O GLOBO - 27/01/12
Normalmente, o trabalho que se tem com a ata do Copom é ler nas entrelinhas. Desta vez, não precisou. O mais importante estava nas linhas. Mais precisamente nas linhas do parágrafo 35: "o Copom atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares de um dígito." Tirando as palavras do estilo tortuoso do Banco Central, há a informação direta de que o BC explicitou um desejo em relação à taxa de juros. Já sobre a inflação, que deveria ser seu objetivo principal, o texto é bem menos direto: "A estratégia adotada pelo Copom visa assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas."
Sobre o câmbio, pode-se inferir que o real continuará mais valorizado. Na ata, está dito que haverá "aumento da oferta de poupança externa e a redução do seu custo de captação". A tradução disso é que haverá mais investimentos externos, entrada de capital, captação no exterior de empresas brasileiras a um custo menor. Mais entrada de dólar significa mais apreciação do real. Isso resulta em mais dificuldade para a indústria brasileira.
No programa de ontem da Globonews, conversei com as economistas Monica da Bolle, da Galanto Consultoria, e Silvia Matos, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). As duas apontam para esse dilema: o mesmo dólar que afaga, reduzindo a inflação, é o dólar que fustiga a indústria. Ela terá mais dificuldade de competir com o produto importado. Isso porque o Brasil, alerta Silvia, não está tendo nenhum ganho de produtividade. E não está tendo, lembra Monica, porque não enfrenta os problemas estruturais que tiram a competitividade da economia: infraestrutura deficiente, alta carga tributária, baixa qualidade da educação.
Na conjuntura, o Brasil parece bem, mas, se a gente tenta ver um pouco além do horizonte, esbarra sempre com as mesmas nuvens. Silvia lembrou que o Brasil já fez o esforço da quantidade, ao incluir mais brasileiros em diversos níveis educacionais, mas ainda falta a qualidade.
Enquanto ninguém pensa no longo prazo, o que resta é comemorar os ganhos de curto prazo: a taxa de juros de volta ao caminho do um dígito, onde esteve em 2008, quando chegou a 8,75%. Em queda também o desemprego, que ficou em 4,7% em dezembro, a menor taxa mensal da atual série. A inflação ficará na trajetória declinante.
Segundo o Banco Central, a situação internacional continuará incerta, porque permanece o quadro de deterioração nas economias maduras, com riscos elevados para a estabilidade financeira mundial . Com a crise externa, pode haver menos elevação de preços de commodities, o que reduzirá a inflação aqui dentro. Essa é a boa notícia. A má notícia é que o Brasil precisa de preços das commodities em alta para manter seu superávit comercial.
O Banco Central trabalha com a hipótese de que a gasolina e o gás terão reajuste zero este ano. Os reajustes das tarifas públicas ficarão entre 1,5% e 2,3%, os preços administrados vão subir 4,0%, e o governo cumprirá a meta de 3,1% de superávit primário.
Na verdade, não há muita certeza sobre nenhuma das premissas que o Banco Central espalhou ao longo da ata. A gasolina está abaixo do preço internacional e a demanda em alta está impondo sobre a Petrobras um prejuízo cada vez maior. Só na gasolina importada a empresa perdeu meio bilhão de reais no ano passado. Se nada for alterado, confirma-se a premissa do BC e eleva-se o prejuízo da Petrobras. A meta fiscal só foi cumprida no ano passado porque o governo cortou investimentos - o que promete que não fará este ano - e houve aumento forte de arrecadação. O ajuste continua sendo na boca do caixa e não resultado de reformas que alterem a estrutura das despesas públicas.
O Banco Central diz na ata que a economia brasileira passou por transformações que permitem juros mais baixos. "Ocorreram mudanças estruturais significativas na economia, as quais determinaram recuo nas taxas de juros em geral e, em particular, na taxa neutra." Taxa neutra é também chamada de taxa de equilibro, ou juros que garantam a manutenção da inflação estável. Ao mesmo tempo, o Banco Central diz que a Selic pode voltar a subir, "em virtude dos próprios ciclos econômicos, reversões pontuais e temporárias podem ocorrer".
O que é melhor: ter a meta de juros de um dígito, para agradar a quem no governo pressiona o Banco Central, ou derrubar mais a inflação para que a queda dos juros seja mais permanente?
O mais sensato seria perseguir o segundo objetivo. No Brasil, os juros são altos demais, e a taxa tem ficado nessa gangorra de sobe um pouco, derruba a inflação, aí reduz os juros, e a inflação volta a subir. Melhor seria trabalhar para quedas mais duradouras. Isso se consegue mais facilmente se o Banco Central não se distrair da sua função principal: garantir a inflação na meta. O resto será consequência.