito. Os ingleses, no entanto, acham que ele está fazendo cena para ganhar apoio nas eleições presidenciais em maio.
Até lá, dizem eles ironicamente, os ingleses servirão de bodes expiatórios para os franceses, e depois das eleições as negociações ficarão mais fáceis.
As questões eleitorais claramente interferem nas decisões econômicas, principalmente às vésperas das eleições, e temos exemplos disso tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
Na França, o candidato socialista François Hollande prometeu criar uma alíquota de 45% para os muito ricos, sobre os ganhos anuais acima de 150 mil euros.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também lançou sua campanha para aprovar a chamada “taxa Buffett”, que aumenta a cobrança de impostos para os mais ricos, e disse que os que chamam essa medida de “luta de classes” deveriam compreender que se trata apenas do senso comum fazer com que uma pessoa que ganhe acima de US$ 1 milhão por ano pague pelo menos 30% em impostos.
Também na Inglaterra o vice-primeiro-ministro Nick Clegg defendeu na semana passada, em caráter de urgência, a criação de uma nova classe de impostos para os que ganham acima de 150 mil libras por ano.
A crise financeira na União Europeia e nos Estados Unidos, especialmente por sua consequência mais perversa, a do desemprego em massa, afetando em particular os mais jovens, está levando a medidas que muitas vezes podem ser consideradas populistas, e a outras mais, que podem levar à divisão.
O aumento de impostos para os chamados “muito ricos” não chega a ser uma solução para os problemas estruturais, mas dá a sensação de que todos estão no mesmo barco.
Difícil será fazer com que todos os países da União Europeia queiram ficar no mesmo barco, com novas obrigações comuns e redução de autonomia.
Pois a Europa caminha para essa fase de unificação de procedimentos, com a tendência de longo prazo já sinalizada para a menor autonomia dos seus membros diante da necessidade de haver uma política comum que esteja acima das questões locais.
Mas, enquanto esse tempo não chega, questões locais são justamente as que mais pesam no momento. Em um dos painéis em que se discutiu o futuro da zona do euro, ressaltou-se o fato de que as questões estruturais que precisam ser resolvidas na maioria dos países, como as referentes à imigração e às reformas dos sistemas trabalhista e previdenciário, dificilmente o serão, devido às pressões eleitorais de curto prazo.
Uma das soluções apresentadas foi a de sincronizar o calendário eleitoral nos países membros, para evitar que reivindicações regionais estejam sempre em disputa em qualquer parte do ano, impedindo acordos consensuais.
Mas há quem queira que questões referentes à União Europeia sejam decididas no parlamento europeu, retirando o poder dos políticos locais.
Mesmo os desentendimentos entre países, como os que ocorrem agora entre França e Inglaterra, ou com a Alemanha, acabam sendo afetados pelos interesses eleitorais locais.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, ficou irritado com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, a quem chamou de “criança obstinada”, depois que ele vetou uma medida de reforço fiscal da União Europeia no mês passado em Bruxelas.
O inglês voltou a fazer críticas à condução da crise europeia esta semana em Davos, no Fórum Econômico Mundial, a ponto de irritar o ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble.
Acusado de estar tentando impor aos outros países uma austeridade fiscal que poderia inviabilizar o crescimento, o alemão disse que a questão deveria ser enviada ao primeiro-ministro David Cameron, e prometeu dar o celular dele.
Mas as críticas de Cameron também irritam Sarkozy, que não se nega a explicitar seu estado de espírito. Os ingleses, no entanto, acham que ele está fazendo cena para ganhar apoio nas eleições presidenciais em maio.
Até lá, dizem eles ironicamente, os ingleses servirão de bodes expiatórios para os franceses, e depois das eleições as negociações ficarão mais fáceis.
As questões eleitorais claramente interferem nas decisões econômicas, principalmente às vésperas das eleições, e temos exemplos disso tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.
Na França, o candidato socialista François Hollande prometeu criar uma alíquota de 45% para os muito ricos, sobre os ganhos anuais acima de 150 mil euros.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também lançou sua campanha para aprovar a chamada “taxa Buffett”, que aumenta a cobrança de impostos para os mais ricos, e disse que os que chamam essa medida de “luta de classes” deveriam compreender que se trata apenas do senso comum fazer com que uma pessoa que ganhe acima de US$ 1 milhão por ano pague pelo menos 30% em impostos.
Também na Inglaterra o vice-primeiro-ministro Nick Clegg defendeu na semana passada, em caráter de urgência, a criação de uma nova classe de impostos para os que ganham acima de 150 mil libras por ano.
A crise financeira na União Europeia e nos Estados Unidos, especialmente por sua consequência mais perversa, a do desemprego em massa, afetando em particular os mais jovens, está levando a medidas que muitas vezes podem ser consideradas populistas, e a outras mais, que podem levar à divisão.
O aumento de impostos para os chamados “muito ricos” não chega a ser uma solução para os problemas estruturais, mas dá a sensação de que todos estão no mesmo barco.
Difícil será fazer com que todos os países da União Europeia queiram ficar no mesmo barco, com novas obrigações comuns e redução de autonomia.